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Instabilidade hegemônica: como as políticas dos Estados Unidos têm tornado o mundo menos seguro

© AP Photo / Evan VucciO presidente Joe Biden durante uma reunião com o secretário de Defesa Lloyd Austin, à esquerda, e o atual presidente do Estado-Maior Conjunto, o general Mark Milley
O presidente Joe Biden durante uma reunião com o secretário de Defesa Lloyd Austin, à esquerda, e o atual presidente do Estado-Maior Conjunto, o general Mark Milley - Sputnik Brasil, 1920, 14.07.2023
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Na história recente das relações internacionais, a presunção de que pudesse existir certa "estabilidade hegemônica" quando o mundo presenciasse a existência de um único Estado dominante no sistema caiu totalmente em descrédito. Isso porque as políticas dos Estados Unidos desde a década de 1990 tornaram o mundo mais inseguro do que nunca.
Por certo, o próprio conceito de hegemonia, que no sentido original em grego significa "liderança", foi bastante mal utilizado por Washington durante o período unipolar que se seguiu ao final da Guerra Fria. A razão para o mal-uso de sua hegemonia pelos americanos decorreu de sua relação de patronagem para com os demais Estados do sistema, inclusive em relação a seus tradicionais parceiros ocidentais.
Para exercer uma hegemonia que se preste ao papel de "estabilizadora", Washington deveria primeiro ter seguido as próprias regras do sistema que ajudou a construir. Na prática, o que se viu foi que os Estados Unidos começaram a agir unilateralmente no intuito de avançar seus objetivos políticos em diversas partes do globo, à revelia do Conselho de Segurança da ONU e até mesmo contrariando a opinião de aliados como Alemanha e França, como no caso da invasão ao Iraque em 2003.
Ao financiar guerras em terras longínquas, satisfazendo o apetite de seu complexo militar-industrial, os Estados Unidos, sob o pretexto de expandir os chamados "valores democráticos" pelo mundo, causaram um rastro de destruição, refugiados e morte por onde passaram. Ficava claro, por sua vez, que o poder político americano era sustentado sobretudo por seu poderio militar.
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Não por acaso, os Estados Unidos possuem mais de 800 bases militares ao redor do globo e o maior orçamento de defesa dentre todas as grandes potências do sistema. Como resultado, gerou-se um cenário internacional altamente instável, no qual mudanças econômicas, tecnológicas e militares incitaram diversos Estados a contrabalançar a posição do Estado dominante.
Até mesmo os benefícios que os americanos forneceram à economia internacional na forma de bens públicos, como o uso do dólar para transações comerciais entre os países, hoje encontram-se descreditados.
Ora, apesar de sua retórica em torno da primazia da lei, os Estados Unidos e seus aliados europeus não só se acostumaram a sequestrar os ativos financeiros de outras nações de forma ilegal, como também se tornaram especialistas em usar sanções econômicas unilaterais como meio de coerção política.
Não por acaso, diversos países começaram a enxergar a necessidade de migrar o seu comércio para moedas alternativas. Com isto, esvanece-se não só o papel do dólar como moeda de troca para as transações globais, como também a suposta "neutralidade" das organizações internacionais nas quais Washington possui influência predominante, como é o caso do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Ademais, como dentro dessas instituições o poder decisório não foi adequadamente distribuído de maneira justa para os Estados emergentes, grupos como o BRICS passaram a empreender políticas no sentido de evitar se tornarem vulneráveis aos seus ditames. Enquanto isso, com sua hegemonia em declínio, os formuladores de políticas nos Estados Unidos passaram a temer a ascensão de potências rivais como Rússia e China.
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Hoje, Washington não mais é capaz de desempenhar um papel de liderança inconteste como no período unipolar dos anos 1990. Em verdade, a capacidade de moldar as preferências e interesses de outros Estados do sistema usufruída então pelos americanos foi erodida justamente pelo exercício desmedido de seu poder, sobretudo por intervenções diretas nos assuntos internos de outros Estados.
Travestidas pelo nome de "intervenção humanitária", na prática os Estados Unidos arrogaram-se o direito de violar a soberania dos Estados de maneira impune. Não há sequer um único caso de intervenção humanitária empregada sob a tutela de Washington que não tenha tido um objetivo geopolítico por trás.
A começar por finais dos anos 1990, quando a OTAN e seus aliados bombardearam Belgrado sob a justificativa de ajuda ao Kosovo. Seguiram-se então as guerras gêmeas no Afeganistão e no Iraque, iniciadas respectivamente em 2001 e 2003. Como resultado da catastrófica intervenção nesses países, não somente ampliou-se o sentimento antiamericanista no mundo como muitas nações finalmente se deram conta dos efeitos negativos das ações unilaterais do governo estadunidense.
Não nos esqueçamos também do calamitoso bombardeio da Líbia em 2011 pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), levando o país a uma condição de profundo caos socioeconômico e mesmo a incitação de forças de oposição na Síria a partir de 2012, que contribuiu para o surgimento e fortalecimento de grupos como o Daesh na região.
Hoje, ademais, fala-se inclusive na ameaça de eclosão de uma terceira guerra mundial oriunda da eventual escalada do conflito na Ucrânia. Tudo isso se deu, pois, ao utilizar Kiev para auferir ganhos geopolíticos no Leste Europeu em detrimento da Rússia, os Estados Unidos arruinaram o balanço de poder a duras penas conquistado entre Moscou e o Ocidente desde o período da Guerra Fria.
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A União Europeia, enquanto isso, perdeu quase que totalmente sua soberania política, subordinando-se passiva à interferência estrangeira no continente, ao mesmo tempo em que vê seus laços com a Rússia rompidos por tempo indefinido.
O que esperar, afinal, do futuro? A resposta mais óbvia seria: instabilidade. Primeiro, pois o princípio da soberania como base do direito internacional está desgastado. Segundo, pois a autoridade das Nações Unidas encontra-se enfraquecida. E terceiro porque parecemos caminhar para uma ordem global em que dificilmente os interesses das grandes potências podem ser conciliados.
Uma verdadeira caixa de pandora foi aberta pelas atitudes e ações dos Estados Unidos no pós-Guerra Fria. Sendo assim, não compete esperar tempos fáceis. Pelo contrário, essa instabilidade hegemônica tende a ser o cenário mais provável daqui para a frente.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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