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A guerra e 2 religiões: muçulmanos e judeus relatam aumento da intolerância no Brasil (VÍDEO)

© Sputnik BrasilFiéis durante oração na Mesquita da Luz, que fica no bairro da Tijuca, na Zona Norte do Rio de Janeiro, em 10 de novembro de 2023
Fiéis durante oração na Mesquita da Luz, que fica no bairro da Tijuca, na Zona Norte do Rio de Janeiro, em 10 de novembro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 17.11.2023
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Faixa de Gaza e Brasil estão separados por mais de 10 mil quilômetros de distância e dois continentes. A guerra no enclave do Oriente Médio, porém, provoca o aumento do antissemitismo e do anti-islamismo em território brasileiro, apontam dados das duas religiões. Apesar da tensão entre os povos, o desejo de líderes de ambas é unânime: a paz.
Era uma manhã típica de sol da primavera carioca. Antes das 11h00, os termômetros já batiam mais de 30 ºC na Tijuca, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro. Alguns serventes se protegiam do calor sob a sombra da árvore frondosa que fica na frente da Mesquita da Luz, o único templo muçulmano do Rio de Janeiro.

"Nossa comunidade [muçulmana] começou em 1951 [na capital fluminense]. Nosso templo foi construído a partir de 2007, e até hoje estamos lutando para terminar a obra da mesquita. Como se diz aqui no Brasil, obra de igreja demora", brinca o presidente da Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro, Mohamed Zeinhom.

O horário do sermão se aproximava, enquanto os sapatos dos fiéis se acumulavam na porta do salão principal. Tradição da religião islâmica, os tapetes são usados para cobrir todo o chão das mesquitas e as pessoas ficam descalças.
Às 12h25, dezenas de pessoas se preparavam para iniciar as orações. De todas as idades, raças e origens, o público costuma ser maior às sextas-feiras. "Esta mesquita está aberta para todos, muçulmanos ou não. E na nossa comunidade, 70% das pessoas são brasileiras. Os árabes, na realidade, não chegam a 8%", acrescenta Mohamed, que é egípcio e se casou com uma brasileira há mais de 30 anos.

Da Palestina a Israel dentro do Rio de Janeiro

Pouco mais de 13 quilômetros separam a mesquita da sinagoga Kehilat Yaacov, em Copacabana, na Zona Sul do Rio de Janeiro. No alto da fachada, a figura de um candelabro chama a atenção de quem passa na porta — um castiçal de sete velas que remete ao Livro do Êxodo. Começava a escurecer quando as pessoas chegavam para os rituais judaicos, que durante a semana acontecem em um salão menor. Na parte de baixo do templo, pedras que imitam o Muro das Lamentações, um dos locais mais sagrados para o judaísmo em Jerusalém.
As obras do espaço foram finalizadas recentemente, mas as novidades ainda não foram devidamente apresentadas ao público por "não ter clima", como explica o rabino Shay Stauber.

"Em geral, os judeus sempre foram perseguidos em qualquer lugar fora da terra de Israel. E sempre que há conflitos e guerras, existe um aumento do antissemitismo. O Brasil é um lugar que nos recebeu de braços abertos após o Holocausto, nos sentimentos relativamente seguros. Mas com o aumento da aversão no mundo inteiro, os congregantes [na sinagoga em Copacabana] ficaram com receio de vir aos cultos e pediram que fosse implementada uma segurança maior", conta.

A mais de 10 mil quilômetros do Brasil, os povos judeu e muçulmano convivem sob tensão durante décadas no Oriente Médio, por conta de conflitos territoriais que culminaram em uma das guerras mais sangrentas há cinco semanas: Israel e Hamas travam confrontos diários na Faixa de Gaza, que já deixaram quase 13 mil pessoas mortas.
Tudo isso também trouxe reflexos para as duas comunidades no Brasil, com o relato do aumento da intolerância religiosa em ambos os lados.

"Coisas que a gente vê muito na Europa, que tem uma segurança mais ativa [nas sinagogas], e agora estão nos pedindo para fazer aqui a mesma coisa", acrescenta o rabino.

Na mesquita da Tijuca, o sheik Adam Muhammad lembra que desde antes do conflito já existia esse problema, que se agravou com a guerra.

"Várias vezes você encontra alguns irmãos que sofrem intolerância religiosa, são chamados de terroristas. Mas nós temos consciência de que quando isso acontece, não vai nos abalar. As pessoas que dizem isso não sabem quem realmente somos. Infelizmente é um conceito que veio distorcido para o Ocidente", defende o líder religioso, que atua no templo carioca há oito anos.

