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Saiba qual é a suposta atuação do braço militar do Hezbollah no Brasil e na América Latina

© AP Photo / Andre PennerManifestante segura a bandeira do Hezbollah do alto de um monumento em praça de São Paulo (SP). Brasil, 6 de agosto de 2006
Manifestante segura a bandeira do Hezbollah do alto de um monumento em praça de São Paulo (SP). Brasil, 6 de agosto de 2006 - Sputnik Brasil, 1920, 23.11.2023
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Investigações do Departamento de Justiça dos EUA apontam que todos os anos a ala armada do grupo libanês Hezbollah faturaria pelo menos US$ 1 bilhão (R$ 4,8 bilhões) em atividades criminosas ao redor do mundo. E cerca de um terço dessa renda viria da América Latina.
No continente, há registros da presença do grupo em países como Brasil, Argentina, Venezuela, Colômbia, Nicarágua e Paraguai.
No início do mês, a operação Trapiche, da Polícia Federal (PF), indicou que as atividades de recrutamento e financiamento para o Hezbollah seriam uma realidade em solo brasileiro: na ocasião, dois homens foram presos pela corporação suspeitos de atuarem para o grupo, que supostamente pretendia realizar ataques contra instalações da comunidade judaica no país.
O episódio até provocou tensões diplomáticas entre Brasília e Tel Aviv. Enquanto o embaixador israelense disse que "há pessoas para ajudar" o movimento no país, os agentes federais defenderam que a força agiu no momento certo e a ameaça era superestimada por Israel e Estados Unidos.
O Mossad, serviço de inteligência de Israel, chegou a declarar que auxiliou nas apurações da corporação contra supostos integrantes do Hezbollah no Brasil. O órgão israelense afirmou ainda que "frustraram um ataque terrorista no Brasil que havia sido planejado pela organização terrorista Hezbollah, dirigido e financiado pelo regime iraniano".
A fala foi rebatida pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, no dia seguinte.

"Nenhuma força estrangeira manda na Polícia Federal do Brasil. E nenhum representante de governo estrangeiro pode pretender antecipar resultado de investigação conduzida pela Polícia Federal, ainda em andamento", observou.

Revelações divulgadas amplamente pela imprensa brasileira mostraram ainda em outubro, quando o conflito acabava de começar na Faixa de Gaza, que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) perdeu informações valiosas sobre a presença do Hezbollah em território nacional, ainda durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro. À época foi cortado o pagamento de dezenas de informantes do grupo para que a agência voltasse sua atuação exclusivamente para organizações criminosas brasileiras. Procurada, a Abin não comentou o caso.
Combatentes do Hezbollah levantam a bandeira do grupo e gritam palavras de ordem enquanto assistem ao cortejo fúnebre de combatente morto por bombardeios israelenses, em Majadel. Líbano, 22 de outubro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 10.11.2023
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Mas os registros de atuação do Hezbollah no Brasil datam de muito antes desses episódios: começaram ainda na década de 1980, conforme contou o professor de relações internacionais Jorge Lasmar, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), à Sputnik Brasil. O especialista analisa a presença do grupo na América Latina há décadas e lembrou que "nem todos os membros do Hezbollah fazem parte de seu braço armado e que a comunidade libanesa no Brasil tampouco deve ser confundida com os integrantes do grupo".
Tudo teria se iniciado, segundo Lasmar, em maio de 1984, quando Mohammad Tabataei Einaki foi enviado ao Brasil como representante do governo do Irã para certificar que o frango brasileiro exportado para o país era de fato halal (quando a cadeia produtiva segue as normas do Alcorão, como a relativa à garantia do bem-estar animal do nascimento ao abate). Inicialmente com um visto de 30 dias, Mohammad conseguiu estender o prazo por mais 12 meses, até ser expulso pela PF por ter "se engajado em atividades de radicalização e recrutamento" para o Hezbollah em São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, apesar de a corporação "não ter falado formalmente o nome do grupo".
Anos depois, os ataques à Embaixada de Israel em Buenos Aires (1992), quando 29 pessoas morreram e 242 ficaram feridas, e a um centro comunitário judaico também na capital da Argentina (1994), que terminou com 85 mortos e mais de 300 feridos, tiveram apoio de membros do Hezbollah que atuavam no Brasil, pontua o especialista. As investigações sobre os casos foram reabertas pelo promotor argentino Alberto Nisman, morto a tiros em 2015 e que trouxe evidências de que a ala militar do movimento teria sido a operadora do atentado.

"O relatório [do promotor] aponta que o diplomata da Embaixada do Irã em Brasília entre 1991 e 1993 Jaffar Saadat Ahmad-Nia era um agente da inteligência iraniana. Segundo depoimentos, Jaffar teria ido à Argentina para ajudar a resolver potenciais problemas logísticos do grupo operacional dos atentados. De qualquer forma, independentemente da acusação, os registros demonstram que o Sr. Jaffar entrou na Argentina no dia 18 de março de 1992 [dia anterior aos ataques] e retornou no dia posterior ao ataque à embaixada israelense em Buenos Aires", explicou o professor da PUC Minas.

