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Lava Jato, 10 anos: da midiatização aos interesses próprios, analista avalia impactos da operação

© Folhapress / Paulo Lisboa / Brazil Photo PressEntão procurador da República, Deltan Dallagnol durante coletiva da força-tarefa da operação Lava Jato, em 2016
Então procurador da República, Deltan Dallagnol durante coletiva da força-tarefa da operação Lava Jato, em 2016 - Sputnik Brasil, 1920, 12.03.2024
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No cenário político brasileiro, a operação Lava Jato marcou uma década de atuação, trazendo à tona debates sobre corrupção, justiça e democracia.
A operação serviu de palco midiático para forças políticas e, em consonância, a retirada de uma forte oposição frente ao impeachment de Dilma Rousseff, para que uma "nova forma" de governar tomasse forma, rosto e poder.
A operação é considerada por muitos uma extensa investigação conduzida no Brasil ao longo de uma década, de 2014 a 2024, cujo objetivo foi apurar casos de corrupção, lavagem de dinheiro e outros crimes relacionados a grandes empresas e políticos. No entanto transformou-se, segundo especialistas, em um grande espetáculo enviesado.
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Para Marjorie Corrêa Marona, cientista política e coautora do livro "A política no banco dos réus: a Operação Lava Jato e a erosão da democracia no Brasil", a estratégia de mobilizar a opinião pública foi central nas ações da operação.

"O ex-juiz Sergio Moro, à época à frente da 13ª Vara Federal de Curitiba, declarou isso, inclusive justificou que estava emulando, importando uma técnica que havia sido mobilizada em uma operação anticorrupção na Itália, a Mani Pulite, ou Mãos Limpas […]. A Lava Jato, então, investiu ao longo de todos os anos em que esteve em operação, investiu em um conjunto de táticas de mobilização da opinião pública. Vazamentos de partes do processo, entrevistas coletivas por parte dos membros da operação, particularmente o Ministério Público", analisa Marona.

Vazamentos e impactos nas investigações

A estratégia de mobilização da Lava Jato, inspirada na operação Mãos Limpas, da Itália, não se limitou aos tribunais, estendendo-se aos lares brasileiros por meio de vazamentos, entrevistas coletivas e midiatização de operações incisivas. A chegada da Polícia Federal às residências de políticos e empresários antes do amanhecer se tornou uma imagem icônica, marcando uma estratégia que, segundo Marona, "acabou por fomentar certa percepção da população brasileira acerca da corrupção como o principal problema do Brasil".

"Foram televisionadas inúmeras das ações investigativas mais incisivas, um conjunto de buscas e apreensões. O Brasil se acostumou, em dado momento, a ver a Polícia Federal chegar cedinho, seis horas da manhã, na casa de diversos agentes políticos, mas também pessoal da imprensa, empresários. Então essa foi uma estratégia que a Lava Jato de fato desenvolveu", sublinha à Sputnik Brasil a analista política.

O impacto na opinião pública foi notável, observa a cientista política. Antes da Lava Jato, temas como segurança pública, saúde e educação eram destacados nas pesquisas de opinião como as principais preocupações da população. Com o tempo, a corrupção se tornou o epicentro das discussões, deslocando questões históricas para o segundo plano.
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"O que chama atenção é o fato de que essa estratégia de mobilização da opinião pública, em busca de apoio para a operação, acabou por fomentar uma certa percepção da população brasileira acerca da corrupção como o principal problema do Brasil. Quando a gente compara pesquisas de opinião pública anteriores ao período da Lava Jato, a gente tem alguns temas que classicamente são apontados pela população como muito importantes […]. Aparecem questões ligadas à segurança pública, questões ligadas à saúde, questões ligadas à educação", reforça.

No entanto, o papel da mídia no processo não pode ser subestimado. Marona ressalta que a cobertura midiática, muitas vezes acrítica, contribuiu significativamente para legitimar a operação. Os veículos de comunicação de massa, ao reproduzirem a narrativa dos integrantes da Lava Jato, permitindo a construção de uma narrativa hegemônica, levaram a uma espécie de blindagem da operação, em que qualquer crítica era prontamente associada à defesa da corrupção.
A cientista política destaca que a mídia não agiu de forma partidarizada, mas seu papel na legitimação da Lava Jato gerou falta de espaço crítico e de controle público sobre as ações da operação. O acobertamento de desvios, que só veio à tona anos depois, foi facilitado pela ausência de questionamento público, alimentada pela cobertura midiática.

