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Rusga entre Biden e governador do Texas: o uso de imigrantes como arma política nas eleições dos EUA

© AP Photo / Eric GayImigrantes são levados sob custódia por autoridades em Eagle Pass, na fronteira entre o Texas e o México. EUA, 3 de janeiro de 2024
Imigrantes são levados sob custódia por autoridades em Eagle Pass, na fronteira entre o Texas e o México. EUA, 3 de janeiro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 07.02.2024
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Presidente americano e governador do Texas travam embate relativo à entrada de imigrantes pela fronteira do México com o Texas. Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas apontam que o imbróglio é uma manobra eleitoral que mira as eleições presidenciais deste ano no país.
A crise migratória na fronteira do estado americano do Texas colocou em rota de colisão o governador local, o republicano Greg Abbott, e o presidente dos EUA, o democrata Joe Biden.
Dados da imigração dos EUA apontam que em dezembro de 2023 o país registrou uma entrada recorde de 302.024 imigrantes pela fronteira com o México, sendo 250 mil de forma ilegal.
Para conter o fluxo, em dezembro Abbott tomou a controversa decisão de ordenar a Guarda Nacional do Texas a colocar cercas de arame farpado na região do Rio Grande, ponto por onde grande parte dos imigrantes entra no país.
Além de impedir a entrada de imigrantes, a cerca bloqueava o acesso da agência migratória federal, que dá suporte aos recém-chegados. Biden determinou um prazo a Abbott para a retirada da cerca, até 17 de janeiro, ordem que foi descumprida pelo governador, que enviou uma carta a Washington afirmando que pretendia manter seu posicionamento, inclusive nos tribunais.
A situação se agravou nas semanas seguintes, quando imigrantes que faziam a travessia morreram afogados, incluindo crianças. O caso foi analisado pela Suprema Corte dos EUA, que decidiu a favor de Biden e ordenou a retirada da cerca.
Embora a decisão tenha sido acatada, a tensão está longe de ser encerrada, conforme explicam especialistas ouvidos pelo podcast Mundioka, da Sputnik Brasil.
Thomas Ferdinand Heye, professor de relações internacionais e membro do Instituto de Estudos Estratégicos (Inest), da Universidade Federal Fluminense (UFF), argumenta que a decisão da Suprema Corte ainda corre o risco de ser revertida ou enfrentar entraves para ser colocada em prática. Isso porque, antes de o caso ser julgado pelo tribunal, um juiz federal concedeu uma moção em favor de Abbott.

"Um juiz federal nos Estados Unidos concedeu uma moção ao estado do Texas para impedir temporariamente que a administração Biden removesse o arame farpado na fronteira, o que indica para a gente que a questão, do ponto de vista judicial, ainda pode estar em andamento e que pode, eventualmente, haver alguma espécie de reversão nessa decisão da Suprema Corte […]. Em suma, a decisão da Suprema Corte pode se complicar na hora da implementação da ação, sendo afetada por decisões judiciais subsequentes", explica.

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Ele afirma que Abbott, ao contrariar o governo, expondo a independência do Texas, tirou proveito do fato de 2024 ser um ano eleitoral e tentou associar o caso à própria história dos EUA, uma federação formada por um poder central e governos com leis locais.
"Isso é a própria raiz da origem do Estado, no caso, dos estados que se tornaram independentes, as ex-colônias da Costa Leste dos Estados Unidos que se tornaram independentes da Inglaterra. Na primeira década, esses 13 'países', basicamente cada um tinha sua lei, suas moedas, suas regras. Futuramente, depois de mais de uma década, foi criada uma confederação, e depois […] uma federação. Mas inicialmente o poder central era voltado somente para questões externas, defesa nacional, política externa e coisas desse tipo; o grande poder residia nos estados", diz o especialista.

"Com o tempo, o poder da União, o poder central, o poder do presidente foi crescendo, ao ponto de, por exemplo, ele poder intervir nos estados ou chegar até mesmo, como Lincoln fez, a mover uma guerra civil para fazer valer uma determinação de abolição da escravatura que os estados do Sul se recusavam em aceitar, e procuraram justamente a secessão, ou seja, se separar do restante dos Estados Unidos para evitar de cumprir uma determinação da Suprema Corte, a mesma coisa que, por exemplo, o atual governador do Texas está procurando fazer", complementa.

Eleições nos EUA: caso pode se tornar uma arma eleitoral contra Biden?

Abbott não está sozinho em seu embate com Biden. Nas últimas semanas, outros 25 governadores, todos do Partido Republicano, expressaram apoio ao governador do Texas. Questionado sobre se o caso reflete uma tentativa de enfraquecer Biden no pleito presidencial, Heye afirma que sim.
"Sim, pode [ser uma tentativa], e funciona. Porque é uma questão que, sendo alimentada por mídias sociais, imprensa marrom, fake news, coisas desse tipo, esses imigrantes estão sendo apresentados aos cidadãos americanos, ou seja, ao eleitorado norte-americano, como potencial ameaça."
Ele acrescenta que os imigrantes chegam aos EUA "em busca de oportunidades melhores de vida, aceitando posições subalternas, se sujeitando à ilegalidade, ao baixo pagamento, à insegurança", e acabam "sendo utilizados como instrumento de manobra política", mesmo não representando risco.

"Afinal de contas, eventuais garçons, [empregadas] domésticas, jardineiros, colhedores de uva nos vinhedos californianos, seja lá o que for, não são uma ameaça ao Estado norte-americano."

