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O dia em que a ONU morreu: como invasão do Iraque pelos EUA enterrou a credibilidade da organização

© AP Photo / Anja NiedringhausUm fuzileiro naval da 1ª Divisão dos EUA carrega um mascote para dar sorte em sua mochila enquanto sua unidade avança na parte ocidental de Fallujah, Iraque, 14 de novembro de 2004
Um fuzileiro naval da 1ª Divisão dos EUA carrega um mascote para dar sorte em sua mochila enquanto sua unidade avança na parte ocidental de Fallujah, Iraque, 14 de novembro de 2004 - Sputnik Brasil, 1920, 04.10.2023
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Após o fim da Segunda Guerra, inúmeras organizações internacionais surgiram no cenário mundial, constituídas de diferentes formas, objetivos e princípios.
Desde então, o principal pilar da segurança entre os Estados esteve representado pelas Nações Unidas. Contudo, já faz 20 anos que um dos mais importantes proponentes da ONU, os Estados Unidos, enterraram de vez a credibilidade da organização.
Aqui, faz-se necessário lembrar que foram justamente os Estados Unidos, o Reino Unido e a União Soviética que propuseram a ordem do pós-guerra, baseada no princípio do "multilateralismo", da igualdade soberana dos Estados e da não intervenção nos assuntos domésticos de outros países.
A ideia era mitigar as políticas de poder empreendidas pelas nações europeias durante os anos 1930, que levaram no limite à eclosão da Segunda Guerra Mundial, e fazer com que os países trabalhassem através de organizações internacionais em um espírito cooperativo a fim de evitar novos conflitos no futuro.
A ONU, portanto, foi criada para promover o ambiente ideal onde essa cooperação teria lugar, ao mesmo tempo em que desencorajava abertamente "a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política" de qualquer um dos seus membros.
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Para fins de obter seus nobres objetivos, a ONU contava com um mecanismo de segurança coletiva presente no âmbito do Conselho de Segurança, composto por Estados Unidos, Reino Unido, França, União Soviética (depois substituída pela Federação da Rússia) e a China (o chamado P5).
Trabalhando como "membros permanentes" do conselho, estes cinco países detinham não apenas poder de veto sobre qualquer resolução proposta no órgão, como também foram dotados da "responsabilidade primária pela manutenção da paz e segurança internacionais". Assim sendo, suas decisões possuem caráter vinculativo para todos os demais Estados-membros da ONU.
Desde então, não é exagero dizer que todos os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança mantêm um estatuto diferenciado diante de outros países, uma vez que concentram os principais mecanismos de resolução de conflitos no âmbito internacional.
Enfim, como postulado por pensadores Realistas e Neorrealistas de relações internacionais, em alguma medida é justo afirmar que o Conselho de Segurança da ONU era sim um reflexo dos desígnios das potências aliadas vitoriosas, representadas pelos Estados Unidos, Reino Unido e União Soviética.
Seja como for, o que se esperava então era que seriam estas potencias as principais responsáveis por assegurar não somente os princípios que regiam o Conselho de Segurança, como também os da própria ONU.
Apesar, no entanto, de alguns problemas iniciais, a ONU serviu de palco importante para o diálogo entre as nações durante todo o período da Guerra Fria (1946-1991), evitando que a competição entre Estados Unidos e União Soviética escalasse para uma Terceira Guerra Mundial pela supremacia global.
Todavia, após a queda da União Soviética em 1991, o papel da ONU seria novamente colocado em teste, desta vez no âmbito de uma inegável e incontestada predominância americana no sistema. Afinal, com a ordem mundial tendo sido alterada de bipolar para unipolar, não demoraria muito para que os perigos da hegemonia estadunidense começassem a surtir efeito.
Tiveram lugar os bombardeios da OTAN na Sérvia em 1999, sem a aprovação do Conselho de Segurança, obrigando Belgrado – de forma ilegal - a retirar seu Exército do Kosovo. Moscou, assim como o mundo, começava a assistir episódios do unilateralismo militarista por parte dos Estados Unidos, fazendo com que diversos países começassem a contestar o papel da ONU na resolução de conflitos internacionais.
