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Especialistas: 'Acenos' de Milei a Lula visam manter relação comercial entre Brasil e Argentina

Vistos por alguns como "acenos" políticos, a oficialização do convite à posse de Javier Milei para Luiz Inácio Lula da Silva e outros recuos no discurso visam apenas manter as relações comerciais entre Brasil e Argentina, acreditam analistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
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Para pesquisadores, o presidente eleito deverá buscar um equilíbrio entre defender suas pautas mais radicais — que o fizeram ser eleito — e não extrapolar os limites para não afetar a já debilitada economia argentina, que vê no país brasileiro seu maior destino de exportações.
Professor de economia da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), Sillas de Souza Cezar comenta que, até agora, nenhum ato formal alterou a relação entre os dois países. "O presidente eleito venceu democraticamente a eleição, e isso lhe garante legitimidade para tomar decisões que, se estiverem dentro da lei argentina, podem ser ou não apoiadas por seus vizinhos."
Ele reconhece que, extraoficialmente, há, sim, tensões entre os dois líderes, definidos por ele como "carismáticos" e "populistas", a depender de qual conceito é utilizado. Por serem "rivais ideológicos", há a possibilidade de troca de farpas.

"Claro que essa ambiguidade gera incertezas. Na economia, se as medidas anunciadas por Milei forem implementadas, a Argentina aprofundará substancialmente sua crise e isso nos afetará, pois tirando a China e os Estados Unidos, nosso maior parceiro comercial é a Argentina."

O professor avalia que apesar de "gestos retóricos" entre as partes, no geral a economia deve se manter equilibrada. Caso haja aprofundamento na crise, ele crê que cobranças mais sérias devem surgir. "Há o medo justificado de que a Argentina culpe o Brasil e o Mercosul por seus infortúnios e daí anuncie medidas hostis contra seus vizinhos. Não seria a primeira vez."
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Qual é o papel do Mercosul nas relações Brasil-Argentina?

Criado em 1991, o Mercado Comum do Sul (Mercosul) desempenha papel fundamental nas relações entre Brasil e Argentina, representando um dos blocos econômicos mais significativos da América Latina.
Para Cezar, os dois países devem estar mobilizados para o fortalecimento do bloco econômico. No entanto ele reconhece que o Mercosul tem problemas, tais como burocracias e "negociações infinitas". "Mesmo com problemas, o resultado líquido em termos comerciais é positivo para os membros, e parece mais razoável tentar resolver entraves do que abandoná-lo [o bloco]."

"No entanto, há no imaginário popular a ideia de que qualquer acordo comercial favorece desproporcionalmente os mais ricos, e essa lógica é sistematicamente capturada e manipulada por políticos, sobretudo os populistas."

Segundo ele, o Brasil viveu algo similar nos anos 1990, quando houve uma enorme resistência contra a Área de Livre-Comércio das Américas (ALCA). "Ainda que ela viesse a ser bastante positiva, ela simplesmente foi abandonada."
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Por diretriz, o Mercosul visa promover a integração econômica e política entre seus membros, que incluem Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, além de membros associados. A Bolívia foi integrada como quinta participante, mas ainda depende do aval de La Paz.
Para Brasil e Argentina, as maiores economias do bloco, ele oferece plataforma para a cooperação bilateral, facilitando o comércio e incentivando a harmonização de políticas econômicas.
Pesquisador do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Gedes) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INEU), Matheus de Oliveira Pereira afirma que o Mercosul é importantíssimo para o Brasil, por ser o maior projeto de política externa, apesar das críticas.

"O próprio Milei já reconheceu isso ao recuar da ideia de tirar a Argentina do Mercosul. No entanto me parece que os próximos anos serão muito desafiadores, de bastante estresse para o bloco, e testarão sua resiliência."

