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Economista aposta em entrada da Bolívia no Mercosul até 2024; quais as vantagens para o bloco?

Era 2017, um ano depois do impeachment de Dilma Rousseff, quando o Congresso Nacional recebeu o projeto que permitiria a entrada da Bolívia no Mercosul. Três anos antes, parlamentares dos demais países do grupo — Argentina, Paraguai e Uruguai — já haviam concluído a votação. Tensões políticas, pandemia e relegação do bloco atrasaram o processo.
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Faltava apenas o Brasil. Mas, nos últimos seis anos, o panorama não ajudou e as discussões ficaram em último plano. Para além dos problemas internos, o economista e professor titular da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), Sérgio Duarte de Castro, disse à Sputnik Brasil que a legislação nacional é mais complexa que a dos vizinhos nessa questão.
"Demoramos muito mais até para mandar ao próprio Congresso [o projeto]. Há todo um trâmite interno, com necessidade de opinião, participação de vários órgãos, de tal forma que o Brasil só encaminhou a solicitação em 2017, quando já havia sido aprovado o ingresso da Bolívia pelos demais países", explica.
Na sequência, veio a eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2018, que já expressava na campanha a ideia de relegar o Mercosul em prol de maior aproximação com os Estados Unidos — na época, comandado por Donald Trump.
"Tivemos um governo que não entendia a importância do Mercosul para o país e o continente. Bolsonaro chegou inclusive a cogitar em 2020 a retirada do Brasil do bloco. Então, isso tudo contribuiu para atrasar, para que essa discussão não prosperasse no Congresso", acrescenta.
Outro problema, segundo o especialista, foi o histórico político-econômico da Bolívia, que desde 2006 vinha sendo governada pela esquerda, com exceção de um curto período entre 2019 e 2020. Na época, houve o pedido de prisão do então presidente Evo Morales por militares e, com isso, ele precisou renunciar e até deixar o país, enquanto Jeanine Áñez se autoproclamou chefe do Executivo.

"Tudo isso em um momento de profunda divisão política do país, especialmente no governo Bolsonaro, o que acabou dificultando a evolução dessa discussão. Agora, eu creio que [a tradição de governos de esquerda] até perde relevância, ainda que tenhamos oposição de parlamentares claramente comprometidos com a direita mais radical no Congresso. Mas, em geral, acredito que isso não deve impedir a aprovação", adianta Castro.

Com o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Mercosul voltou a ser um dos focos da política externa do Brasil, que busca retomar o seu protagonismo no bloco. Um dos efeitos dessa mudança já pôde ser visto no Congresso: em setembro, foi criado o grupo parlamentar Brasil-Bolívia, que tem entre os seus objetivos ajudar a sacramentar a entrada do país no grupo. Para o economista Sérgio Duarte de Castro, a aprovação deve ocorrer até, no máximo, o próximo ano.
"Sabemos que o Congresso enfrenta uma série de problemas, ainda segue muito dividido [e] tem várias pautas importantes que estão em discussão neste momento. Então é difícil dizer se o ingresso da Bolívia será aprovado em 2023. Mas, se não este ano, no próximo ano muito provavelmente o acordo deverá ser selado", diz.
Dados do próprio Mercosul apontam que o bloco conta com uma população de quase 300 milhões de pessoas, 50 projetos de cooperação internacional, além de ser a quinta maior economia do mundo.
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'Fatores interferiram negativamente'

O presidente do grupo parlamentar, o senador Chico Rodrigues (PSB-RR), garantiu à Sputnik Brasil que a criação da entidade vai facilitar o processo de discussão, praticamente parado desde 2017.

"Eu, pessoalmente, como presidente do grupo, estou me dedicando bastante junto ao Itamaraty, junto a todo o grupo de senadores que também entendem a importância de a Bolívia entrar no Mercosul. Alguns fatores, que não preciso citá-los, interferiram negativamente [no passado]", argumenta o parlamentar.

