Panorama internacional

Euromaidan e golpe na Ucrânia foram incitados pelo Ocidente décadas antes, explica historiador

Conhecida como Euromaidan, a onda de protestos na Ucrânia, que completa 20 anos e que culminou em um golpe de Estado, levando à destituição do presidente Viktor Yanukovich (2010–2014), começou a ser impulsionada décadas antes. É o que explica o historiador Rodrigo Ianhez, que conversou com a Sputnik Brasil no podcast Mundioka.
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Durante todo esse processo, o Ocidente cumpre um papel fundamental na instrumentalização da Ucrânia como uma maneira de atingir a Rússia, afirma o historiador.
Em 20 de fevereiro de 2014, 53 pessoas morreram (49 manifestantes e quatro policiais) e a culpa recaiu sobre Yanukovich, que era alvo das manifestações por ter, na época, priorizado acordos com a Rússia e a União Econômica Eurasiática, em vez de assinar o Acordo de Associação União Europeia-Ucrânia.
Ele lembra que a assessora americana para assuntos euroasiáticos, Victoria Nuland, entregava rosquinhas aos manifestantes na principal praça de Kiev, durante os protestos, criticando publicamente a atuação da polícia.

"Yanukovich fala que não vai ver nenhum diplomata ucraniano entregando rosquinhas para manifestantes, por exemplo, do Black Lives Matter nos Estados Unidos, e criticando a atuação da polícia. Isso é uma intromissão violenta, uma intromissão descarada nos assuntos internos do outro país."

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"É evidente que houve uma intromissão tremenda. A gente tem gravações de oficiais americanos, nominalmente Victoria Nuland, discutindo a composição do governo antes de o impeachment se concretizar. Várias violações evidentes que fazem com que seja muito difícil não classificar como golpe o que ocorreu em 2014 na Ucrânia", comenta o historiador.

Para entender o que acarretou esses episódios, comenta ele, é fundamental fazer uma retrospectiva do envolvimento de potências estrangeiras, nominalmente dos Estados Unidos, nesse caldo de intrigas e complôs décadas antes.

"O apoio do Ocidente não começou em 2014 ou em 2022. Estamos falando das negociações do fim da União Soviética, quando Mikhail Gorbachev negociou os termos de reunificação da Alemanha e de dissolução do Pacto de Varsóvia", lembra.

O acordo, não cumprido, era de que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) não se expandiria em direção ao Oriente, além da Alemanha Oriental.
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"Ao longo dos anos, houve várias ondas de aceitação de países da Europa Oriental na OTAN, e um dos principais motivos pelos quais os russos se sentiam ameaçados era a possibilidade de a Ucrânia também integrar essa organização."

Além disso, no ímpeto de derrotar a então União Soviética, relata ele, ações do Ocidente relativizaram e empoderaram grupos nacionalistas neonazistas na Ucrânia, que estão presentes em diferentes esferas do poder de turno até hoje.
Ele citou também operações de apoio aos grupos nacionalistas ucranianos às diásporas ucranianas no Canadá e nos Estados Unidos, a influência que elas tiveram na academia, nos "think tanks para moldar um pensamento da União Soviética como opressora dos ucranianos", em que o Ocidente inclusive relativizou a atuação de grupos neonazistas ucranianos para prejudicar a União Soviética.
Anos depois, como presidente da Ucrânia, Yanukovich se tornou um estorvo para esse projeto de poder orquestrado pelos EUA e pela União Europeia (UE).

Corrupção e queda de Yanukovich: a cereja do bolo

O entrevistado ressalta que, como várias figuras da sua geração, no mundo da política, do espaço pós-soviético, após a ruína da União Soviética, Yanukovich era um oligarca de negócios com bastante poder econômico, que tinha forte identificação com a cultura russa.
Apesar da proximidade com a Rússia, Yanukovich buscou, enquanto presidente, "um meio termo" nas negociações entre a Rússia e o Ocidente, pondera o entrevistado.

"Foi proposto a ele um acordo comercial com a UE que envolvia uma série de outras questões […]. E havia um subtexto ali de afastamento da Rússia, uma tentativa de afastar a Ucrânia da esfera de influência russa. Ia limitar o acesso da Ucrânia aos produtos russos."

Segundo ele, Yanukovich julgou naquele momento que uma abertura tão grande para o mercado europeu não era interessante para a Ucrânia à luz da perda do acesso ao mercado russo.
"Justamente nessas negociações, ele perde o controle da situação, que se degenera para um motim em Maidan e acaba sendo engolido por tudo isso", avalia.
Ao relembrar as denúncias de corrupção que contribuíram para o impeachment de Yanukovich, segundo o especialista, o presidente deposto foi pego como boi de piranha por seus inimigos.
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"Não há dúvida que qualquer presidente ucraniano estava profundamente envolvido em corrupção. O atual governo tem seus escândalos também", ressalta o historiador. "Se formos falar dos inimigos políticos deles, todos têm interesses econômicos, todos são oligarcas obscenamente ricos, nomes como Yushchenko, da Yulia Timoshenko, dois oligarcas do ramo de energia e de gás. O próprio Kuchma deixou o poder porque estava envolvido em uma série de escândalos", descreve.

Ele destaca que Vladimir Zelensky tinha o apoio direto de oligarcas, alguns presos atualmente por denúncia de corrupção.
Imagens das votações que levaram ao impeachment, lembra ele, mostram irregularidades e a presença de membros armados da extrema-direita no Parlamento. Além disso, dez anos depois, realizadas todas essas investigações, a Corte ucraniana não achou provas que o implicassem no incidente, "que foi o grande mote para tirar ele do poder, do jogo político".

Ucrânia 10 anos depois do golpe: romper com a Rússia 'não é lógico'

Os acordos firmados com a UE, após a queda de Yanukovich, mostraram-se pouco benéficas para Kiev, segundo ele.
Atualmente, em um momento de extrema crise política e econômica e de conflito com a Rússia, a Ucrânia romper relações com a Rússia não é lógico, opina Ianhez.

"Boa parte do orçamento ucraniano é de royalties do petróleo que passa pelos antigos gasodutos e oleodutos soviéticos, gás e petróleo, que cruza a Ucrânia vindos da Rússia. Os produtos agrícolas, o mercado para a Ucrânia era a Rússia. Então cortar laços com a Rússia não faz sentido, assim como não faz sentido cortar os laços com a União Europeia", conclui ele.

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