Lava Jato: a mudança de comportamento

À medida que a operação perdeu tração, especialmente com os vazamentos da Vaza Jato, houve uma mudança perceptível. A corrupção não desapareceu, mas deixou de ocupar o centro do debate público, retornando temas históricos à pauta da sociedade.
A cientista política Marjorie Marona destaca a clara evidência de abusos e ilegalidades durante os dez anos da operação Lava Jato, ressaltando a mudança de postura do Supremo Tribunal Federal (STF) após a exposição dessas revelações. A especialista afirmou que o STF passou a adotar uma posição de desconstituição das decisões tomadas no contexto marcado por irregularidades.

"Desde o mensalão, o Supremo já havia feito uma espécie de virada jurisprudencial no campo do direito penal. O Supremo tem um histórico de garantismo até o mensalão, quando, não por acaso, um ministro que havia construído toda a sua trajetória no Ministério Público, o Joaquim Barbosa, vai assumir a relatoria do mensalão, e, a partir dali, o Supremo faz uma virada importante em direção ao punitivismo", contempla.

Marona argumenta que a seletividade da Justiça não resultou de uma perseguição partidarizada ou pessoal, mas sim de escolhas dos integrantes da Lava Jato. Ela destaca a busca por ampliação de poder, posição institucional, fortalecimento de interesses corporativos e até mesmo enriquecimento pessoal de figuras como Sergio Moro e Deltan Dallagnol.
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A cientista política sublinha a concentração das ações da Lava Jato em torno do partido do governo, especialmente o PT, e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, indicando uma orientação estratégica que, segundo ela, reflete valores compartilhados e uma busca por ampliação de capital.

"O ex-juiz Sergio Moro ganhou muito dinheiro, o ex-promotor Dallagnol ganhou muito dinheiro com palestras, com as aparições públicas, então também [houve a busca] de enriquecimento pessoal […]. O resultado disso foi uma concentração muito grande das ações, enfim, do desenrolar da operação toda em torno do partido do governo, do principal partido do governo, do PT, e aí da sua liderança, o presidente Lula, e dos partidos da base de apoio do governo, e isso a gente vê no recorte que foi feito, nas linhas de investigação que foram assumidas, então é assim que eu penso essa questão", crava.

Além disso, Marona enfatiza o papel fundamental do Supremo Tribunal Federal no desenrolar da Lava Jato, destacando a existência de um centro de operações no STF para aqueles com foro privilegiado. Destaca, contudo, que a legitimidade dada pelo Supremo à Lava Jato, especialmente ao núcleo de Curitiba, foi crucial para o alcance e a credibilidade da operação. Isso se deu, em parte, pela avaliação favorável do Supremo às decisões controversas do ex-juiz Sergio Moro durante um período substancial.
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Cronologia

1.
Início das investigações (2014): a operação teve início em março de 2014, primeiramente centrada em denúncias de lavagem de dinheiro envolvendo a Petrobras, a maior empresa estatal brasileira.
2.
Descoberta do esquema de corrupção (2014–2015): a investigação revelou um vasto esquema de corrupção dentro da Petrobras, envolvendo empreiteiras, executivos e políticos. Grandes empreiteiras eram acusadas de pagar propinas a políticos em troca de contratos lucrativos.
3.
Prisões e delações premiadas (2014–2016): vários executivos de grandes empresas foram presos, e o uso de delações premiadas se tornou uma ferramenta crucial para obter informações sobre o esquema e identificar mais envolvidos.
4.
Impacto na economia (2015–2016): a investigação teve repercussões econômicas significativas, com a Petrobras enfrentando prejuízos e o setor de construção civil sendo fortemente impactado pela retração de investimentos.
5.
Expansão da investigação (2016–2018): a operação Lava Jato se expandiu para envolver não apenas a Petrobras, mas também outras empresas estatais, políticos de diversos partidos e outros setores da economia.
6.
Prisão de Lula (2018): à época, o ex-presidente Lula foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em um dos processos da Lava Jato, sendo preso em abril de 2018.
7.
Críticas à operação (2018–2020): a Lava Jato enfrentou críticas sobre métodos de investigação, questionamentos legais e alegações de viés político, polarizando a opinião pública.
8.
Declínio da operação (2020–2022): a operação perdeu força à medida que alguns processos foram anulados, decisões judiciais contestadas e a atenção pública diminuiu.
9.
Legado e reformas (2022–2024): a Lava Jato deixou um legado misto, com avanços na luta contra a corrupção, mas também controvérsias. O período pós-Lava Jato envolveu discussões sobre reformas nos sistemas judiciário e político.
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