Ministro da Justiça, Flávio Dino durante lançamento do Programa de Ação na Segurança (PAS), no Palácio do Planalto. Brasília (DF), 21 de julho de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 09.11.2023
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Outros episódios no país

Além dos ataques em Buenos Aires, há outros episódios com suspeitas de atuação do braço brasileiro do Hezbollah, principalmente na região da tríplice fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai, em Foz do Iguaçu (PR). Na região, uma das lideranças seria o empresário Farouk Abdul Omairi, que teria ligações com o diplomata iraniano Mohsen Rabani, indiciado no ataque de 1994. Segundo o professor Jorge Lasmar, Omairi possuía uma agência de turismo e foi acusado de tráfico de drogas para financiar o grupo, além de lavagem de dinheiro e falsificação.
"Omairi e dois de seus filhos (Khaled e Ahmad) foram alvo da Polícia Federal brasileira por tráfico transnacional de cocaína e condenados em 2006 (Ahmad escapou). Farouk e Khaled cumpriram pena no Brasil. Hoje ele supostamente mora no Paraguai e ainda dirige agências de turismo", acrescentou o especialista.
Ainda na tríplice fronteira, a Polícia Federal prendeu em 2002 Assad Ahmad Barakat, que seria um enviado especial para administrar uma rede complexa de envio de dinheiro ao Líbano. Ele cumpriu a pena no Brasil e no Paraguai, quando foi deportado novamente para o território brasileiro, em 2021.

"Há um relatório da Polícia Federal que menciona a suspeita de ligação do Hezbollah com o PCC em um caso em 2006 e outro em 2014, mas não há evidência concreta. Em 2006, a Polícia Federal brasileira prendeu [um integrante do grupo] por liderar uma rede de tráfico de drogas que operava entre a América Latina, a Europa e o Oriente Médio", disse Lasmar, que pontuou ainda a prisão recente de um outro suspeito conhecido como "Químico do PCC", cujo irmão, que está foragido, é acusado de também financiar o movimento. Mas, em todos os casos, os envolvidos negaram qualquer envolvimento com o Hezbollah.

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Estimativa incerta de mais de 2 mil membros no Brasil

Nos centros urbanos, principalmente em São Paulo e próximo à fronteira com a Argentina e o Paraguai, o recrutamento de membros brasileiros para o Hezbollah, conforme o especialista da PUC Minas, é feito depois que o grupo se infiltra em comunidades locais. A partir do apoio a entidades educacionais, religiosas e culturais, eles se tornam líderes respeitados nessas localidades. "Têm recrutado fora dos círculos dos descendentes de libaneses, usando intermediários para esconder ainda mais suas atividades e envolvimento", enfatizou.
Uma pesquisa realizada ainda nos anos 2000 mostrou que o Hezbollah já possuía cerca de 460 integrantes no Brasil, afirma Lasmar. "Algumas estimativas recentes chegam a dizer 2 mil membros. Mas não há um dado certeiro. O grupo é bastante sigiloso, fragmenta suas ações e informações. Por questões de segurança operacional, seus membros não se conhecem ou até não sabem que atuam para o grupo, tornando as estimativas mais difíceis", justificou.

Venezuela

A Venezuela tem sido uma fonte crucial de apoio político, financeiro e logístico para o Hezbollah, segundo o especialista. No país, a organização operaria por meio de grupos familiares segmentados e exercendo controle em regiões específicas, como a ilha de Margarita.

Colômbia

Através de suas atividades comerciais e da aquisição fraudulenta de cidadania colombiana, os operativos do Hezbollah teriam conseguido se camuflar como empresários comuns no país. Desde 2004 há indicações de conexão com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) para o tráfico de cocaína e lavagem de dinheiro.

Cuba

Há relatos não confirmados que observaram que o Hezbollah tentou estabelecer uma base em Cuba para ampliar suas operações e auxiliar em um ataque a um alvo israelense na América do Sul.

Nicarágua

A imprensa israelense acusou o Irã e o Hezbollah de tentarem estabelecer um campo de treinamento na Nicarágua. O artigo, conforme o professor Lasmar, argumentou que o grupo tentou conduzir treinamento terrorista em um local secreto, próximo à fronteira com Honduras.

Brasil não reconhece Hezbollah como grupo terrorista

Criado durante a Guerra Civil Libanesa, no início dos anos 1980, o Hezbollah é um grupo islâmico xiita muito popular no Líbano e com forte atuação em diversas áreas, seja no campo político, econômico, social ou militar. O grupo também goza de importante apoio fora do país, por ser reconhecido como um contraponto importante a ações de Israel e do Ocidente no Oriente Médio.
Enquanto EUA, Israel e alguns outros países classificam o grupo como terrorista, outros consideram que apenas o braço armado do Hezbollah deve ser designado dessa forma. Já outros Estados, como o Brasil, seguem a orientação da Organização das Nações Unidas, que não considera o Hezbollah uma organização terrorista.
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