Posse de Javier Milei

Marcada para domingo (10), a posse de Javier Milei como novo presidente argentino contará com a presença de diversos chefes de Estado, a partir das 11h00 (de Brasília), em Buenos Aires. Milei disse que não convidaria Lula e convidou o ex-presidente Jair Bolsonaro. No entanto, passada a eleição, houve convite formal à presidência brasileira, por meio da chanceler Diana Mondino.
O professor de economia da FAAP, Sillas de Souza Cezar, afirma que tais acenos são mais formais do que simbólicos e têm pouca visibilidade nos dias atuais.
A Casa Rosada, em Buenos Aires, é a sede do Poder Executivo da Argentina
Além disso, ele explica que políticos usam a retórica para mobilizar suas bases. "Um ditado argentino diz que onde termina a razão, começa a Argentina. Apesar de exagerada e caricata, é uma expressão que revela certa tolerância com ideias voluntariosas e inapropriadas."

"Contudo, outra característica conhecida da política argentina é a velocidade com que mudam de ideia. Portanto, se os primeiros meses de governo de Milei não trouxerem elementos que apontem melhoras significativas, a oposição será forte e rápida. Diferentemente do Brasil, a capacidade de mobilização lá é alta, tanto à esquerda quanto à direita. Em anos não tão distantes, tais mobilizações derrubaram presidentes."

Matheus de Oliveira Pereira espera que haja normalidade, apesar "da antipatia pessoal entre os presidentes". "É preciso diferenciar a relação interpessoal entre ambos do que é a lógica mais ampla das relações bilaterais, que envolvem muito mais atores."

"Não convidar Lula não era uma opção, é uma questão elementar de protocolo diplomático, e é preciso diferenciar as coisas. Lula é convidado do Estado argentino, Bolsonaro é convidado pessoal do presidente eleito. Acho que Milei está sendo gradativamente convencido de que a abordagem de política externa que ele prometeu em campanha é insustentável, e isso inclui a necessidade de moderar o comportamento em relação ao Brasil e ao governo Lula."

Apesar da posição crítica contra Lula durante a campanha, Milei manteve no cargo o embaixador Daniel Scioli, que tem uma linha ideológica diferente da dele. Peronista, Scioli já foi candidato à presidência, perdendo para Mauricio Macri em 2015, e vice de Néstor Kirchner, entre 2003 e 2007.
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No entanto Pereira afirma que Scioli não é um político de esquerda, já que construiu sua carreira durante o período Menem, de auge das políticas neoliberais na Argentina. "A manutenção dele como embaixador em Brasília é uma boa notícia porque se trata de uma figura experiente, que acumulou um capital político importante no Brasil e transita bem na Argentina."

"A escolha é um aceno ao Brasil e também sugere que Milei se convenceu da necessidade de uma abordagem mais pragmática em relação ao governo Lula, a despeito da visão pessoal que ele possa ter do presidente brasileiro."

A reportagem tentou contato por diferentes meios com a embaixada argentina no Brasil, chefiada atualmente pelo embaixador Daniel Scioli, mas não obteve resposta até o fechamento do texto.
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Qual a ideologia do novo presidente da Argentina?

O futuro presidente argentino diz seguir a ideologia do anarcocapitalismo, que une anarquia e capitalismo, e defende uma total abolição do Estado dentro de um sistema capitalista.
O cientista político e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Jefferson Nascimento acredita que Milei deve buscar equilíbrio, na prática, já que pautas radicais não poderiam ser implementadas de forma imediata e com a intensidade desejada por ele, que não tem maioria no Congresso argentino.

"Ele já vem moderando seu discurso desde que ganhou as eleições, para conseguir ter alguma certa governabilidade. Isso inclui fazer aliança com a Patricia Bullrich, que foi a candidata que ficou em terceiro lugar, e o ex-presidente Mauricio Macri."

Nascimento entende que se houver muita radicalização, ele não terá governabilidade. Mas sem radicalização, poderá perder apoio de seus eleitores, já que muitos acreditam que as propostas serão postas em prática, muito pelo sentimento de descontentamento. "A extrema-direita vende soluções mágicas para resolver os problemas que as democracias vêm enfrentando e muitas vezes voltadas a desmantelar as instituições, desmantelar os ritos que se estabelecem."

"Mas essa institucionalidade também presente nas relações diplomáticas entre Brasil e Argentina não pode ser rompida de forma tão estanque e simples como ele prometeu. Sobretudo porque o Brasil, junto com a China, é o principal parceiro econômico da Argentina. Então […] já se imaginava que quando a realidade se apresentasse, ele [Milei] voltaria atrás nesse discurso [apresentado durante a campanha]."

