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Reduzir impostos de igrejas evangélicas não garante apoio do segmento a Lula, dizem especialistas

© AP Photo / Peter DejongO presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de encontro com jovens ativistas durante a COP27, a cúpula do clima das Nações Unidas de 2022, em Sharm el-Sheikh. Egito, 17 de novembro de 2022
O presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de encontro com jovens ativistas durante a COP27, a cúpula do clima das Nações Unidas de 2022, em Sharm el-Sheikh. Egito, 17 de novembro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 06.03.2024
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Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê reduzir impostos de igrejas no Brasil é prevista que passe no Congresso, com o apoio de parlamentares governistas. O texto recebeu parecer favorável por parte do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o que é visto como um aceno aos evangélicos. No entanto, o que isso significa na prática?
A PEC será votada no plenário da Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (6) e precisa de 60% dos votos para ser aprovada. Em seguida, passará pelo Senado, onde são exigidos dois terços de aprovação.
A cientista política e professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Clarisse Gurgel, afirma que o governo Lula sinaliza positivamente para a aprovação do projeto, que beneficiaria o segmento evangélico. "Uma aprovação significaria um fortalecimento para o segmento evangélico, sem dúvida nenhuma, um alívio no campo econômico para a manutenção dos cultos."
Ela ressalta que há uma distinção entre o setor evangélico em geral e a bancada evangélica, esta mais conservadora e ligada à teologia da prosperidade.
"O pentecostalismo e outros campos, ligados ao protestantismo, já começam a imprimir em seu discurso uma teologia que não é propriamente da prosperidade, e sim uma teologia que começa a incluir a alteridade, o respeito à diferença."
No entanto, ela entende que a bancada evangélica, "hegemonicamente conservadora", tem um foco muito grande na "propriedade privada, com foco muito grande na iniciativa individual, com caráter moral e que carrega uma hipocrisia característica, de um discurso repressor muito grande".

"Isso vai definir uma bancada mais conservadora e mais reacionária que também vai se fortalecer com a aprovação. Há uma distinção entre aquilo que a gente vai entender como os evangélicos que aderem à propaganda evangélica e a rotina evangélica, mas que não está na estrutura do poder e aqueles que estão na estrutura do poder."

Gurgel afirma que o governo Lula ainda está muito atrás na influência em grupos evangélicos, enquanto o evangelismo conservador expande sua atuação, especialmente no Rio de Janeiro, por exemplo.
O deputado federal Marcelo Crivella (Republicanos), autor da proposta, afirma à Sputnik Brasil que a PEC visa ampliar a imunidade dos templos religiosos no Brasil, com relação aos impostos que incidem sobre o consumo de bens e serviços. Ele também acredita que "a base do governo vai apoiar".

"Já temos conversado, acredito que tenha o apoio deles também. Depois segue para o Senado Federal, onde vai também precisar da aprovação de pelo menos dois terços da casa. A importância desse projeto é que nós confiamos que igreja forte é crime fraco, igreja forte é Brasil forte, é pátria, família forte. E para fortalecer as igrejas a gente precisa retirar os impostos que incidem sobre as doações que os membros, os fiéis fazem à igreja", diz Crivella.

O que representa o aceno de Lula às igrejas evangélicas?

A professora Clarisse Gurgel entende que a imunidade tributária proposta parece mais uma troca de favores do que uma medida que realmente promoveria a liberdade de culto. Segundo ela, o governo Lula tenta reincorporar um modelo de conselhos em que ele "possa ouvir as entidades religiosas e pensar formas de contribuição".
Segundo uma pesquisa da Quaest divulgada nesta quarta-feira (6) entre evangélicos, o índice de desaprovação do trabalho de Lula cresceu para 62%. Enquanto isso, 35% dos entrevistados desse público aprovam o trabalho que o presidente tem feito.
Ao mesmo tempo, para o que o governo tem afirmado que propõe, seria preciso não "perder de vista aquilo que corresponde ao aspecto positivo das atuações do ministro [Fernando] Haddad, que é o fortalecimento do caráter fiscal do estado do caráter e tributador do Estado".
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O chefe do departamento de ciência política da Universidade Federal Fluminense (UFF), Marcus Ianoni, ressalta que o Congresso teve em 2018 e 2022 uma maioria conservadora, incluindo a bancada evangélica, eleita por vários grupos, como evangélicos e trabalhadores informais, os quais Lula tenta dialogar atualmente.
Ele explica que a PEC deverá ampliar a isenção de impostos na energia elétrica, compra de materiais, entre outros, visando "diminuir a tensão do governo com a bancada evangélica e eleitores evangélicos".