Segundo o senador, a entrada da Bolívia é fundamental para aproximar ainda mais as relações econômicas com o Brasil, que inclusive é o seu maior parceiro econômico. Além de compartilharem quase 3,5 mil quilômetros de fronteiras, cerca de 30% do gás natural consumido em território brasileiro vem do país vizinho, que tem quase 12 milhões de habitantes e um PIB de US$ 41,03 bilhões (R$ 208,07 bilhões). "Entendemos que a criação do grupo parlamentar aproxima, através da nossa diplomacia, [os dois países]", conta.

Cuidado com o efeito 'Venezuela'

Já o analista internacional Vladimir Feijó, professor da Faculdade Arnaldo Janssen, lembrou que também há preocupação do Brasil em não repetir o problema que aconteceu com a Venezuela. Em 2012, a entrada do país no bloco foi sacramentada ainda sob o governo de Hugo Chávez. Porém, pouco tempo depois, a falta de contribuição financeira fez os venezuelanos serem suspensos.
"Uma das causas da reticência do lado brasileiro era a falta de compromisso do governo boliviano com o cumprimento integral de todas as cláusulas do tratado-chave do Mercosul", complementa à Sputnik.
Apesar de ter um mercado pequeno, quando comparado a outros países, o doutor em direito internacional vê uma série de benefícios que a Bolívia pode trazer ao bloco.

"Olhando a média de tarifa externa da Bolívia, ela, de fato, é menor do que a TEC [imposto de importação cobrado pelos países do Mercosul na importação de países de fora do bloco] negociada, mas isso é uma escolha da Bolívia; se ela adere ou não, obrigatoriamente, teria que elevar as suas tarifas ou contribuiria para forçar os países do Mercosul a abaixar as alíquotas", pontua.

Além disso, o especialista vê o país como um grande fornecedor de hidrocarbonetos, a exemplo do gás natural, o que ajuda a contribuir com uma estabilidade dos preços.
"Seria um parceiro ainda mais prioritário para países como Brasil e Argentina e teria uma linha de negociação aberta", enfatiza.
Para a Bolívia, há a possibilidade de participar de um grande bloco de comércio internacional, além de maior comprometimento com a estabilidade política. Perto das eleições, o atual presidente Luis Arce vê o apoio derreter por conta de denúncias de corrupção e problemas na economia. O socialista inclusive deixou de contar com Evo Morales, que deve tentar voltar ao poder.
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Crescimento acima da média da América Latina

Segundo o economista Sérgio Duarte de Castro, antes da pandemia, a Bolívia já se destacava diante de um crescimento anual contínuo do PIB acima de 4,5%, que também levou a uma redução da pobreza para abaixo de 40% pela primeira vez na história.
"Recentemente, ocorreu um rebaixamento nessas previsões em função da crise cambial que ocorre no país, mas mesmo assim ainda é acima da média da América Latina, que deve crescer 1,6% em 2023. O Banco Mundial espera que o país cresça 2,7%, enquanto o FMI [Fundo Monetário Internacional] tem expectativa de 1,8%."
Com relação ao dinamismo econômico que se tornou característico do país nos últimos anos, o especialista prevê que essa marca deve continuar — como exemplo, ele cita a maior reserva de lítio do mundo, mineral estratégico para a produção de veículos elétricos, localizada na Bolívia.

"Essa também é uma questão de interesse para a região e, para o Brasil em particular, é uma oportunidade de investimentos e de participação na exploração [...]. Ainda acabou de lançar um grande programa de política industrial, o que também representa oportunidades de investimentos das empresas brasileiras naquele país", disse.

Por fim, Castro cita um desafio para os próximos anos: o esgotamento das reservas de gás natural, com possibilidade de suspensão das exportações no médio prazo.
"Mas existe um grande potencial de reservas ainda a serem exploradas. E a Petrobras tem tecnologia e possibilidades de contribuir inclusive com essa exploração. O Brasil tem interesse nessa exploração em função da infraestrutura que já está estabelecida com o gasoduto [Brasil-Bolívia]", conclui.
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