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Por que a Rússia deixou o acordo de grãos e de quem é a culpa?

© Sputnik / Vitaly TimkivGrãos de arroz da Chisty Ris, cultivados na região de Krasnodar, Rússia, foto publicada em 6 de outubro de 2022
Grãos de arroz da Chisty Ris, cultivados na região de Krasnodar, Rússia, foto publicada em 6 de outubro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 31.10.2022
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A Rússia foi criticada pelos Estados Unidos, União Europeia (UE) e Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) por sua decisão de se retirar do acordo de grãos com Kiev em resposta ao recente ataque da Ucrânia a Sevastopol. As principais potências ocidentais estão instando Moscou a observar as cláusulas do acordo que elas mesmas nunca fizeram.
Em 29 de outubro, o Ministério da Defesa da Rússia anunciou que o país estava suspendendo sua participação no acordo de grãos que permitia a exportação de grãos ucranianos através do mar Negro após o ataque de drones de Kiev à Frota russa do Mar Negro e contra navios civis em Sevastopol, que ocorreu naquele mesmo dia.
Tendo desistido do acordo, Moscou foi alvo de críticas de EUA, UE e OTAN. O presidente dos EUA, Joe Biden, chamou a decisão da Rússia de "puramente ultrajante", alegando que "vai aumentar a fome", enquanto o secretário de Estado, Antony Blinken, chegou a afirmar que a Rússia "está armando comida novamente". Por sua vez, a UE e a OTAN exigiram que o Kremlin "revertesse sua decisão".
O presidente russo, Vladimir Putin, durante o Conselho de Segurança da Rússia (foto de arquivo) - Sputnik Brasil, 1920, 31.10.2022
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Como tudo começou

O muito discutido acordo de grãos foi assinado pela Rússia e pela Ucrânia em 22 de julho de 2022 no Palácio Dolmabahce, em Istambul, na presença do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, e do secretário-geral da ONU, António Guterres, que ajudaram a mediar o acordo.
O acordo ocorreu em meio a crescentes temores da crise alimentar emergente no Sul Global, principalmente no Grande Chifre da África, que está passando por sua pior seca em mais de quatro décadas, com mais de 37 milhões de pessoas enfrentando fome aguda, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). A situação foi explorada pelo Ocidente para intensificar as críticas à operação especial da Rússia para desmilitarizar e desnazificar a Ucrânia.
A imprensa ocidental afirmou que Moscou exacerbou a fome ao "bloquear" 20 milhões de toneladas de grãos nos portos marítimos da Ucrânia. No entanto, a grande mídia deliberadamente ignorou o fato de que os suprimentos de alimentos e fertilizantes da própria Rússia foram congelados pelas amplas sanções do Ocidente aplicadas a quase todos os setores da economia do país logo após o início da operação especial da Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022.
Virou lugar comum na imprensa ocidental dizer que Rússia e Ucrânia, juntas, produzem cerca de 30% da oferta global de trigo, sem especificar que a participação russa é de 18 a 20% e ucraniana de 9 a 11%.
Quando se trata de fertilizantes, a Rússia continua sendo o maior fornecedor mundial dessa mercadoria tão necessária. Em 2019, a participação global da Rússia nos mercados de exportação de nitrogênio, potássio e fósforo representaram 15%, 19% e 14%, respectivamente, enquanto a participação da Ucrânia em fertilizantes foi inferior a 1%. Em maio de 2022, a União Africana, organização composta por 55 Estados, alertou para o "efeito colateral" das sanções sem precedentes do Ocidente sobre o suprimento de alimentos da Rússia para o Sul Global.
Ao mesmo tempo, a narrativa do "bloqueio de grãos da Ucrânia" pela Rússia também não se sustenta: o Ministério da Defesa russo organizou um corredor seguro para as exportações de alimentos da Ucrânia já em maio. Os corredores, com um comprimento de 139 milhas e largura de três milhas, operavam diariamente das 8h00 às 19h00 (GMT+3) no mar Negro para navios estacionados nos portos de Kherson, Nikolaev, Chernomorsk, Ochakov, Odessa e Yuzhny. No entanto, Kiev por muito tempo se recusou a desminar seus portos.
O acordo russo-ucraniano de grãos mediado pela ONU e pela Turquia visava matar dois coelhos com uma cajadada só, ou seja, dar luz verde às exportações de grãos da Ucrânia para os países em desenvolvimento e permitir que os suprimentos de alimentos e fertilizantes da Rússia chegassem aos necessitados. Se fosse bem-sucedido, o acordo teria ajudado a reduzir a crise alimentar em turbilhão e domar os mercados turbulentos.
Fragata Admiral Grigorovich da Frota do Mar Negro (arquivo) - Sputnik Brasil, 1920, 31.10.2022
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Ocidente não avançou nas conversas