© Sputnik BrasilSalão principal da sinagoga Kehilat Yaacov, em Copacabana. Rio de Janeiro, 10 de novembro de 2023
Salão principal da sinagoga Kehilat Yaacov, em Copacabana, Zona Sul do Rio de Janeiro, em 10 de novembro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 16.11.2023
Salão principal da sinagoga Kehilat Yaacov, em Copacabana. Rio de Janeiro, 10 de novembro de 2023

Antissemitismo e anti-islamismo

Levantamento divulgado pela Confederação Israelita do Brasil (Conib) revelou que, em um ano, as denúncias de antissemitismo cresceram quase 970% no Brasil. Em outubro de 2022, foram 44 casos, contra 467 no mesmo período deste ano, data que Israel também declarou guerra ao Hamas. No acumulado do ano, ocorreram 876 registros, contra 375 entre janeiro e outubro do ano passado, uma alta de 133,6%.
O presidente da Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro (FIERJ), Alberto David Klein, pontua que as manifestações contra os judeus aumentaram principalmente nas redes sociais. "Primeiro você tem uma agressão verbal, e, se não houver nenhuma tentativa de controle, pode chegar à agressão física. A federação tenta derrubar os discursos de ódio, porque isso é crime no Brasil. Dependendo do caso, levamos a juízo, à delegacia ou notificamos", explica. Membros da comunidade já chegaram a receber e-mails com ameaças, que foram encaminhados às autoridades.
Marca registrada dos homens judeus, o quipá é um pequeno barrete de lã usado na cabeça por motivos religiosos. Diante do aumento do antissemitismo, o rabino Shay Stauber conta que muitos passaram a ter receio de usar o adorno na rua.

"Não necessariamente por medo de agressões físicas, mas de serem verbalmente atacados", relata. Segundo ele, em todo o Brasil a comunidade judaica tem cerca de 200 mil pessoas. "Continuo tendo fé no povo brasileiro, sabendo que é uma população amigável e harmônica", acrescenta o rabino.

Entre os muçulmanos que vivem no Brasil, também houve um aumento considerável dos relatos de anti-islamismo.
Conforme a Associação Nacional de Juristas Islâmicos (Anaji), ocorreu um crescimento de 60% das denúncias de intolerância religiosa nas ruas desde outubro. O assessor de comunicação da Mesquita da Luz, Fernando Celino, disse que o problema é ainda pior entre as mulheres.

"Elas são mais facilmente identificadas por conta do uso do véu e acabam sofrendo mais hostilidades", conta.

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Só no Rio de Janeiro já foram relatados na comunidade muçulmana pelo menos três casos, um deles até com agressão física.

"Duas irmãs já receberam trombadas de pessoas que tinham claramente a intenção de provocar, e falaram coisas agressivas para elas. Tivemos um irmão que foi chamado de terrorista por duas vezes nas ruas devido à aparência dele, talvez pela barba um pouco maior."

Brasileiro, carioca e flamenguista, segundo ele mesmo se define, Fernando Celino conta que na adolescência teve contato com o islamismo através de um amigo de infância, que é de família muçulmana. "Eu me tornei simpatizante da religião, e durante a faculdade foi o tema da minha monografia. Estudei mais profundamente, e isso se tornou minha fé. Fiz o testemunho, que é a porta de entrada da nossa religião, há 18 anos", explica.
O sheik Adam Muhammad, que veio de Moçambique, avalia que apesar de não ser uma nação muçulmana, o Brasil é um país de fé. "Há pouco tempo participamos da Paz pelos Povos no Cristo Redentor, para mostrarmos o que somos de verdade, como é a nossa religião. […] E o que se espera de pessoas que têm fé, como a cristã, é a busca pela paz e tranquilidade."
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Preconceito é fruto da ignorância

Para o dirigente da FIERJ, o preconceito religioso é fruto da ignorância e, a fim de combatê-lo, a ferramenta mais eficaz é a informação. Para isso, a entidade construiu um memorial das vítimas do Holocausto nazista, instalado no Morro do Pasmado, no bairro de Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro.

"Muitas vezes levamos grupos para entenderem o que a falta de respeito e tolerância aos povos pode causar. Muitas vezes as pessoas não conseguem ter essa percepção", afirma.

Já o assessor de comunicação da Mesquita da Luz lembra que as práticas muçulmanas são muito diferentes da cultura brasileira, o que pode gerar algumas dificuldades.

"A intolerância existe, mas não podemos dizer que seja o pior lugar do mundo. No Brasil não existe política de Estado que restringe direitos dos muçulmanos, como acontece em alguns lugares do mundo, inclusive na Europa. Aqui temos a nossa mesquita, praticamos nossas orações. Defendemos que todas as religiões possam ser livres", finaliza.

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