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Análise: de olho na atual tensão global, Coreia do Norte busca reavivar aliança com Rússia e China

© Sputnik / Vitaly AnkovO líder norte-coreano, Kim Jong-un
O líder norte-coreano, Kim Jong-un - Sputnik Brasil, 1920, 01.02.2024
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Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, analistas apontam que a reunificação da península coreana se tornou inviável devido ao acirramento entre Norte e Sul, e destacam o estreitamento de laços de Pyongyang com Moscou e Pequim.
A tensão na península coreana escalou nas últimas semanas, após a Coreia do Norte realizar uma série de disparos de mísseis de cruzeiro em direção ao mar Amarelo e ao mar do Japão (também conhecido como mar do Leste), e testar, com sucesso, um míssil de cruzeiro estratégico Pulhwasal-3-31, lançado de um submarino.
Na semana passada, a Coreia do Norte demoliu um monumento importante na capital, Pyongyang, que simbolizava a esperança de reunificação da península. O monumento foi erguido no ano 2000, após uma histórica cúpula intercoreana. Ao anunciar a demolição, o líder norte-coreano, Kim Jong-un, classificou o monumento como "monstruoso" e disse que não há mais esperança de reunificação. Posteriormente, ele afirmou que a Coreia do Sul é "um inimigo primário e o principal inimigo invariável" da Coreia do Norte e alertou para a possível guerra nuclear entre as duas Coreias.
As tensões se agravaram após a intensificação das manobras militares entre Estados Unidos e Coreia do Sul em resposta aos testes de armas do Norte.
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, analistas apontam qual o real risco da retomada da guerra entre as Coreias e que impactos o conflito teria no cenário global.
Lucas Rubio, presidente do Centro de Estudos da Política Songun – Brasil, organização dedicada aos estudos estratégicos sobre a política militar e nuclear da República Popular Democrática da Coreia, explica que a Coreia do Norte não buscou o isolamento que o país vivencia hoje no cenário global. Segundo ele, esse isolamento foi construído pelos Estados Unidos.

"A Coreia do Norte não se isolou por conta própria, não escolheu se isolar do mundo para tentar, de alguma forma, trancar os seus cidadãos dentro das suas fronteiras, ou, então, se retirar da comunidade internacional, como geralmente a gente escuta e lê por aí. Isso foi um isolamento criado de fora para dentro."

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Ele lembra que a Coreia do Norte "tem uma experiência militar, política, econômica e social diferente da do restante do mundo, um país com diretrizes políticas totalmente diferentes". Porém, com a queda do bloco socialista após a Guerra Fria, o país perdeu seus parceiros internacionais, principalmente a União Soviética. Sem as parcerias, o país mergulhou em um período de crise.
"Enfrentou um período de crise muito grande que foi piorado, teve uma magnitude maior, porque os Estados Unidos conseguiram criar uma série de bloqueios econômicos, bloqueios diplomáticos, bloqueios políticos que deixaram o país realmente isolado. Os Estados Unidos cortaram os contatos desse pequeno país que tentou buscar no mercado internacional, fora da antiga parceria com a União Soviética e os outros países que já nem mais existiam, novas parcerias e não conseguiu por conta desses bloqueios impostos pelos Estados Unidos, com a anuência da ONU, inclusive."
Rubio afirma que a intenção de Washington era fazer a Coreia do Norte "implodir de dentro para fora, tentando cortar todo tipo de parceria econômica, energética". No entanto ele afirma que o efeito foi o contrário.

"Se tentaram isolar a Coreia do Norte, ela encontrou um caminho muito próprio, muito independente, muito autóctone de resolver suas questões, de substituir coisas que antes ela dependia do exterior [para ter] e começar a produzir internamente. Então é um país que foi isolado, mas que busca romper esse isolamento de muitas maneiras. Os coreanos têm embaixadas em grande quantidade de países no mundo, têm muitas relações diplomáticas, inclusive com o Brasil."

Ele afirma que Pyongyang também está reavivando antigas alianças, principalmente com a Rússia e com a China, parcerias econômicas que ele diz serem muito complexas e "que garantem que o país tenha pelo menos um mínimo de fluxo internacional de suas mercadorias".
"A Rússia e a China são compradoras de mercadorias norte-coreanas e também fornecedoras de alguma parte do que os norte-coreanos precisam."