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Heye aponta ainda que a retórica anti-imigrantes não prejudica apenas os que entram ilegalmente no país, mas todos os imigrantes em geral.
Ele afirma que, como professor, evita sugerir a alunos universidades norte-americanas para pós-graduação, por saber que a recepção será agressiva. "Não têm ideia de que tipo de recepção eles [estudantes brasileiros] vão ter lá. É algo bastante preocupante."

Qual a situação dos imigrantes nos Estados Unidos?

Eles são cerca de 10% da população dos EUA e vivem na corda bamba quando se trata do contexto das eleições do país norte-americano.
Biden é apresentado como um candidato mais à esquerda nas eleições presidenciais. Porém essa imagem não ganhou respaldo entre a opinião pública, uma vez que, na prática, tanto ele como o ex-presidente Donald Trump, que busca se candidatar ao pleito, são considerados de direita, sendo um mais radical e outro menos. Um exemplo disso é que Biden, durante a campanha de 2020, se comprometeu a retirar o muro erguido por Trump, o que não cumpriu.
Questionado sobre se a postura de Biden pode refletir um recrudescimento da xenofobia nos EUA, Heye diz que sim e aponta que "o crescimento da xenofobia nos EUA, infelizmente, está se tornando […] uma política hegemônica em termos globais no Ocidente". Ele cita como exemplo a ascensão de legendas populistas ultranacionalistas na Itália, na Alemanha e na Holanda, que têm entre os principais pontos da agenda o combate à imigração.

"Só que todas essas questões relativas à imigração, a gente sabe que no final das contas revelam muito de preconceito mesmo em relação a imigrantes. Porque, em termos gerais, a interação entre os povos sempre enriquece, sempre trouxe benefícios, e os próprios Estados Unidos são um grande exemplo nesse ponto da importância da imigração, assim como o Brasil.

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Segundo o especialista, a questão da imigração também pode causar embaraços políticos a Trump, uma vez que, apesar da retórica contra imigrantes, ele é casado com uma, Melania Knauss-Trump, de origem eslovena. Ele aponta que isso reflete uma postura de dois pesos e duas medidas em relação a imigrantes.

"Não é a primeira mulher imigrante que ele está trazendo, é a segunda; ele é reincidente, ainda por cima [em referência à primeira esposa de Trump, Ivana Trump, da República Tcheca]. Como a gente pode ver, existem 'imigrantes' e existem 'imigrantes'."

Questão do Texas pode resultar em uma reforma constitucional?

Alguns analistas apontam que o imbróglio envolvendo o Texas pode ter como consequência uma reforma constitucional. Porém Heye afirma descartar essa possibilidade.

"É tão complicado você querer mudar a Constituição norte-americana, e, diante da urgência, por exemplo, para uma questão como essa que a gente está vivendo agora, que é uma crise entre os Poderes, basta que a Suprema Corte legisle sobre a questão, julgue a questão. A Suprema Corte norte-americana tem o poder de justamente equilibrar esses Poderes, resolver esses impasses."

De quem afinal é a responsabilidade sobre a fronteira do Texas?

Para Roberto Goulart Menezes, professor do Instituto de Relações Internacionais (Irel) da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador do Instituto Nacional de Estudos sobre os Estados Unidos (INEU), Abbott usa a questão da imigração "para esticar a corda contra Biden" em pleno ano eleitoral.
"O início de toda essa tensão é um entendimento, enfim, torto, vamos dizer assim, que o governador republicano do Texas está dando em relação à questão da fronteira. Porque a fronteira desde sempre, desde a constituição dos Estados Unidos independente, em 1776, é de responsabilidade do governo federal. Só que, em ano eleitoral, o governador do Texas encontra então um tema sensível […] [para mobilizar] seus eleitores, eleitores republicanos no seu estado e nos demais estados governados pelos republicanos, o tema da imigração, que chama a atenção para a candidatura também do seu partido [à Presidência], a principal candidatura, que é a do Donald Trump."
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Ele afirma que isso explica o fato de Abbott ter feito, em discursos sobre a questão, "várias menções […] às políticas adotadas no período de Trump, entre 2017 e janeiro de 2021, no que diz respeito à imigração".

"É um tema sensível nos Estados Unidos […]. O que eles [republicanos] querem fazer, especificamente, é mostrar que o governo Biden é um governo que não cuida da fronteira dos Estados Unidos com o México, que é um governo permissível. Inclusive nós vimos governadores republicanos locando ônibus e pegando imigrantes e enviando para estados, como o estado de Nova York, que é governado por democratas, para dizer 'Olha, vocês não são favoráveis à imigração?'."

Qual a importância dos imigrantes para os Estados Unidos?

Os EUA têm, atualmente, um índice baixo de desemprego, girando em torno de 2%. Questionado sobre qual a raiz do temor entre americanos em relação a imigrantes, diante desse percentual, Menezes aponta que o tema da imigração foi securitizado, ou seja, transformado em uma questão de segurança nacional durante o governo Trump.

"Isso é um problema sério porque passa a tratar todo imigrante [como ameaça]. A gente lembra os despautérios que o ex-presidente proferiu em relação aos latinos, que voltou a falar agora também nas primárias, ele voltou a atacar fortemente os mexicanos. Claro, quando ele está atacando os mexicanos, ele também está atacando todos os demais latino-americanos […], dizendo que são estupradores, são ladrões, que vão trazer ameaça para o estilo de vida dos Estados Unidos, acabar com a paz nos Estados Unidos, e assim por diante. Agora nós sabemos que os Estados Unidos, para funcionarem economicamente, precisam dos imigrantes, sem dúvida alguma", conclui o especialista.

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