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Análise: Brasil se reaproxima da Argentina e sinaliza apoio para reerguer a economia do país vizinho

© Foto / Valter Campanato/EBCEntrevista coletiva dos ministros do Brasil, e da Argentina, Fernando Haddad, e Economia da Argentina, Sergio Massa. Brasília (DF) - 28/08/2023
Entrevista coletiva dos ministros do Brasil, e da Argentina, Fernando Haddad, e Economia da Argentina, Sergio Massa. Brasília (DF) - 28/08/2023  - Sputnik Brasil, 1920, 29.08.2023
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Em entrevista à Sputnik Brasil, economista destaca que encontro de Lula e Fernando Haddad com ministro da Economia da Argentina diz aos argentinos que "eles não estão mais sozinhos".
A adoção do yuan pode ser a porta de saída para que países do Sul Global e do BRICS escapem da chantagem e da pressão do setor financeiro internacional liderado pela esfera Nova York-Londres.
É o que explica, em entrevista à Sputnik Brasil, o economista Fábio Sobral, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC).
A desdolarização em transações financeiras foi um dos temas em pauta na visita do ministro da Economia argentino, Sergio Massa, a Brasília na última segunda-feira (28), onde se encontrou com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
No encontro, Brasil e Argentina chegaram a um entendimento para assegurar a continuidade de exportações importantes entre os dois países. O acordo, que envolverá o Banco do Brasil (BBAS3), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe (CAF), somará cerca de US$ 600 milhões, mas ainda depende de uma aprovação do conselho gestor do CAF, que se reunirá no próximo dia 14.
Sobral destaca que, a princípio, o impacto do acordo selado para a economia não é tão grande. Porém, representa uma retomada de um processo de participação intensa da economia brasileira, com bens manufaturados oferecidos à Argentina.
O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente sul-africano Cyril Ramaphosa, o primeiro-ministro indiano Narendra Modi, o ministro chinês do Comércio Wang Wentao e a presidente do Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS, Dilma Vana Rousseff, participam da 15ª Cúpula do BRICS em Joanesburgo, 22 de agosto de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 24.08.2023
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Ele explica que o governo está sinalizando que os empresários podem confiar nesse fluxo comercial. Em resumo, está criando expectativas positivas de que o governo brasileiro vai tornar a Argentina novamente prioritária para o mercado de manufaturados brasileiros.

"É uma tentativa do governo brasileiro de escapar da desindustrialização no Brasil, de uma economia que, cada vez mais, só exporta commodities."
Questionado se o resultado do encontro seria um sinal positivo para a candidatura de Massa para a eleição presidencial de 22 de outubro, ele afirma que o encontro sinaliza para uma parcela dos argentinos "a ideia de que o governo terá um apoio para reerguer a economia nacional".
"Lula sinaliza, assim, um processo de apoio a um projeto que [o ex-presidente] Bolsonaro foi contra. Está dizendo que eles [os argentinos] não estarão mais sozinhos".

Yuan como alternativa ao dólar

Recentemente Haddad propôs a adoção do yuan, moeda chinesa, em transações com a Argentina como forma de contornar a escassez de dólares no país vizinho. Com a nova solução, evita-se uma redução das reservas argentinas em yuans em um momento de grande crise macroeconômica do novo membro do BRICS.
"A equipe da Fazenda tinha estruturado uma operação menor do que US$ 600 milhões [aproximadamente R$ 2,9 bilhões], algo em torno de US$ 140 milhões [R$ 680 milhões], que tinha como fundamento a garantia em yuans de exportações brasileiras", disse Haddad após encontro com Massa. "De sexta-feira [25] para cá, a CAF entrou como uma superadora, como disse o ministro, dessa possibilidade em virtude de uma vantagem para a Argentina. Quando a Argentina dispõe de reservas em yuan para garantir exportações brasileiras, oficialmente, as reservas da Argentina [em yuans] diminuem. A Argentina, com apoio do CAF, não precisa abrir mão dessas reservas para garantir as exportações", explicou.
Apesar do novo acordo, a proposta envolvendo o yuan, segundo Haddad, continua "de pé". E, para o economista Fábio Sobral, o uso de uma moeda alternativa ao dólar seria algo economicamente interessante para Brasil e Argentina e também para o BRICS e o Sul Global.
A adoção do yuan, de acordo com o professor da UFC, oferece a essa parte da economia mundial "uma possibilidade de escapar do domínio do mercado financeiro atlanticista, Londres–Nova York, que tem medidas reguladas inclusive pela legislação americana, com vigilância muito intensa do FBI, do Departamento de Justiça americano e dos órgãos de inteligência americanos".
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"A adoção da moeda chinesa tem esse aspecto: livrar-se dessa pressão, dessas ameaças do setor financeiro internacional, inclusive ameaças de desestabilização interna das economias por desvalorização das suas moedas", explica.
Sobral aponta que outro aspecto importante é que o yuan está baseado em ativos reais, sejam commodities, produtos manufaturados, serviços reais que estão ligados ao processo produtivo.
"Eles são muito mais representativos do PIB dos países, do fluxo comercial real dos países, do que do endividamento desses países", diz o economista, acrescentando que, por conta disso, o uso do yuan "é uma alternativa para escapar da chantagem financeira e para ressaltar o papel da produção real".
No que tange ao BRICS, o especialista aponta que a busca por uma alternativa ao dólar não significa necessariamente que o yuan será a moeda escolhida para uso comum entre os membros do grupo. Mas esse já é um passo importante.
"Então você tem um mecanismo de desdolarização. Não usar mais os dólares. O mercado financeiro mundial ligado ao mercado de câmbio, principalmente de Londres, passa a ver a saída de um conjunto de países. Isso pode levar a um colapso por parte desse mercado de câmbio em certo momento, já que o BRICS representa, cada vez mais, uma parcela maior da produção mundial."
Já em relação ao recorte Brasil–Argentina, o economista destaca que a "facilitação do comércio usando a moeda chinesa manterá as atividades comerciais funcionando", uma vez que, hoje, "a Argentina tem diminuído as importações do Brasil por falta de dólares".
O professor destaca que a adoção de uma moeda que ambos os países têm em caixa, o yuan, permitirá que o comércio funcione adequadamente, mas não só isso. Outro ponto positivo da adoção do yuan, bilateralmente e também nas transações com outros parceiros, seria "modernizar e aumentar o grau de independência dos países para pagar seus compromissos internacionais".
"A manutenção só do dólar mantém uma obrigatoriedade de conseguir esses dólares por meio do comércio com os Estados Unidos ou com outros países e submete os países a sanções internacionais se os EUA discordarem deles", afirma Sobral, acrescentando que a questão vai além da adoção de uma moeda, refletindo "a adoção de outro mecanismo de funcionamento dos sistemas financeiros internacionais".
Ele ressalta que, atualmente, a sociedade argentina está fortemente polarizada, mas há uma questão que une os dois lados, que é a constatação do fracasso econômico. No entanto, enquanto um lado acredita que o colapso financeiro é reflexo da agenda econômica neoliberal do ex-presidente Mauricio Macri, o outro culpa a gestão do atual presidente, Alberto Fernández.
Diante desse cenário complicado, parte da população argentina acredita na dolarização da economia como solução para o colapso, mas Sobral alerta que a transformação do dólar na moeda do dia a dia do país seria uma opção catastrófica.

"A Argentina não tem dólares suficientes para pagar os seus compromissos internacionais. Imagine se isso for transformado no dia a dia. Vai aumentar o colapso, o estrangulamento da economia."

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