O então candidato à presidência argentina Javier Milei segura uma imagem de papelão de uma nota de 100 dólares americanos com seu rosto durante comício de encerramento de campanha em Córdoba, em 16 de novembro de 2023
Membro do Observatório Político Sul-Americano (OPSA) e do Núcleo de Estudos de Teoria Social e América Latina (NETSAL), Nascimento observa que, apesar de diferenças ideológicas com o ex-presidente argentino Alberto Fernández e de um perfil parecido com o de Milei, Bolsonaro não realizou grandes rupturas nas relações entre Brasil e Argentina.

"Contudo, me parece um pouco irreal que o Milei vá fazer uma diplomacia presidencial. Não parece que ele vai fazer grandes esforços para que os organismos de integração latino-americanos avancem. Como ele disse no discurso, vai priorizar relações com os Estados Unidos e Israel […]. Ainda assim, contudo, me parece que, ao mesmo tempo, ele não acabará ou desmantelará essa institucionalidade, porque isso prejudicaria muitos setores empresariais."

Como é a democracia da Argentina?

A democracia na Argentina é caracterizada por um sistema representativo e republicano, com eleições livres e regulares que escolhem presidentes, legisladores e outros representantes do governo. O país adota o modelo presidencialista, onde o chefe de Estado é eleito diretamente pelo voto popular e exerce funções executivas.
O país teve 50 chefes de Estado. Entre eles, 12 governaram de fato, 4 foram reeleitos, 3 morreram durante o mandato por causas naturais e 7 exerceram o cargo apenas de forma transitória.
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Milei, o 51º mandatário, assume a Casa Rosada no mesmo momento que o país sul-americano comemora 40 anos de democracia.
Nesse período o país enfrentou desafios para manter as eleições livres, a divisão de poderes e a participação cidadã. Entre 1987 e 1990 houve quatro revoltas militares, a Constituição foi reformada em 1994 e em 2001 o país teve uma crise econômica e social que resultou em uma rápida troca de líderes, com repressão nas ruas, mortes e descrença no sistema político.
No entanto, os governos de Raúl Ricardo Alfonsín (1983–1989) e dos peronistas Néstor Kirchner (2003–2007) e Cristina Kirchner (2007–2015) sempre defenderam a bandeira do "Nunca Mais", fortalecendo a busca pelos desaparecidos durante a última ditadura militar (1976–1983) e seus filhos, nascidos em cativeiro e ilegalmente apropriados.
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Em entrevista à Sputnik, o ex-prefeito de Buenos Aires e ex-deputado nacional Facundo Suárez Lastra, da União Cívica Radical, enfatizou que em um país onde golpes de Estado eram comuns, houve um funcionamento democrático. "Houve alternâncias, governos de diferentes tipos, e todas as pretensões hegemônicas foram superadas por uma opinião pública que pôde construir alternativas em diferentes circunstâncias."

"Avanços significativos foram alcançados. O grande triunfo desses 40 anos é a continuidade da democracia", destacou.

Milei será o primeiro mandatário "liberal libertário", como ele mesmo se define, e seu ascenso tem gerado questionamentos.
A mulher que o acompanhou na chapa eleitoral, Victoria Villarruel, filha, sobrinha e neta de militares, tem sido alvo de críticas por ser uma defensora ferrenha dos militares, que governaram o país de forma ditatorial e foram condenados por crimes contra a humanidade.
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Ela prometeu rever a atual política de memória, verdade, justiça e direitos humanos que indenizou milhares de vítimas da repressão durante a ditadura militar e defende que os militares e guerrilheiros de esquerda sejam igualmente culpados.
Para Lastra, o consenso democrático é muito profundo e o sistema não está em risco. "Mesmo que alguns dos candidatos, inclusive os vencedores, tenham tido posição forte em relação a isso, […] eu acredito que existe um consenso muito forte. Acredito que as próprias Forças Armadas são protagonistas desse consenso, onde não há força com vocação de poder".
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