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Israel × Palestina: um conflito sem fim?

© AP Photo / Hatem OmarPalestino ferido é resgatado dos escombros após um ataque com mísseis israelense no território de Rafah, governado pelo Hamas, no sul da Faixa de Gaza, em 27 de dezembro de 2008
Palestino ferido é resgatado dos escombros após um ataque com mísseis israelense no território de Rafah, governado pelo Hamas, no sul da Faixa de Gaza, em 27 de dezembro de 2008 - Sputnik Brasil, 1920, 12.10.2023
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Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam como a ausência da criação de um Estado palestino levou ao conflito atual, e discutem posicionamento do governo brasileiro em relação ao Hamas.
O confronto entre Israel e o grupo palestino Hamas tem dominado os noticiários desde o último sábado (7), quando uma incursão sem precedentes do Hamas em território israelense deflagrou um conflito sangrento entre as partes, que já soma mais de 2 mil vidas ceifadas.
Em entrevista aos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, do podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas explicaram as raízes e os impactos do conflito.
Uma das questões é a classificação do Hamas como grupo terrorista. Embora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha condenado os ataques do Hamas, o governo brasileiro vem sendo criticado por não adotar a classificação.
Para Ualid Rabah, presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal), a decisão do governo brasileiro apenas reflete a posição da Organização das Nações Unidas (ONU), que também não classifica o grupo como terrorista.

"Não só o governo brasileiro não classifica dessa maneira [o Hamas como grupo terrorista], como nenhuma outra organização internacional, a ONU incluída. Nenhum governo do mundo classifica dessa maneira, com exceção de um ou dois governos, entre eles o de Israel e o dos EUA", diz Rabah.

Ele acrescenta que a classificação de um grupo ou Estado como terrorista está mais voltada a uma propaganda de guerra, que depende dos interesses de quem classifica.
"Veja como foram classificados, por exemplo, o Mandela, que ficou preso por 27 anos com uma única acusação, de que ele era terrorista. Os vietnamitas foram acusados de serem terroristas. Todos aqueles que lutaram por libertação nacional, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, foram também acusados de serem terroristas. Os judeus do gueto de Varsóvia que enfrentaram a Alemanha nazista na Polônia também foram acusados rigorosamente de serem terroristas."
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Questionado sobre o apoio do povo palestino ao Hamas, Rabah ressalta que há visões diferentes sobre o grupo na Palestina. Porém ele afirma que todos os palestinos são unânimes no que tange à opinião sobre Israel.
"Todos nós somos unânimes de que Israel ocupa as nossas terras, promove genocídio contra o povo palestino, nos expulsou de nossas terras a partir de 18 de dezembro de 1947, promoveu limpeza étnica de nosso povo e um regime de apartheid, conforme relatórios da ONU e de todas as organizações de direitos humanos."
Ele acrescenta que os palestinos também concordam com o relatório divulgado há três meses pela ONU que classifica Gaza como uma prisão a céu aberto.
Em relação à disputa pela mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém, um dos pontos de tensão entre palestinos e israelenses, Rabah afirma que há falta de entendimento por parte de Israel de que Jerusalém é uma cidade sagrada para as religiões monoteístas judaísmo, cristianismo e islamismo.
Ele acusa Israel de querer "destruir a Esplanada das Mesquitas e a mesquita de Al-Aqsa para colocar em seu lugar o suposto Templo de Salomão", que, segundo a religião judaica, ficava naquele local.

"Isso tudo faz parte de um extremismo fora de norma que quer judaizar integralmente Jerusalém. Acontece que Jerusalém não é apenas judaica, nem muçulmana e nem cristã, ela é a metrópole do monoteísmo e deve ser preservada. Essa é a defesa que fazemos, é uma terra de palestinos e de todos aqueles que professam o monoteísmo", diz Rabah.

Questionado sobre a recente polêmica envolvendo evangélicos brasileiros que disseminaram fake news sobre a Palestina, Rabah afirma que não são todos os evangélicos que disseminam desinformação sobre a questão palestina, mas sim os extremistas.
"O Brasil é um país que tem uma parcela de evangélicos, e nessa parcela tem a sua parte radicalizada. Essa parte tem uma minoria que é ruidosa, e graças a ela está se 'sionizando' o cristianismo. Isso está plantando muitas dificuldades de compreensão na maior parte da cristandade, que não concorda que Deus tem que mandar matar."
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Ele destaca que há outros momentos na história em que a religião foi utilizada como justificativa para o preconceito, citando como exemplo a África do Sul.
"Na África do Sul, o apartheid foi justificado justamente com o Velho Testamento. Há até uma obra, 'Teoria do Apartheid', que explica como foi. Eles usaram toda a alegoria do Velho Testamento para justificar o regime de apartheid na África do Sul, e agora é usado novamente para justificar o apartheid na Palestina. Mas esse é um Deus racializado, não é o do monoteísmo."