Em 27 de julho, o Centro de Coordenação Conjunta (JCC, na sigla em inglês) foi estabelecido em Istambul para controlar a movimentação de navios e cargas. O site da ONU abriu uma página para publicar relatórios do JCC, informações sobre rotas e destinatários de produtos agrícolas. Segundo a ONU, 390 graneleiros embarcaram cerca de 8,8 milhões de toneladas de alimentos dos portos de Odessa, Yuzhny e Chernomorsk no decorrer do acordo até sua suspensão pela Rússia em 29 de outubro.
Apesar de Moscou atender aos acordos, eles nunca foram totalmente implementados. Primeiro, mais da metade de todas as entregas de alimentos enviadas da Ucrânia acabaram em armazéns de países desenvolvidos, incluindo UE, Reino Unido, Israel e Coreia do Sul. Para algumas categorias de produtos agrícolas — colza, milho e soja — os países da UE receberam de 60% a 100% dos suprimentos da Ucrânia. Enquanto isso, nações famintas, como Somália, Etiópia, Iêmen, Sudão e Afeganistão, receberam apenas 3% dos alimentos, principalmente por meio do Programa Mundial de Alimentos da ONU.
Em segundo lugar, embora a ONU tenha garantido que as sanções ocidentais que restringem as exportações de alimentos e fertilizantes da Rússia seriam suspensas, isso nunca aconteceu. O transporte de mercadorias russas por empresas internacionais está proibido. Os obstáculos à exportação de fertilizantes russos através dos países europeus não foram removidos. Os navios russos ainda não têm acesso aos portos europeus, enquanto a falta de seguro da carga russa e da responsabilidade dos transportadores cria mais obstáculos. Além disso, o país não pode receber pagamentos por mercadorias entregues sob a iniciativa mediada pela ONU devido à desconexão das instituições financeiras russas do sistema SWIFT.
No início de setembro, o presidente russo, Vladimir Putin, anunciou que Moscou está pronta para fornecer 300.000 toneladas de fertilizantes gratuitamente aos países em desenvolvimento e instou a ONU a pressionar a UE a suspender suas sanções que bloqueiam as exportações russas. O presidente russo também observou que Moscou vai fornecer até 30 milhões de toneladas de grãos para os países da Ásia, África e América Latina até o final de 2022.

"Estamos prontos para aumentar o volume de entregas aos países necessitados em até 50 milhões de toneladas e mais", disse Putin. Em 2022, a Rússia deve colher impressionantes 150 milhões de toneladas de grãos, com 147,5 milhões de toneladas já coletadas, segundo o Ministério da Agricultura.

Quem implodiu o acordo?

