Panorama internacional

Novo pacto de defesa entre Japão e Austrália aproxima a Ásia-Pacífico da guerra?

O pacto de cooperação militar Japão-Austrália entrou em vigor facilitando exercícios conjuntos, a implantação de forças de forma mais acelerada e agilizando o transporte de armas e suprimentos.
Sputnik
O Acordo de Acesso Recíproco Japão-Austrália (RAA, na sigla em inglês) foi assinado em 2022, mas entrou em vigor neste domingo (13) com o objetivo de fortalecer a "dissuasão" contra a República Popular da China em meio às crescentes tensões sobre Taiwan.
O tratado tem como objetivo aprofundar a cooperação em defesa, compartilhamento de inteligência, cooperação em segurança econômica, segurança climática e energética entre os dois países.
De acordo com o professor Joe Siracusa, reitor da Universidade Curtin (Austrália), não há dúvidas de que o RAA visa Pequim em conjunto a outras iniciativas dos Estados Unidos e seus aliados da OTAN na região.
"A China meio que assombra os formuladores de políticas australianos. Eles dizem que a China é uma ameaça iminente, mas eu não acho que a China esteja interessada em atacar a Austrália. Tudo o que ela precisa fazer é ignorá-la, mesmo que houvesse uma guerra. Mas porque o Japão e a Austrália também fazem parte do Quad, e porque cada um deles está ligado aos Estados Unidos, [isso] apenas acrescenta outra dificuldade para os planejadores de guerra de defesa chineses", afirmou Siracusa em entrevista à Sputnik.
Corroborando com o pensamento de Siracusa, o pesquisador líder do Centro de Estudos Americanos Avançados (CAAS, na sigla em inglês) da universidade MGIMO, Igor Istomin, acredita que o tratado entre Tóquio e Camberra deve ser visto como parte de um grande pacote de pactos bilaterais e multilaterais que estão sendo concluídos na Ásia e na região Ásia-Pacífico pelos EUA e seus aliados.
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Para ilustrar seu ponto, Istomin também se referiu ao Quad – formado entre Austrália, Índia, Japão e Estados Unidos; a AUKUS, um acrônimo para o pacto de segurança trilateral entre a Austrália, o Reino Unido e EUA; bem como a evolução do formato de coordenação tripla entre Washington, Seul e Tóquio.
"Eles estão interligados e todos perseguem esse objetivo de dissuasão", disse Istomin à Sputnik.
Ao mesmo tempo, o pesquisador acredita que tantos acordos mostram uma busca norte-americana para não deixar seu poder de potência mundial esvair.

"Historicamente, os Estados Unidos construíram sua política na região com base no conceito de 'roda e raio'. Isso significava que eles eram um centro em torno do qual as alianças bilaterais eram construídas: uma aliança separada com o Japão, uma aliança separada com a Coreia do Sul, uma aliança separada com a Austrália e a Nova Zelândia e várias outras. E agora está claro que, com a ascensão da China, Washington não tem recursos suficientes."

Sendo assim, o pesquisador russo defende que os EUA "estão incentivando o desenvolvimento de laços entre esses 'raios' da roda. Esses países também entendem que Washington não poderá ajudar todos eles, não na medida que eles gostariam em caso de conflito, então eles constroem esses acordos", continuou o pesquisador.
O presidente dos EUA, Joe Biden, à esquerda, o primeiro-ministro Anthony Albanese, segundo à esquerda, da Austrália, o primeiro-ministro Fumio Kishida, terceiro à esquerda, do Japão e o primeiro-ministro Narendra Modi da Índia, participam de uma reunião de Quad Leaders à margem da cúpula do G7 em Hiroshima, oeste do Japão, 20 de maio de 2023
Siracusa concorda com Istomin, mas pontua que mesmo perdendo força e buscando alianças mais robustas, todos esses pactos ainda só são possíveis pela presença norte-americana.

"A relação australiano-japonesa não vai a lugar nenhum sem os Estados Unidos da América. Então, apenas [os dois países] essa coisa conjunta [...] não darão em nada se Washington for mantido de fora", afirmou o reitor.

