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A disputa bipolar entre EUA e China pela América Latina: quem sai ganhando?

© AP Photo / Stefani ReynoldsO secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, à direita, e o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, participam de uma reunião em Nusa Dua, na ilha indonésia de Bali (foto de arquivo)
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, à direita, e o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, participam de uma reunião em Nusa Dua, na ilha indonésia de Bali (foto de arquivo) - Sputnik Brasil, 1920, 23.11.2023
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Nos últimos tempos a China tornou-se um dos principais atores econômicos e políticos na América Latina. Tal situação vem desafiando a tradicional influência dos EUA no continente, que contina implacável em manter uma hegemonia regional diante da crescente presença de Pequim.
Fato é que essa maior integração da China com a América Latina se deu sobretudo por conta do comércio, pelo desenvolvimento de infraestruturas de transporte e setor portuário, bem como em função da falta de atenção dos Estados Unidos, que há tempos perderam o interesse na região do ponto de vista geopolítico. Diante desse contexto, os americanos deixaram escapar sua tradicional vantagem em termos de proximidade geográfica para com os países latino-americanos, dado que a China já é a principal parceira comercial da maior parte dos Estados no continente.
Ao mesmo tempo, esse envolvimento da China na região surge em um período em que o país é visto com crescente suspeita por parte de Washington, justamente por representar um desafio à influência histórica dos Estados Unidos na América Latina, considerada uma zona de atuação política exclusiva dos americanos pelo menos desde a declaração da Doutrina Monroe em 1823. Logo, a presença chinesa no continente, conduzida por meio de financiamentos empresariais e estatais em setores-chave da economia local, indica que Pequim tem cada vez mais ocupado o vácuo de poder deixado pelo desinteresse dos americanos na região.
Por outro lado, o crescimento da economia da China nos últimos anos levou a uma maior dependência das economias de países como Argentina e Brasil ao gigante asiático, uma vez que o mercado chines é o maior importador de commodities e de matérias-primas oriundas da América Latina. Enquanto isso, os Estados Unidos, que durante a Guerra Fria seguiram estratégias de tentar limitar a influência soviética no continente, sobretudo após a Revolução Cubana de 1959, acreditaram que, com a dissolução da URSS em 1991, a América Latina estaria assegurada para sempre como uma espécie de "quintal" estadunidense.
O presidente da China, Xi Jinping, recebe o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no no Grande Palácio do Povo, Pequim, China, 14 de abril de 2023  - Sputnik Brasil, 1920, 14.04.2023
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Para Washington, que esteve acostumado a exercer o papel de "polícia internacional" durante boa parte do século XX, a atual influência da China na região escancara de forma vital os erros de cálculo cometidos pela Casa Branca quanto às supostas preferências locais por uma cooperação acrítica com as políticas e visões de mundo dos Estados Unidos. Desde o começo do século XXI, os chineses, aproveitando-se desse erro, foram aumentando significativamente seus laços comerciais com os países latino-americanos, como atesta o fato de que as transações bilaterais entre Pequim e a América Latina cresceram de cerca de 12 bilhões de dólares em 2001 para mais de 100 bilhões uma década depois. Não à toa, em 2022 a China já havia ultrapassado os Estados Unidos como o maior importador de petróleo da região, tornando-se o principal parceiro comercial da maior parte dos países latino-americanos após a Crise Financeira de 2008. Como se não bastasse, nos últimos anos a China também tem investido em indústrias centradas na tecnologia 5G, no fornecimento de eletricidade e em inteligência artificial para reorientar as cadeias de abastecimento da região e facilitar o comércio para o seu mercado doméstico.
Ao mesmo tempo, a China, diferentemente dos Estados Unidos, não intervém politicamente na América Latina para a derrubada de governos legítimos, como fizeram os americanos ao longo de décadas, apoiando golpes de Estado em países como Guatemala, Honduras, Brasil, Chile entre outros. A importância crescente da China, portanto, não vem acompanhada de interferência externa nos assuntos domésticos dos países da região, assim como não vem acompanhada de coerção – seja econômica, política ou militar – diante das elites locais para a consecução de seus objetivos políticos.
Presidentes da China e dos EUA, Xi Jinping (à esquerda) e Joe Biden, durante reunião bilateral à margem da cúpula do G20 na Indonésia, em 14 de novembro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 20.02.2023
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Até mesmo quando o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro no Brasil tentava excluir empresas chinesas como a Huawei do leilão para a implantação nacional de projetos envolvendo a tecnologia 5G, Pequim não deixou de colaborar com o fornecimento e distribuição de vacinas para o combate à COVID-19 no país. Para além desse exemplo, o envolvimento da China com a América Latina também resultou na compra de empresas e de ativos locais por meio de processos de privatização que beneficiaram tanto os empresários chineses como os governos regionais. Tais investimentos desafiam a influência tradicional das organizações de desenvolvimento ocidentais lideradas pelos Estados Unidos, que não conseguem responder eficientemente às demandas sociais e econômicas dos países latino-americanos.
No século XX, especialmente durante a Guerra Fria, a política externa dos Estados Unidos precisou competir com o poderio global da União Soviética; hoje os americanos precisam competir com o poderio global da China, o que apresenta um novo conjunto de desafios para a Casa Branca. Afinal, competir com o crescente poderio econômico da China (que detém o maior PIB do mundo em paridade de poder de compra, PPC) terminará por sobrecarregar os recursos dos Estados Unidos, que precisam lidar com a manutenção de suas mais de 800 bases militares espalhadas pelo globo. Para efeito de comparação, em 2019 os Estados Unidos atribuíram apenas 3 bilhões de dólares para auxílio a países em desenvolvimento, enquanto a China havia alocado mais de 124 bilhões, tornando-a um dos principais fornecedores de auxílio internacional, à frente até mesmo de países ocidentais importantes como Reino Unido, Japão e Alemanha.
O então vice-presidente dos EUA, Joe Biden, e o presidente chinês, Xi Jinping, brindam durante almoço, em 25 de setembro de 2015, Washington, EUA - Sputnik Brasil, 1920, 20.01.2022
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Em suma, a ausência de uma forte influência de potências extraterritoriais na América Latina desde meados do século XIX (quando a Doutrina Monroe foi declarada) fez com que os Estados Unidos se acomodassem e negligenciassem os países da região. Tal cenário, com a chegada do século XXI, propiciou com que a China ampliasse sua presença no continente, nos âmbitos econômico e político, e de forma praticamente irremediável. Com isto, Pequim apenas respondeu ao vazio deixado pelos Estados Unidos ao abandonar a América Latina ao longo dos últimos anos. Tudo isso mostra que o mundo já não é mais o mesmo da década de 1990, em que Washington reinava isolado e imponente. Afinal, no século XXI chegou a hora de os países latino-americanos olharem para a Ásia, e não mais para o seu vizinho do norte, em busca de encontrarem caminhos para seu desenvolvimento.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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