Por que a Coreia do Sul e a Coreia do Norte são inimigas?

Questionado sobre qual o principal entrave na relação entre as duas Coreias, Rubio aponta a presença militar americana na Coreia do Sul, bem como a intromissão de Washington em assuntos da península coreana.

"Os norte-coreanos observam o Sul como uma base militar avançada dos Estados Unidos ali. É uma questão muito complexa que está sofrendo uma transformação radical muito grande, dramática, nestes últimos dias."

Ele cita a declaração de Kim Jong-un em uma sessão da Assembleia Popular Suprema, classificando a Coreia do Sul como um inimigo e descartando a reunificação, e aponta que a afirmação do líder norte-coreano mostra uma mudança muito grande da leitura que Pyongyang fazia da Coreia do Sul, uma vez que o país até então era visto pelo Norte como um território sob ocupação estrangeira.
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Qual o motivo da separação das duas Coreias?

"Em 1945, quando o país [antes da divisão] se libertou da ocupação japonesa, principalmente pela luta levada a cabo pelo movimento guerrilheiro liderado pelo Kim Il-sung [avô de Kim Jong-un], que vai ser o fundador da República Popular Democrática, os Estados Unidos invadiram a parte sul, ocuparam a parte sul, em uma lógica da Guerra Fria, em uma lógica de conter a ascensão de um movimento comunista e a construção futura de um Estado socialista naquela região, que era estrategicamente muito importante — lembrando que a península da Coreia está do lado da China, do lado da Rússia, na época da União Soviética", explica Rubio.

"Quando os Estados Unidos fazem isso, eles não só estabelecem uma base com seus soldados, como eles criam uma república artificial, que é a República da Coreia, que ao longo destes últimos quase 80 anos tem sido uma representação, uma imagem um pouco deformada dos Estados Unidos na região", complementa.

Ele afirma que os norte-coreanos se incomodam com o fato de que na Coreia do Sul não só há um contingente muito grande de soldados dos Estados Unidos, mas também há o próprio governo sul-coreano, que age como um representante dos interesses de Washington na península.
"O Estado sul-coreano e os consequentes governos que o dirigem são extremamente pró-americanos, eles não conseguem dar um passo sem pedir permissão aos Estados Unidos, sem estar sob o controle dos Estados Unidos. E isso faz com que a questão nacional, que é a questão gravíssima de que o país foi dividido ao meio — foram criados dois Estados diferentes, sendo que o povo coreano é o mesmo povo, fala a mesma língua, tem a mesma cultura, a mesma raiz histórica —, […] seja sempre deixada de lado pela Coreia do Sul, a mando, é claro […], dos Estados Unidos, que praticamente controlam aquele país."
Rubio afirma que "os norte-coreanos se incomodam com isso, com o Estado fantoche que é hoje em dia a República da Coreia, e foi desde o seu nascimento, e com a presença dos Estados Unidos ali".

"Eles consideram que é uma grande traição porque eles não conseguem admitir que o próprio povo coreano esteja se virando contra o seu próprio povo, que é o povo coreano do Norte. Eles não conseguem entender, e têm uma grande frustração, como que os sul-coreanos não enxergam que estão sendo usados para trair e atacar o seu próprio povo, que é o povo coreano, que no fim das contas é um só e foi lamentavelmente dividido e separado em uma fronteira a norte e sul."

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É possível a reunificação da Coreia?

Rubio lembra ainda que as tentativas de reunificação foram lideradas pelo Norte, embora ambos os lados tenham representações voltadas para a questão.

"Esses órgãos sempre tentaram trabalhar conjuntamente, principalmente por iniciativas da parte Norte. E sempre que as negociações chegam a algum ponto muito interessante, ou quando vão avançando os diálogos para derrubar uma série de pequenas barreiras que acabam afastando o Norte e o Sul, os Estados Unidos intervêm e fazem com que as relações acabem se separando novamente", afirma Rubio.

