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Aliciamento e tráfico contra migrantes: como as redes de coiotes atuam no Brasil?

© Paulo Pinto / Agência BrasilPosto disponibilizado pelo governo federal para atendimentos a migrantes em Brasília
Posto disponibilizado pelo governo federal para atendimentos a migrantes em Brasília - Sputnik Brasil, 1920, 13.12.2023
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Principal porta de entrada aérea para o Brasil, a chegada incomum de quase 190 migrantes — a maioria de origem vietnamita, no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos — só no último fim de semana alertou as autoridades brasileiras sobre um crime em alta no mundo: a atuação violenta e intensa das redes de coiotes e tráfico de pessoas.
O grupo não possuía visto, e a maior parte solicitou refúgio no país. Esse contingente se soma a outros cerca de 360, também com maioria de origem do Vietnã e da Índia, que até a semana passada aguardava uma definição sobre a autorização para entrar em território nacional. O volume de pessoas gerou preocupação às autoridades brasileiras sobre o possível uso do país como uma nova rota por coiotes.
Geralmente sem nenhuma instrução, os grupos são praticamente abandonados à própria sorte pelos criminosos quando chegam ao país de destino que, no caso do Brasil, pode ser usado como entrada para as Américas. Muitas vezes, a alternativa que resta é solicitar refúgio: pela legislação brasileira, é concedido a quem fugiu do local de origem por violação de direitos humanos ou perseguição por raça, religião e até nacionalidade.
O coordenador do Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo (GPTEC) na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ricardo Rezende Figueira, contou à Sputnik Brasil que há um histórico no país da atuação dos chamados aliciadores ou coiotes, inclusive dentro de aeroportos.

"Há seis anos, fizemos um estudo que mostrou que chineses chegavam a pagar até R$ 30 mil para entrar no Brasil. Também há os congoleses, que vieram pela necessidade econômica, por viverem guerra e perseguição política em seus territórios e, chegando aqui, foram submetidos ao que as autoridades chamam de trabalho análogo ao escravo", resume.

Segundo o especialista, na maioria das vezes, o Brasil é usado somente como um país de passagem. "Chegam aqui e depois tentam sair. No caso dos congoleses, por exemplo, é por ser menos burocrático para entrar, depois tentam embarcar para a França, a Bélgica ou até mesmo os Estados Unidos", diz, acrescentando que dos 23 chineses que conversaram para o estudo, após dois anos, apenas quatro seguiam em território brasileiro.

Pedidos de refúgio têm alta de 73%

De acordo com o Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), entidade criada em 2013 após parceria entre o governo federal e a Universidade de Brasília (UnB), o Brasil registrou alta de 73% nos pedidos de refúgio em apenas um ano: em 2022 foram 50.355 solicitações, contra 29.107 em 2021.
As principais nacionalidades são venezuelanos (67%), cubanos (10,9%) e angolanos (6,8%), panorama que pode começar a mudar após os últimos casos registrados no país. A entidade pontuou ainda outra mudança no perfil das pessoas que pedem refúgio no Brasil, com o aumento da chegada de mulheres e crianças. Em 2022, por exemplo, 45,38% das solicitações brasileiras eram de mulheres. No início da década, esse era um fenômeno típico dos Estados Unidos e da Europa no auge da crise migratória causada por conflitos em regiões como África e Oriente Médio.
O procurador e coordenador de combate ao trabalho escravo e tráfico de pessoas do Ministério Público do Trabalho (MPT), Luciano Aragão Santos, explicou à Sputnik Brasil que há duas formas de atuação criminosa dos coiotes: por meio do tráfico de pessoas ou por contrabando, como é o caso dos vietnamitas.

"No tráfico de pessoas, há uma motivação específica: ou a pessoa é aliciada para o trabalho escravo, exploração sexual e até venda de órgãos. Já no contrabando, um terceiro recebe determinado valor para levar a pessoa ao país de destino e, quando ela chega, vai se virar por conta própria e tentar encontrar uma solução para se estabelecer no local", acrescenta.

Conforme o especialista, um dos principais fatores que motivam tanto o tráfico quanto o contrabando é a vulnerabilidade. "Os vietnamitas e outros povos do Sudeste Asiático, além de angolanos e haitianos, por exemplo, migram e caem na proposta de contrabando de pessoas, principalmente pela situação do local em que vivem e, com relação ao destino, por ter algum atrativo", pontua. É o sonho de uma vida melhor usado pelos coiotes para aliciar essas pessoas, conta o procurador.
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O que é a política migratória?

Aprovada em 2017, o Brasil conta com uma lei atualizada para tratar da migração, que entre os principais preceitos está o respeito aos direitos humanos internacionais. Apesar disso, um dos mais importantes artigos, que trata da criação da Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia, ainda não foi implementado. A proposta estabelece uma parceria do governo federal com estados e municípios para o atendimento a migrantes e refugiados que chegam ao país.
O coordenador do MPT acrescenta que, ainda assim, o país é considerado um exemplo mundial no acolhimento de refugiados.
"O Brasil costuma exercer um papel relevante nesse tema, como acontece com os venezuelanos que entram por Pacaraima, no qual há uma situação humanitária. Há uma política de portas abertas que pode facilitar o acesso ao continente e, a partir disso, os coiotes podem se aproveitar para fazer a transferência [de migrantes] a partir do país para outros territórios", diz.
Para evitar o uso indevido dessa política, o procurador lembrou que a Polícia Federal (PF) tem um sistema de controle que busca barrar as entradas ilegais. "Na maioria dos casos, a atuação ocorre por meio de denúncias ou monitoramento de episódios com o ingresso de um grande número de pessoas, [como o caso dos vietnamitas]". Procurada pela Sputnik Brasil para falar sobre o trabalho, a corporação não se manifestou.
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Tráfico de pessoas, exploração sexual e trabalho escravo

O MPT tem forte atuação contra as redes de tráfico internacional de pessoas, que aliciam pessoas em situação de vulnerabilidade para trabalho escravo e exploração sexual. "Atuamos por meio do artigo 149-A do Código Penal, [que prevê os elementos que caracterizam a redução de um ser humano à condição análoga de escravo]. A partir disso, com relação aos migrantes, atuamos nas fronteiras, participamos de operações justamente para identificar o tráfico de pessoas no país, cujo maior fluxo é continental", complementou o procurador Luciano Aragão Santos.
Os dados do órgão mostram que, entre 2003 e 2022, 72% das pessoas resgatadas pelo MPT do trabalho escravo eram da América do Sul, seguidas por migrantes da América Central ou do Caribe (24%) e Ásia (3,64%). Com relação às nacionalidades, as principais são bolivianos (42,5%), haitianos (24%), venezuelanos (9,95%) e peruanos (6,8%).
Com relação ao perfil dos resgatados, 50% se declararam pardos, 21% brancos, 13,6% pretos e 34% só estudaram até o quinto ano do ensino fundamental.

"Normalmente, as pessoas vêm de países em que há pouquíssima garantia de direitos sociais. Apesar de existir desenvolvimento econômico, de fato, existem situações em que o país tem muito desenvolvimento econômico, mas não são garantias de direitos sociais e trabalhistas nenhum", analisa o procurador, que pontua que quando a pessoa é resgatada, passa a ter status de refugiado, com assinatura da carteira de trabalho e acesso a todos os direitos brasileiros.

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