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É preciso valorizar os movimentos em defesa da mulher, diz deputada Martha Rocha à Sputnik Brasil

© Foto / José Cruz/Agência BrasilMartha Rocha debate os dez anos da Lei Maria da Penha, em Brasília (DF). Brasil, 11 de agosto de 2016
Martha Rocha debate os dez anos da Lei Maria da Penha, em Brasília (DF). Brasil, 11 de agosto de 2016 - Sputnik Brasil, 1920, 08.03.2024
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Em entrevista ao podcast Jabuticaba sem Caroço, da Sputnik Brasil, a deputada estadual conta sua trajetória como a primeira chefe de Polícia Civil do Rio de Janeiro e destaca que a luta pelos direitos das mulheres não pode ser classificada como "mimimi".
O dia 8 de março marca o Dia Internacional da Mulher. Instituída na década de 1970 pela Organização das Nações Unidas (ONU), a data tem com intuito refletir sobre a luta feminina por direitos.
Em homenagem à data, o podcast Jabuticaba sem Caroço, da Sputnik Brasil, conversou com a deputada estadual Martha Rocha, carioca, originária da Penha, subúrbio do Rio de Janeiro, atualmente em seu terceiro mandato como parlamentar.
Martha Rocha é conhecida por seu trabalho nas forças de segurança, especialmente na Polícia Civil, na qual iniciou carreira como escrivã, sendo alçada posteriormente ao posto de delegada até se tornar a primeira mulher da história do Rio de Janeiro a exercer o cargo de chefe de polícia.
Criadora da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) e da Delegacia de Atendimento ao Turista, Martha tem uma atuação ligada aos direitos humanos e à defesa dos direitos das mulheres.
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Martha afirma que sua carreira é fruto dos estudos em escola pública. Ela trabalhou como professora de ensino fundamental, formou-se em direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e se especializou em direitos humanos na Universidade Candido Mendes (UCAM) e no Curso Superior de Polícia, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Ela conta que entrou para a polícia em 1983, quando a profissão ainda não era vista como algo para mulheres.

"Eu vivo um dia de cada vez e, naquele momento […], como primeira profissão, fui ser professora primária, que hoje é professora de ensino fundamental, como todas as mulheres da minha geração. Eu fui para o magistério, o que foi muito bom", explica Martha.

Ela conta que em 1983 viu em um jornal um concurso para escrivão da Polícia Civil. Ela estudou e passou no concurso, mas afirma que teve dúvidas quanto a exercer o cargo, e que nesse momento seu pai foi fundamental.
"Eu tinha um pai que era feminista sem saber. Ele dizia que a gente tinha que estudar para que, se não gostasse do marido, pudesse mandá-lo embora. Então a educação era uma coisa muito importante e, naquele momento, quero confessar que eu estudei muito, passei nesse concurso, mas quando cheguei para a realidade de ir para a Polícia Civil, eu tive dúvidas. E ele falou uma frase que eu incorporei para a minha vida. Ele disse assim: 'Por que não?' Então eu fui para a Polícia Civil, eu e todas as mulheres, nós éramos cerca de 250 mulheres aprovadas", explica a deputada.
Ela afirma que o primeiro desafio das mulheres aprovadas foi conseguir um banheiro para mulheres, algo que não existia na época.

"Eu me lembro que no meu primeiro dia de trabalho olhei para o lado, procurei o policial mais simpático, e muito envergonhada perguntei onde era o banheiro e descobri que não tinha […]. Aí eu e todas as outras fomos discutir isso internamente para buscar um espaço para um banheiro, e como prêmio de consolidação nos foi dado a tarefa de organizar o banheiro. 'Toma aqui esse banheiro que está desativado, é de vocês, e vocês se organizam.' Então eu digo que a luta por um banheiro foi a nossa primeira batalha sindical, sem a gente entender muito o que estava acontecendo", conta Martha.

Ela sublinha que a década de 1980 foi um momento muito rico para movimentos sociais em prol dos direitos das mulheres, principalmente por conta do processo de redemocratização.
"Em 1983, a gente estava passando por um processo de redemocratização, a gente começava a discutir [o movimento] Quem Ama Não Mata, as mulheres se organizaram e foram para a Constituinte e conseguiram muitas garantias dentro da Constituinte, como o dever do Estado de proteger a mulher e a sua família, a questão da saúde integral da mulher, a questão da creche, foram todas conquistas que o movimento social trouxe, e aí nesse sentido surgem as delegacias de mulheres. E quando eu chego, em 1990, com o segundo concurso público, eu já chego com a Constituinte, então acho que esse momento que eu vivi, de 1983 a 1990, foi um momento de presenciar as transformações que o Estado brasileiro sofreu."
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Ela afirma que chefiar a Polícia Civil não foi tarefa fácil, e contou com a resistência de policiais homens em aceitar uma mulher no cargo.
"O ponto que acho que foi a minha transição foi o momento em 1993, quando eu fui exercer o cargo de diretora do departamento geral de polícia especializada. […] Era a primeira vez que uma mulher ocupava aquele cargo desse departamento, que é o departamento mais operacional. E, naquele momento, os jornais noticiavam que os delegados mais antigos, que ocupavam a titularidade dessas delegacias, iriam entregar os seus cargos porque não aceitavam a presença de uma mulher."
Ela sublinha que um dos desafios para as mulheres em cargo de chefia, não apenas na polícia, mas em vários espaços, é o risco do erro.

"Quando você erra, você erra porque é mulher, e aí o teu erro acaba refletindo em todo mundo, o que não acontece com o homem. Então cada mulher que me antecedeu abriu uma porta, e cada mulher que me sucedeu vai abrir outras portas para outras mulheres. Então acho que esse foi o momento que eu diria do preconceito real e concreto na minha trajetória."

Transição para a política

Martha explica que, ao longo de seu trabalho, começou a perceber que havia uma violência que não fazia parte das páginas policiais, muito menos dos registros de ocorrência.
"De alguma maneira, a minha carreira também foi levada para o fortalecimento das delegacias de mulheres. Em alguns momentos eu fui titular, eu fui diretora de um departamento que coordenava as delegacias de mulheres. E, ao longo desse tempo, eu me percebi como uma militante pelos direitos das mulheres."
Nesse contexto, Martha afirma que a transição para a política acabou sendo algo natural, que ocorreu após ela ter feito tudo o que podia dentro da corporação.

"Pedi para sair porque acho que o momento de chegar, você não tem domínio, mas o momento de sair você tem domínio. Então, naquele momento, eu acho que foi um pouco natural caminhar na política, e aí fui eleita e estou aqui, no meu terceiro mandato, para te dizer que passa muito rápido."

Martha aponta a necessidade de valorizar os movimentos sociais e critica o fato de que, muitas vezes, o movimento em defesa das mulheres é ridicularizado, classificado como "mimimi" ou algo "histérico". "Essas mulheres [engajadas] cumpriram o papel de defender outras mulheres."
Questionada sobre as notícias veiculadas que apontam sua candidatura ao cargo de prefeita nas eleições municipais deste ano, por seu partido, o PDT, Martha Rocha diz que gostou muito da experiência de disputar o cargo nas eleições de 2020.

"Isso me possibilitou conhecer a minha cidade, estudar a minha cidade, por isso eu estou à disposição do partido. Na verdade, hoje eu sou pré-candidata à prefeita da cidade do Rio de Janeiro pelo meu partido, estou estudando a minha cidade porque depois de quatro anos vai ser uma eleição totalmente diferente, a gente vivenciou uma eleição atípica no meio da pandemia", explica a deputada.

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