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'Somos a nação essencial': a arrogância de Joe Biden e a guerra em 2 frentes dos Estados Unidos

© AP Photo / Patrick SemanskyO presidente dos EUA, Joe Biden, fala com membros da imprensa antes de embarcar no Força Aérea Um, na Base Aérea de Andrews, Maryland, 11 de abril de 2023
O presidente dos EUA, Joe Biden, fala com membros da imprensa antes de embarcar no Força Aérea Um, na Base Aérea de Andrews, Maryland, 11 de abril de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 23.10.2023
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Em entrevista recente a um programa de TV americano, Joe Biden fez uma das declarações mais arrogantes de toda a sua administração até agora.
Quando perguntado se Washington seria capaz de dar conta de dois conflitos ao mesmo tempo (a saber, na Ucrânia e em Israel), Biden respondeu triunfalmente que sim, afinal os Estados Unidos são "a nação mais poderosa da história da humanidade".
A arrogância de Joe Biden, típica da elite política americana, reflete o senso de superioridade enraizado há décadas na Casa Branca. Com essa resposta, Biden ecoa inclusive certas declarações do presidente republicano Ronald Reagan em meados da década de 1980, que dizia que os Estados Unidos eram a "cidade iluminada na colina".
Contudo, por trás desses belos chavões, sucessivos mandatários americanos escondiam suas intenções beligerantes, manifestadas por intervenções militares diretas em diversas partes do globo e em guerras por procuração contra seus adversários geopolíticos do momento.
Tudo isso motivado pela incapacidade das elites em Washington de resistir ao discurso em torno de um suposto "excepcionalismo" estadunidense e também por conta da ganância de seu complexo militar industrial, que muito contribuiu para minar a paz e a segurança internacionais.
Seja como for, a ideia de que os Estados Unidos são uma nação especial e diferente remonta à própria fundação do país na segunda metade do século XVIII, com a Declaração de Independência das Treze Colônias diante da Grã-Bretanha em 1776.
Desde aquela época estabeleceu-se a noção de que os Estados Unidos teriam um papel único no mundo, como defensor dos valores da liberdade e da democracia, muito embora a aplicação de tais conceitos mostrou-se bastante aquém do ideal mesmo no plano doméstico americano.
Joe Biden, presidente dos EUA, se reúne com Charles Michel, presidente do Conselho Europeu e Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia (ambos fora da foto), na Sala do Gabinete da Casa Branca, Washington, EUA, 20 de outubro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 21.10.2023
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Ainda assim, eventos-chave na história do país, como o resultado da Guerra Civil entre o norte e o sul em meados do século XIX, assim como o papel desempenhado pelos Estados Unidos na Primeira e na Segunda Guerras Mundiais, influenciaram a ideia do "excepcionalismo americano", reforçando seu desejo por representar uma espécie de nação modelo para as democracias e para os assim chamados "povos livres".
Sua própria posição como líder do Ocidente a partir da década de 1940 transformou os Estados Unidos no policial do mundo, ainda que ninguém tenha lhe concedido formalmente esse papel, inspirando a Casa Branca a acreditar que tudo lhe era permitido em nome da defesa da democracia e da liberdade.
Diante desse contexto, instituições internacionais como a Organização das Nações Unidas foram incapazes de impedir com que os Estados Unidos interviessem em diversas partes do globo sob justificativas humanitárias, que na prática escondiam seus interesses geopolíticos escusos.
Com o passar das décadas, no entanto, e sobretudo com a implementação do escancarado unilateralismo militar da era de George W. Bush, testemunhou-se a "revolta do Sul Global" contra esse estado de coisas, que tinha como motim principal a aversão generalizada ao neocolonialismo americano nas relações internacionais, assim como a luta por reformas nas instituições de governança global comandadas por Washington.
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No mais, com a Guerra Fria do século passado sendo substituída por um novo "choque de civilizações" (para citar a tese de Samuel Huntington), uma série de problemas regionais (nos Balcãs, no Norte da África, no Oriente Médio, no Sudeste Asiático e na Ásia Central) passou a ser marcada pela crescente atuação intervencionista dos americanos, que levou vários Estados a uma situação de falência econômica e política (vide Afeganistão, Líbia, Síria, Iêmen, Iraque entre outros).
Com isto, passou a existir uma lacuna embaraçosa entre os preceitos do direito internacional e as ações dos Estados Unidos em desacordo a esses preceitos, em uma clara demonstração da hipocrisia de Washington perante as demais nações.
Ao mesmo tempo, os americanos frequentemente acusavam outras potências de imiscuírem-se nos assuntos internos de outros Estados (como Rússia e China), sem nunca admitir ou enxergar as suas próprias interferências em outros países, como foi o caso do apoio estadunidense ao golpe de Estado na Ucrânia em 2014.
Nesse ínterim, a Europa, de quem se esperaria alguma posição crítica a respeito desse quadro, simplesmente se calou, tendo em vista seu estado de fragilidade no sistema. Afinal, os europeus se desfizeram de grande parte de sua soberania em prol de um projeto supranacional cambaleante na forma da União Europeia, ao passo que entregaram a responsabilidade por sua segurança nas mãos dos Estados Unidos por meio da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
O presidente dos EUA, Joe Biden, dá as boas-vindas ao presidente da Ucrânia, Vladimir Zelensky, no gramado sul da Casa Branca, em Washington, D.C., em 21 de dezembro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 02.10.2023
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Em suma, a Europa se colocou em uma situação de dependência quase que total dos americanos, e muito pouco pôde fazer para impedir as políticas erráticas de Washington até mesmo dentro do seu próprio continente.
Para além disso, Washington cooptou a Europa em suas políticas punitivas contra Estados insubmissos aos ditames da Casa Branca (como Coreia do Norte, Cuba, Irã, Venezuela e Rússia), ainda que tais políticas tenham trazido prejuízos sociais e financeiros para os países europeus.
Fato é que chantagens econômicas, assim como o uso da força contra outros Estados foram precisamente o que os Estados Unidos entenderam por "ordem baseada em regras". Isso porque Washington arrogou para si a autoridade final em assuntos globais. Afinal, como disse Joe Biden durante entrevista a América é a "nação essencial", e como tal ela é capaz de lidar até mesmo com duas guerras ao mesmo tempo, se achar que é preciso.

Com base nesse pensamento "excepcionalista", descortina-se uma cruel desigualdade na distribuição de poder entre os Estados, com os americanos usando sua supremacia militar e econômica no intuito de proteger – de forma egoísta – seu status hegemônico no sistema.

Infelizmente, será difícil para Joe Biden, ou mesmo para qualquer outro presidente dos Estados Unidos, livrar-se desse tipo de percepção sobre seu país. Todavia, enquanto os americanos se enxergarem como especiais e diferentes, o movimento reverso de resistência da "maioria global" vai apenas se intensificar, fazendo das palavras de Biden nada mais do que um arroubo arrogante, em meio a uma nova realidade global que se desenha de forma multipolar.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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