Civis são vítimas das consequências mais cruéis da guerra

Em entrevista ao Mundioka, a coordenadora de comunicação do Instituto Brasil-Israel, jornalista e mestre em comunicação política pela Universidade do Chile, Anita Efraim, chama a atenção para a tragédia gerada pelo conflito tanto para civis palestinos quanto israelenses, ao ser questionada sobre a desproporcionalidade do contra-ataque israelense.
"Essa é uma das consequências mais cruéis da guerra, o que acontece com os civis. Quando o Hamas ataca Israel dessa forma, sabe que terá retaliação e que os civis serão atingidos. Com isso, o Hamas ganha na narrativa. Pois quando se pensa em poderio ofensivo e militar, sim, existe uma desproporcionalidade, porque o Hamas é uma milícia, um grupo paramilitar clandestino, enquanto Israel é um país estruturado e tem um poderio bélico relevante", destaca Anita.
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Ela afirma que, apesar da superioridade bélica de Israel, no momento o número de vítimas entre as partes do conflito não é desproporcional, e acrescenta que, para o Hamas, as respostas desproporcionais acabam sendo um ganho.
"A partir do momento que uma ofensiva mais forte de Israel começa a ter como uma consequência terrível a morte de civis palestinos, e não estou diminuindo isso de forma nenhuma, é um ganho para o Hamas, já que se beneficia disso. É interessante para o Hamas que a opinião pública esteja mobilizada, vendo as consequências da contraofensiva de Israel. É uma guerra narrativa também, apesar de que, no momento, tenhamos números altíssimos [de mortes] nos dois lados."
Sobre a classificação do Hamas como grupo terrorista, Anita tem uma visão diferente de Rabah. Em sua opinião, não há como não classificar as ações do grupo como terrorismo.
"Essa morte dos bebês [que tiveram cabeças decepadas] talvez tenha sido a pior coisa que temos lido e ouvido nos últimos dias. Mas ao mesmo tempo dá uma dimensão do que é o grupo terrorista Hamas. Eu entendo que tenha uma resistência muito grande no Brasil em dizer que o ataque do Hamas foi atentado terrorista e que o Hamas seja um grupo terrorista. Vejo muitos pés atrás sobre essa colocação, mas é algo que precisa ser dito, porque quando se fala em decepar cabeças de bebês, eu acho que não deveria ter outro nome para isso."
Sobre as críticas ao primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, acusado de falhar nas medidas de segurança para prever o ataque, Anita afirma que, no momento, a prioridade de Israel é recuperar os reféns israelenses que foram capturados pelo Hamas e levados para Gaza.
"Em Israel e no mundo inteiro as pessoas estão se perguntando 'Como Israel deixou isso acontecer?', 'Onde estava a inteligência de Israel nesse momento?'. É claro que todos querem saber a resposta, mas, em primeiríssimo lugar, a vontade em Israel está em recuperar esses reféns. Essa é a posição que o pessoal que está lá tem passado para a gente, esse estado de união nacional para poder recuperar esses reféns e dar uma resposta para as famílias que estão em agonia."
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Porém ela reconhece que "muitos jornais israelenses estão colocando a culpa em Netanyahu porque foi uma falha de segurança muito grave".

"Há uma informação da imprensa local de que ele teria sido avisado sobre o ataque por autoridades egípcias, mas Benjamin Netanyahu nega. Então a imagem do primeiro-ministro está em xeque neste momento."

Sobre a possibilidade da partilha de territórios para criação de dois Estados como forma de alcançar a paz, Anita destaca que essa discussão também não é a prioridade de Israel no momento, mas sim a retomada do controle da situação.
No entanto ela afirma que, "sem dúvidas, Israel precisa, sim, rever a política de assentamentos na Cisjordânia".
"Mas quero fazer uma diferenciação. O Hamas não domina a Cisjordânia, mas sim a Faixa de Gaza, que Israel abriu mão em 2005, em uma campanha do então primeiro-ministro, Ariel Sharon. E teve essa desocupação da Faixa de Gaza. Mas a política de ocupação na Cisjordânia, sim, precisa ser revista. Mas isso não significa dizer que a desocupação e a criação do Estado palestino garantiam a paz."