"Mas o governo corre o risco de nutrir esse segmento importante da oposição, que nos últimos anos migrou para a extrema-direita. Fica em aberto a avaliação, se isso acalmará a oposição conservadora e se eles se tornarão menos radicais, ou se isso vai ser um presente que eles receberão e continuarão extremamente relacionados à extrema-direita."

Para ele, a proposta de ampliar a isenção tributária para o setor evangélico vai em direção contrária à revogação de Lula a uma norma que concedia isenção aos pastores individualmente.
"Esse setor estava descontente porque, em janeiro, o Ministério da Fazenda derrubou a norma que [Jair] Bolsonaro aprovou durante as eleições de 2022, que dava isenção ao conjunto de rendimentos que os pastores e os líderes religiosos obtinham."
Ainda assim, Lula tem mirado em um governo de frente ampla, que tenta recuperar a democracia contra pressões autoritárias da extrema-direita, exemplificado pelo 8 de janeiro de 2023.
O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT, de azul) posa para foto ao lado de seu vice, Geraldo Alckmin (PSB, de branco), e da ex-presidente Dilma Rousseff (PT, à direita, de vermelho), em meio a apoiadores, após pronunciamento da vitória nas eleições presidenciais. São Paulo, 30 de outubro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 02.11.2022
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Vale ressaltar, segundo o pesquisador, que o governo está ciente do impacto no orçamento, que já está sob pressão. "Creio que o governo faz essa negociação de olho no impacto, [mais do] que no orçamento. Acho que essa PEC é um mal necessário em função das relações políticas entre o governo e a oposição no Congresso e entre o governo e o conjunto do eleitorado."

Qual impacto da isenção de impostos a igrejas?

A Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2024, aprovada em janeiro deste ano, prevê R$ 5,5 trilhões para as despesas dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União.
Conforme publicou o jornal o Globo, o relator da PEC, o deputado Fernando Máximo (União-RO) afirma que o governo deixará de arrecadar cerca de R$ 1 bilhão em impostos anuais, o que representaria cerca de 0,01% no orçamento da União.
Ainda assim, tal valor seria suficiente para custear 3.088 ambulâncias, com base na estimativa de 2023 do Fundo Nacional de Saúde (FNS), órgão vinculado ao Ministério da Saúde, de R$ 323.812 cada veículo.
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Além disso, o mesmo valor poderia manter aproximadamente 59 vezes o custo anual da Universidade Federal do Norte do Tocantins (UFNT) — última a ser construída pelo governo federal, em 2019 — conforme valores divulgados pelo Senado Federal, corrigidos com base em dados do Banco Central do Brasil (R$ 16.999.132,15).
O professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e analista político José Alves Trigo questiona a estimativa de impostos que deverá deixar de ser paga, caso a proposta passe. "Vemos muitos números avaliados sem critério científico, e acredito que esse é mais um deles. Pode até ser próximo disso, mas não creio que tenha havido critério científico."

"Se for o número dessa magnitude [R$ 1 bilhão por ano], realmente seria um número bastante expressivo. Seria mais uma razão para o governo, preocupado com o déficit e que a oposição tanto cobra o superávit de caixa para que não haja apoio e aprovação a essa emenda."

Trigo esperava uma rejeição por parte do governo federal a essa proposta, já que não há apenas aspectos políticos, mas também econômicos. "Acho que o governo Lula tem acenado […] muito positivamente para os evangélicos, mas, de certa forma, isso tem um limite."
O professor ressalta que o governo tem feito diversos acenos políticos, inclusive ao Centrão, mas isso nem sempre garante apoio político, como evidenciado pelos partidos que continuam a votar contra ele, mesmo após serem agraciados. "Nessa lista tivemos deputados que teriam assinado pelo impeachment, pelo impeachment do Lula."

"Não me parece que agraciar, hoje, tem bastado. Nós temos uma questão de verba, de flexibilização, de tributos, junto com a questão ideológica, e me parece que essa posição não abre mão, mesmo quando ela é beneficiada como seria nesse caso."

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De quais impostos a Igreja é isenta?

Templos religiosos já são isentos do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Imposto de Renda (IR), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) e Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).
A nova legislação, se aprovada, só poderá ser válida caso a igreja prove que o dinheiro usado vem de recursos próprios ou do dízimo e que os valores foram empenhados nessas atividades e obras específicas.
A PEC que amplia a imunidade tributária de entidades religiosas e templos de qualquer culto já avançou na Câmara, com o apoio do governo Lula. O texto foi aprovado por unanimidade, em votação simbólica, na comissão especial. Ele segue para o plenário e, em seguida, passará pelo Senado.
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