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As críticas do 'pai' da Guerra Fria George Kennan ao governo dos EUA como lição para os dias atuais

© AP Photo / AnonymousO Embaixador dos EUA George F. Kennan em Frankfurt, Alemanha, 6 de outubro de 1952
O Embaixador dos EUA George F. Kennan em Frankfurt, Alemanha, 6 de outubro de 1952 - Sputnik Brasil, 1920, 18.09.2023
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George Kennan (1904-2005) é conhecido como um importante contribuidor e ao mesmo tempo um crítico incisivo da política externa americana durante a Guerra Fria.
É justamente em suas críticas ao governo dos Estados Unidos durante a segunda metade do século XX que podemos encontrar lições valiosas para entender o conflito recente entre a Rússia e o Ocidente.
Kennan foi enviado para a União Soviética durante a administração Roosevelt nos Estados Unidos e esteve estacionado em Moscou durante os anos cruciais de 1944-1946. Embora não fosse muito conhecido nos Estados Unidos, seu perfil discreto mudou rapidamente depois da publicação de um famoso artigo em 1947 na prestigiada revista Foreign Affairs, em que assinou apenas como "Mr X" (ou Senhor X).
No artigo, Kennan realizava uma análise intensiva do que chamou de "fontes da conduta soviética", num momento de profunda incerteza e debate sobre como os Estados Unidos deveriam conduzir suas relações com a União Soviética após o fim da Segunda Guerra Mundial.
© AP Photo / Henry GriffinNesta foto de arquivo de 10 de fevereiro de 1966, uma visão geral da audiência do Comitê de Relações Exteriores do Senado sobre o Vietnã em Washington. George Kennan, ex-embaixador em Moscou, está à mesa das testemunhas
Nesta foto de arquivo de 10 de fevereiro de 1966, uma visão geral da audiência do Comitê de Relações Exteriores do Senado sobre o Vietnã em Washington. George Kennan, ex-embaixador em Moscou, está à mesa das testemunhas - Sputnik Brasil, 1920, 18.09.2023
Nesta foto de arquivo de 10 de fevereiro de 1966, uma visão geral da audiência do Comitê de Relações Exteriores do Senado sobre o Vietnã em Washington. George Kennan, ex-embaixador em Moscou, está à mesa das testemunhas
Tendo atingido então bastante notoriedade por conta de seu trabalho, no final da década de 1940, Kennan lamentou a incapacidade dos líderes americanos em compreender a sutileza do seu pensamento, repudiando as políticas e práticas implementadas por Washington em nome da "contenção" à União Soviética.
Isso porque Kennan sempre esteve interessado em recorrer a princípios realistas amplos para analisar e avaliar a conduta diplomática da Casa Branca, e não somente seus fundamentos idealistas e pseudomorais.
Desiludido com a política externa americana, Kennan acreditava que a evolução da política internacional deveria se dar no sentido do estabelecimento de um sistema multipolar centrado na Europa e não exatamente num sistema bipolar baseado no domínio de duas superpotências nucleares.
Em suma, para Kennan a estabilidade internacional dependia da recriação de uma ordem multipolar mais multifacetada, que havia sido destruída como resultado da Segunda Guerra Mundial. Em particular, ele defendia que os Estados Unidos deveriam usar a sua enorme força econômica para ajudar a restaurar a Europa e o Japão como grandes potências, de modo que o fardo de equilibrar o poderio da União Soviética pudesse ser partilhado por demais atores do sistema.
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Além do mais, em sua visão os objetivos da contenção deveriam limitar-se somente à defesa e restauração de áreas cruciais para os Estados Unidos, ou seja, não havia necessidade de os americanos intervirem onde quer que fosse no globo para conter a suposta ameaça do "comunismo". Kennan acreditava que a União Soviética deveria ser "contida" de forma inteligente e não agressiva, fazendo com que seu apelo ideológico a outros Estados diminuísse ao longo do tempo.
Com isto, a União Soviética se converteria numa grande potência mais moderada, caso Moscou não enxergasse uma ameaça militar direta à sua segurança oriunda, por exemplo, de países fronteiriços à Rússia.
Ao contrário de outros formadores de opinião em sua época, Kennan nunca acreditou em 100% no suposto "grande projeto" comunista para conquistar o globo.
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E é dessa percepção que resulta sua avaliação mais arrazoada da situação na Europa em finais da década de 1940 e nos anos seguintes. Naquele momento, vale lembrar, os Estados Unidos gozavam de um monopólio nuclear que inspirou Truman e alguns dos seus conselheiros a acreditar que armas atômicas poderiam ser usadas para intimidar Stalin e alcançar grandes concessões soviéticas às exigências americanas, o que Kennan considerava como uma chantagem.
Em segundo lugar, embora o Plano Marshall de auxílio americano à Europa fosse condizente com a ênfase de Kennan na ajuda econômica ao continente, ele ficou desapontado com a linguagem utilizada na formulação da "Doutrina Truman" em 1947, que parecia comprometer os Estados Unidos a apoiar quaisquer regimes – ainda que ditatoriais – sob a justificativa de confrontar a "subversão comunista".
Disso resultou o apoio americano a diversos golpes de Estado ao redor do mundo, inclusive na própria América Latina. Não obstante, a pressa dos Estados Unidos em assegurar a presença da Alemanha na aliança ocidental, que exigia a presença de tropas americanas em solo alemão (situação que perdura até hoje) e na subsequente inclusão do país na OTAN, acabou por antagonizar de vez o Ocidente e Moscou.
Ora, ao invés de tentar apresentar uma visão mais equilibrada da situação na Europa em meados dos anos 1940, os políticos em Washington preferiram assustar o povo americano com a tal "ameaça do comunismo soviético", de modo a justificar as futuras intervenções diretas dos Estados Unidos em assuntos domésticos de outros Estados.
Seja como for, a formulação original da política de contenção elaborada por Kennan foi sendo paulatinamente distorcida pela Casa Branca, que preferiu adotar o caminho do militarismo na Europa e da provocação aberta à União Soviética em sua vizinhança próxima e até mesmo em algumas partes da Ásia.
Não por acaso, em meados da década de 1960, Kennan foi um crítico severo da política externa dos Estados Unidos no Vietnã, em nome de ideais abstratos como liberdade e democracia, num país que detinha pouco ou quase nenhum significado estratégico e prático para a segurança americana.
Tais ideais, de acordo com Kennan, poderiam ser melhor promovidos se os Estados Unidos se concentrassem em ser um exemplo para o resto do mundo e se abstivessem de tentar impor os seus ideais a outros Estados por via da força e da chantagem.
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Afinal, uma política externa moralista interferia justamente num cálculo mais racional do interesse nacional americano com base em tendências de longo prazo e na defesa do equilíbrio de poder com demais atores do sistema, sobretudo com os russos.
Se tomadas em conjunto, as críticas de George Kennan ao governo americano de sua época continuam validas para os dias de hoje, e poderiam – se ouvidas – ter evitado muito dos problemas atuais envolvendo Moscou e o Ocidente.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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