O presidente ucraniano, Viktor Yushchenko, e seu colega americano, George W. Bush, caminham em frente a uma guarda de honra durante uma cerimônia de boas-vindas em Kiev em 1º de abril de 2008. Bush chegou naquela época à Ucrânia  no início de uma turnê que o levará a uma cúpula da aliança militar da OTAN em 2 e 4 de abril de 2008 na Romênia e depois à Rússia para conversas individuais com o presidente Vladimir Putin. - Sputnik Brasil, 1920, 23.06.2023
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Contudo, o principal golpe à reputação da organização viria alguns anos depois. Foi durante a administração de George W. Bush (2001-2009) que o Conselho de Segurança se tornou palco de uma das maiores mentiras políticas de toda a história. Ora, em fevereiro de 2003, Colin Powell (então secretário de Estado americano) levou para discussões no Conselho de Segurança um frasco supostamente contendo antrax com o argumento de que Iraque produzia em segredo armas químicas.
A encenação descarada de Powell não foi suficiente para convencer os demais membros do conselho, que à época votavam resoluções com o intuito de promover uma solução diplomática (em vez de militar) para a crise internacional que se formava em torno do Iraque de Saddam Hussein.
Em verdade, no contexto inicial dos anos 2000 Washington imaginava que a ONU, assim como seu Conselho de Segurança, simplesmente aprovaria qualquer iniciativa intervencionista por parte dos Estados Unidos ao redor do mundo, em defesa da famigerada "democracia" e dos direitos humanos.
Contudo, como o Conselho de Segurança não se deixou convencer pelo teatro de Powell e pelos discursos da Casa Branca a respeito da "ameaça iraquiana", os Estados Unidos agiram de forma desavergonhadamente unilateral, ignorando quaisquer precauções da ONU, e invadindo o Iraque em 20 de março de 2003.
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Essa pode ser considerada a data em que a ONU morreu, não em seu sentido prático, mas sim moral. Afinal, os Estados Unidos, que tinham sido o principal proponente das Nações Unidas em 1945, décadas depois se tornam o país a ignorar de forma frontal todos os seus princípios.
Em 2003 se tornou claro que Washington não seguiria mais as próprias regras que ajudou a escrever e que optaria por agir unilateralmente para a obtenção de seus interesses estratégicos, sejam eles econômicos ou geopolíticos.
Com a invasão do Iraque que, como ficou depois provado, não possuía armas químicas, o multilateralismo do pós-guerra incutido no espírito da ONU foi comprometido para sempre, e com ele a confiança das nações numa liderança benigna por parte dos Estados Unidos.
Afinal, se o principal Estado responsável por cumprir as obrigações a que se submeteu voluntariamente não vê mais sentido em segui-las, qual o sinal que tal Estado transmite para o sistema internacional?
© AP Photo / Jerome DelaySoldados norte-americanos cobrem o rosto de uma estátua de Saddam Hussein com uma bandeira dos EUA antes de derrubar a estátua no centro de Bagdá no auge da Guerra no Iraque, Iraque, 9 de abril de 2003
Soldados norte-americanos cobrem o rosto de uma estátua de Saddam Hussein com uma bandeira dos EUA antes de derrubar a estátua no centro de Bagdá no auge da Guerra no Iraque, Iraque, 9 de abril de 2003 - Sputnik Brasil, 1920, 04.10.2023
Soldados norte-americanos cobrem o rosto de uma estátua de Saddam Hussein com uma bandeira dos EUA antes de derrubar a estátua no centro de Bagdá no auge da Guerra no Iraque, Iraque, 9 de abril de 2003
Em 20 de março de 2003, a ONU se viu incapaz de alterar o destino das nações invadidas pelos americanos, e tampouco foi capaz de persuadir os demais países do mundo de que suas regras e princípios seriam observados no futuro. O golpe aplicado por Washington à reputação da organização com a invasão do Iraque em 2003 fora mortal e decisivo.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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