Ele acrescenta que desde a década de 1970 o Norte propõe uma saída, idealizada por Kim Il-sung, líder norte-coreano na época, que visa "tentar acelerar a reunificação, mantendo os sistemas políticos e os sistemas econômicos, mas eliminando a hostilidade militar que existe, a nítida tensão militar que existe entre as duas partes". Porém a proposta sempre foi rejeitada pelo Sul.
"Só que a condição básica dos norte-coreanos [na proposta] é a saída das tropas dos Estados Unidos, e que o problema dos coreanos seja resolvido pelos coreanos. Só que isso é inconcebível para os Estados Unidos, os Estados Unidos não vão abandonar aquela base, ainda mais no contexto de hoje. Se na Guerra Fria já era necessário, agora você imagina hoje como é necessário com a China, segunda potência global a poucos passos de se tornar a primeira, e a Rússia, que está renascendo depois de umas décadas bem jogada à margem da comunidade internacional por conta dos problemas dos anos 1990… Hoje é ainda mais necessário manter uma base ali aos pés da Rússia e da China. Então os Estados Unidos não vão arredar o pé dali."
Ele afirma ainda que o recente encontro entre Kim Jong-un e o presidente russo, Vladimir Putin, em Moscou "assustou muito os interesses dos Estados Unidos e das potências ocidentais naquela área do mundo".

"Os norte-coreanos serem independentes, terem o seu próprio sistema, o seu próprio modo de vida, não serem orientados por outro país, e sim responderem apenas ao seu próprio povo, isso é uma coisa muito assustadora para os Estados Unidos e para alguns países do mundo. E aí, quando esse país começa a reaquecer, a reviver alianças que já foram muito fortes e agora estão em outro patamar, em outra dinâmica, isso assusta ainda mais."

Qual a relação entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul?

Em entrevista ao podcast Mundioka, Ricardo Caicholo, professor de relações internacionais do Ibmec, diz que as bases americanas não são o único ponto nevrálgico na relação entre as duas Coreias.

"Vai além das bases americanas. O que incomoda a Coreia [do Norte] tem sido uma certa movimentação por parte da Coreia [do Sul], Japão e Estados Unidos no momento mais recente, nesta cooperação entre os três países, com relação a uma aproximação entre esses três países, voltados para algumas operações militares perto da Coreia do Norte."

No entanto, ele afirma que as movimentações são uma resposta à postura belicosa adotada pelo Norte "no sentido de avançar alguns programas voltados à sua segurança que incomodam os países vizinhos, sobretudo a Coreia do Sul".
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"O próprio lançamento, uma primeira tentativa, em junho do ano passado, de lançamento de um satélite espião […] não foi muito bem-sucedida, mas, posteriormente, um outro lançamento, esse, sim, bem-sucedido, em novembro, acabou despertando essa animosidade nesses países que eu mencionei, tanto o Japão, quanto os Estados Unidos, quanto a Coreia do Sul."

Qual a situação das Coreias na atualidade?

Caicholo diz não acreditar na possibilidade de um confronto militar entre as Coreias do Norte e do Sul, e considera que as atuais declarações de Kim Jong-un sobre isso são apenas retórica.
"Ele percebeu um momento propício para poder se articular internacionalmente, então ele está em um momento, de fato, propício, porque a gente tem um momento de instabilidade no cenário internacional — crise em Gaza, crise na Ucrânia, envolvendo Rússia. E o que se discute hoje, o que tem se divulgado hoje, é que ele aproveitou esse momento, a Coreia do Norte aproveitou esse momento inclusive para uma aproximação maior ainda com a Rússia, inclusive no sentido de fornecimento de equipamentos, de mísseis, para que a Rússia pudesse aproveitar e desenvolver suas atividades na guerra na Ucrânia."
Segundo ele, mesmo que Kim Jong-un, em um cenário hipotético, decida se engajar em um conflito militar com a Coreia do Sul, necessitaria do aval de China e Rússia para isso.
"Sem dúvida nenhuma, tudo que se passa na Coreia do Norte, em grande medida, eles são muito próximos da China, muito próximos da Rússia, teriam que pedir a bênção de ambos esses países para poder se envolver no conflito. […] Então haveria, de fato, algum tipo de consulta prévia, porque sabe-se que isso, acontecendo algum tipo de invasão, algum tipo de encaminhamento para uma guerra contra a Coreia do Sul, fatalmente você teria o envolvimento tanto do Japão quanto dos Estados Unidos."
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