Adicionalmente, Istomin ressalta que o Japão e a Austrália realmente se tornaram os principais candidatos da rede centrada dos EUA na Ásia-Pacífico, uma vez que além de todos os acordos já citados, há também os menos ligados à defesa e focados na economia, incluindo um de formato trilateral para bloquear a expansão da iniciativa da Nova Rota da Seda.

Resposta chinesa

"A China obviamente entende qual é o objetivo final desses acordos", disse o pesquisador, mas acrescentou que Pequim "não tem pressa em concluir nenhum pacto com seus vizinhos ou outros atores mundiais" e que não construir esses pactos pode ser benéfico para a relação da China com países do Sudeste Asiático.
"A China é amplamente autossuficiente. Pelo menos militarmente, está ficando mais forte. Com isso, ela pode não ser tão ativa na conclusão de quaisquer acordos. E, em geral, a China tem uma política de longa data, segundo a qual declara que não entra em alianças militares e militares blocos. [...] A ênfase chinesa está em suas próprias forças e em formas alternativas e diplomáticas de persuadir e explicar aos países do Sudeste Asiático que é mais lucrativo para eles cooperar com a China do que seguir o caminho norte-americano. Em parte, isso pode favorecer Pequim, no sentido de que tantos países do Sudeste Asiático repetidamente disseram que não querem escolher entre os EUA e a China."
Além disso, o governo chinês apresentou uma série de iniciativas de paz e desempenha o papel de mediador internacional. Em fevereiro, Pequim divulgou uma proposta de 12 pontos que pedia a retomada das negociações de paz entre Kiev e Moscou. Em março, intermediou uma reconciliação histórica entre o Irã e a Arábia Saudita.
Enquanto isso, a Austrália e os EUA têm avançado com o acordo submarino de propulsão nuclear sob a estrutura AUKUS, provocando temores de uma potencial corrida nuclear entre as nações da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN).
Em junho, o primeiro-ministro cambojano, Hun Sen, e seus aliados da ASEAN levantaram dúvidas sobre a conformidade da AUKUS com as regras de não proliferação e enfatizaram que a ASEAN é uma região livre de armas nucleares.
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Aumento do poderio militar levaria à guerra?

No dia 4 deste mês, como parte de uma visita no âmbito dos exercícios conjuntos Talisman Sabre, o submarino nuclear norte-americano da classe Virginia chegou ao porto australiano HMAS Stirling, conforme noticiado.
O porto de Stirling passará por uma expansão bilionária para se tornar uma base para submarinos nucleares americanos e britânicos a partir de 2027. Anteriormente, no dia 24 de julho, outro submarino nuclear norte-americano chegou à base naval da ilha Jeju, na Coreia do Sul.
Todos esses movimentos significam uma escalada para guerra? Para Istomin é improvável que o RAA se torne um gatilho para um potencial conflito regional, mas cria um precedente.

"O Japão tem um Exército muito poderoso, pelo menos um Exército muito moderno. Portanto, é claro, existe o perigo de algum tipo de agravamento. E o ponto-chave que está sendo discutido agora é a situação em torno de Taiwan. Por exemplo, dez anos atrás, o foco estava mais na situação no mar do Sul da China. Existem contradições diretas sobre as ilhas Senkaku ou Diaoyu – primeiro o nome japonês, outro chinês. Ou seja, existem muitos pontos de conflito onde pode surgir. No entanto, Taiwan é a questão mais óbvia e a mais perigosa, porque a China a considera do ponto de vista de sua integridade nacional", diz Istomin.

Siracusa acredita que o país estadunidense tenta fazer na região é "forçar uma escolha entre Pequim e Washington", mas quando se trata de "Tóquio e Camberra, não há discussão e não haverá discussão. Se houver uma guerra na segunda-feira de manhã, ambos estarão dentroesse é o fim da discussão", afirmou o reitor acrescentando que a Austrália "está literalmente a um passo de ingressar na OTAN", afirmou.
Istomin ainda sublinha que, diante de todos os acordos referidos, principalmente o Acordo de Acesso Recíproco Japão-Austrália, fica evidente que há "um claro afastamento do conceito de segurança anterior amplamente pacifista do Japão", concluiu o pesquisador.
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