Especialistas
ouvidos pela Sputnik Brasil concordam que o tom usado por Lula para criticar a atuação de
Israel nos ataques contra o grupo palestino Hamas na Faixa de Gaza e da ONU para resolver conflitos internacionais busca
contribuir para o fim do conflito, bem como
posicionar o Brasil mais firmemente no cenário global.
Doutor em relações internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMG), Guilherme Di Lorenzo esclarece que a defesa da causa palestina emergiu como um dos pilares distintivos de todos os mandatos de Lula:
"Essa postura reflete, em parte, uma visão global que busca tanto estreitar os laços do Brasil com o Sul Global quanto promover protagonismo político mais robusto do país na arena internacional", opina ele, ao argumentar que o Brasil reconhece a paralisia da comunidade internacional diante da crise humanitária em Gaza.
Lula
iniciou uma visita à África na terça-feira (13),
começando pelo Egito, onde assinou acordos bilaterais com o
presidente Abdel Fattah El-Sisi e
visitou a sede da Liga dos Estados Árabes (LEA).
A viagem termina neste fim de semana com
compromissos na Etiópia, que recentemente
passou a fazer parte do BRICS. Lá, Lula participa como convidado da
Cúpula de Chefes de Estado e Governo da União Africana.Para o presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal),
Ualid Rabah, Lula, em seu discurso, questiona de maneira oportuna a
atuação de Israel em Gaza, ao apontar que o país está "matando mulheres e crianças, coisa jamais vista em qualquer guerra que eu tenha conhecimento, a
pretexto de derrotar o Hamas", o que evidencia um
"genocídio continuado":
A ONU e seu conselho de segurança também foram
alvos de críticas do mandatário brasileiro durante sua passagem pelo continente africano. Segundo Lula, a organização perde importância na medida em que suas decisões são
meramente figurativas, incapazes de ajudar pragmaticamente na solução de situações que
perturbem a paz e a segurança mundiais.
Para os
especialistas ouvidos, o discurso de Lula sobre o
Conselho de Segurança é antigo, embora se torne ainda mais coerente, diante da
estrutura do órgão cada vez mais anacrônica:
O presidente da Fepal ressalta que o mundo pós-Segunda Guerra Mundial, quando a ONU foi criada, está radicalmente diferente do ponto de vista econômico, científico, tecnológico e de inovação, em que a totalidade dos países que integram hoje o Conselho de Segurança, à exceção da China, não representam mais um quarto do que representavam na época.
Todos os analistas ouvidos destacam que a reivindicação brasileira por uma reforma no Conselho e pelo respeito às resoluções da ONU é antiga e já ocorria na invasão do Iraque pelos Estados Unidos em 2003, a preocupação apenas se agravou com os conflitos posteriores.
Entretanto, reformar o Conselho de Segurança é "tarefa extremamente difícil" por vários motivos, sobretudo devido à desigual distribuição de poder militar, frisa Di Lorenzo:
"A grande incógnita é se países podem almejar alguma forma de liderança global sem terem recursos militares significativos, como é o caso do Brasil. A diplomacia brasileira está ciente dessa dificuldade', reflete o especialista.
A opinião é compartilhada pelos demais entrevistados, mas o Brasil tem
insistido no tema, que será uma das prioridades do país na
presidência rotativa do grupo G20 até o fim do ano, como afirma a especialista em Oriente Médio
Denilde Oliveira Holzhacker, professora de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM):
Grande importador de produtos agrícolas e pecuários brasileiros, o Oriente Médio é uma região economicamente importante. Além disso, países como os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita têm se destacado como investidores significativos na economia brasileira.
Mas embora a economia brasileira e a dos países árabes apresentem grau considerável de complementaridade, essa relação ainda não foi desenvolvida em um nível estratégico, de acordo com os entrevistados.
Apesar do crescimento substancial nas relações comerciais e financeiras, especialmente com as monarquias do Golfo, o doutor em relações internacionais da PUC-MG pondera que, em termos políticos, é improvável uma ampliação de uma frente política conjunta:
No âmbito político, os analistas concordam que o movimento brasileiro é de retomada e que apesar do alinhamento em temas importantes, ainda há um longo caminho a percorrer para uma articulação política mais substancial entre o Brasil e os países árabes.
Além disso, o pragmatismo histórico da política externa brasileira faz com que outros países também tenham relação pragmática com o Brasil, na opinião de Hilu da Rocha Pinto, tornando as relações de curto prazo muito vantajosas em termos econômicos, mas não garantindo retornos, de longo prazo, em termos de capital político. Mas o Brasil tem se esforçado, com Lula, para incrementá-lo, afirma:
"É uma região que é
central na geopolítica mundial. Então, qualquer país que tenha um destaque na região, obviamente, terá retorno político grande", esclarece ele, ao acrescentar que a
entrada no BRICS de vários países da região, como o Egito e os Emirados, também é um ponto extra nesse contexto.
"Ainda é uma mudança em construção. Ela não é clara nem é segura, mas, de qualquer maneira, são esforços que o Brasil faz nesse sentido", conclui.