Raiz do conflito está no acordo não cumprido de criação do Estado palestino

Para o professor de relações internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Paulo Velasco, para entender o conflito atualmente em curso, é preciso compreender o que aconteceu décadas atrás.

"Temos que voltar ao contexto do final da Segunda Guerra Mundial, para reconhecer que houve uma decisão da ONU que defendia a criação de dois Estados, um Estado de Israel e um Estado palestino. Acontece que, ao longo desse período, e são quase 80 anos, o Estado de Israel foi fundado já em 1948, mas o Estado palestino nunca foi viabilizado", explica o professor.

Ele ressalta que "os palestinos foram impedidos de se afirmar como um Estado soberano, clamam pelo direito de autodeterminação e de terem seu próprio Estado".
"Mas isso [a criação do Estado palestino] nunca foi possibilitado, muito por conta da falta de acertos entre os dois lados, e especialmente por parte de uma direita de Israel, principalmente de Netanyahu, que nunca se dispôs efetivamente a autorizar o estabelecimento de um Estado palestino ali do lado. Então esses desencontros históricos são a raiz mais profunda desse conflito que estamos vendo agora, dentro de uma série de tensões."
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Sobre a possível participação de outros atores no conflito, como o Irã e o grupo libanês Hezbollah, Velasco destaca que a região chamada de Levante, onde se encontram Israel, Síria, Líbano, Jordânia e parte da Turquia, sempre foi muito disputada.
Ele destaca a ocorrência de embates históricos e ressalta que o Hezbollah nasceu "no contexto da ocupação de Israel no sul do Líbano, durante a guerra civil libanesa", nos anos 1980.

"Israel permaneceu durante um longo tempo com suas tropas estacionadas no sul do Líbano, e só se retirou de lá no início dos anos 2000. E o Irã, um ator sempre considerado, desde a revolução xiita de 1979, passa a ter Israel como alvo inimigo direto. Existe essa confrontação muito explícita entre Israel e Irã, e autoridades do Irã já chegaram a dizer que fariam os esforços necessários para varrer do mapa o Estado de Israel."

Sobre a atuação de Netanyahu, Velasco destaca que o governo do atual primeiro-ministro é o mais longevo de Israel, no poder desde 1990, embora não de forma direta. Ele destaca que não é apenas o partido de Netanyahu, o Likud, que trava a negociação da criação de dois Estados, mas a direita israelense como um todo.
"Uma direita que nunca permitiu o avanço das conversas de paz com os palestinos e nunca se dispôs a viabilizar o estabelecimento de um Estado palestino, contrariando as decisões muito claras tomadas pela ONU", afirma Velasco.
Ele acrescenta que, "para piorar ainda mais a situação, o governo Netanyahu vem estimulando o avanço de assentamentos judeus na Cisjordânia, que é a outra parte do território palestino".
"A Palestina se divide em dois territórios principais: a Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas; e a Cisjordânia, controlada pelo partido Fatah, que é quem controla a Autoridade Nacional Palestina. E nessa região da Cisjordânia é comum vermos episódios de violência praticados pelas tropas de Israel."
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"Estimular o avanço de assentamentos judeus na Cisjordânia, inclusive estabelecendo editais para a construção de edifícios para judeus na Cisjordânia, significa a violação ampla e direta do direito dos palestinos de se afirmarem como controladores daquele território. É uma provocação muito clara aos palestinos, que não só se veem impedidos de se afirmarem como Estado soberano, mas que sofrem recorrentemente a violência por parte de soldados de Israel, a partir de ordens do governo Netanyahu", acrescenta o professor.

Por fim, questionado sobre a posição do Brasil em relação ao conflito, Velasco afirma que o posicionamento do governo Lula "é equilibrado e compatível com a tradição diplomática brasileira".
"O Brasil busca manter uma posição de equilíbrio em face de Israel, que é um importante parceiro brasileiro, e em face da Palestina. Esse é o tom histórico [da diplomacia] do Brasil. Em 2010, por exemplo, o presidente Lula, à época no final do seu segundo mandato, foi o primeiro presidente na história brasileira a ir à região. Fez questão de visitar tanto Israel quanto a Palestina. Foi Lula, inclusive, em 2010, que reconheceu a Palestina como Estado. O Brasil se juntou a um rol de mais de 100 países da ONU que reconhecem a Palestina como Estado, embora esse Estado nunca tenha sido plenamente viabilizado."
Ele finaliza acrescentando que é um fator positivo o Brasil estar ocupando, neste momento, a presidência rotativa do Conselho de Segurança da ONU.
"É bom que seja o Brasil [na presidência do Conselho de Segurança da ONU] porque é um país que consegue dialogar com ambos os lados."
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