No entanto, a decisão da Rússia de suspender o acordo de grãos não resultou apenas da recusa dos países ocidentais em suspender as sanções e da hipocrisia dos países desenvolvidos que correram para reabastecer seus próprios silos de grãos às custas dos países necessitados.
O primeiro golpe no acordo de grãos foi desferido pelo ataque terrorista da Ucrânia na ponte da Crimeia sobre o estreito de Kerch. Em 8 de outubro, um caminhão explodiu fazendo com que sete tanques de combustível em um trem de carga pegassem fogo. Como resultado do bombardeio da infraestrutura civil russa, dois vãos da ponte rodoviária desabou parcialmente e quatro pessoas morreram. Em 12 de outubro, o Serviço Federal de Segurança da Rússia (FSB, na sigla em russo) disse que o organizador do ataque terrorista à ponte da Crimeia foi a Diretoria Principal de Inteligência do Ministério da Defesa ucraniano.
Cidadãos da Ucrânia, Geórgia e Armênia estavam envolvidos no transporte da carga, onde o artefato explosivo estava escondido, da Bulgária ao porto georgiano de Poti e depois à Armênia. Vários cidadãos da Rússia, Ucrânia e Armênia que participaram da preparação do ataque terrorista foram detidos.
Em coletiva de imprensa no dia 18 de outubro, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, não descartou que os explosivos para o ataque terrorista na ponte da Crimeia poderiam ter sido entregues por via marítima da região de Odessa, quando perguntado se a bomba foi entregue em carga de grãos.
O navio graneleiro Navi Star, com bandeira do Panamá, transportando toneladas de grãos da Ucrânia navega ao longo do Estreito de Bósforo, passando por Istambul em 7 de agosto de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 31.10.2022
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Em 28 de outubro, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia chamou a atenção para repetidas violações da implementação do acordo de grãos. Em particular, o ministério se referiu a grandes concentrações de navios criados artificialmente no porto de Istambul com o objetivo aparente de pressionar os inspetores russos, enfraquecer o controle e acelerar o procedimento de verificação de carga.
Mais de 70 navios foram parados ou mesmo suspensos por descumprimento sistemático das regras de navegação no corredor marítimo e tentativas de contrabando. Esses incidentes não podem ser ignorados no contexto da investigação do ataque terrorista na ponte da Crimeia, destacou o ministério na época.
O ataque a drones de 29 de outubro no mar Negro aumentou as preocupações de segurança. O Ministério da Defesa russo qualificou o incidente como um ataque terrorista, conduzido por especialistas militares ucranianos e britânicos contra a frota do Mar Negro e embarcações civis envolvidas na garantia da segurança do corredor de grãos, e anunciou a suspensão do acordo.
Por sua vez, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia esclareceu que o acordo foi "suspenso indefinidamente", já que Moscou não pode garantir a segurança dos navios civis em meio a ataques ucranianos.

"Dadas as ações das forças armadas ucranianas (que são designadas como um ataque terrorista), lideradas por especialistas do Reino Unido, e encenadas contra navios russos que garantem a operação do corredor humanitário, o lado russo não pode mais garantir a segurança de transportadores civis, envolvido na Iniciativa de Grãos do Mar Negro e suspende sua implementação a partir de hoje por um período indefinido", afirmou o Ministério das Relações Exteriores da Rússia.

Negócio suspenso, o que vem a seguir?

A suspensão do acordo não significa que a Rússia cesse seus esforços para fornecer alimentos e fertilizantes ao Sul Global. O ministro da Agricultura russo, Dmitry Patrushev, disse a jornalistas em 29 de outubro que a Rússia está pronta para entregar gratuitamente até 500.000 toneladas de grãos para países em desenvolvimento nos próximos quatro meses. O ministro especificou que a Rússia forneceria grãos "com a participação de nosso parceiro permanente - a Turquia".
Em 31 de outubro, o vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Mikhail Bogdanov, confirmou que Moscou ajudará os países africanos em relação à suspensão do acordo de grãos. Por sua parte, Konstantin Kosachev, vice-presidente do Conselho da Federação, a câmara alta do parlamento russo, disse que a Rússia está pronta para substituir completamente os grãos ucranianos no mercado mundial, enfatizando que pelo menos 50 países são criticamente dependentes de nossos grãos, incluindo os países mais pobres da África.
Enquanto isso, a Turquia, a Ucrânia e a ONU sinalizaram em 30 de outubro que seguiriam em frente com o JCC, anunciando no domingo que as delegações ucranianas, turcas e da ONU concordaram com a rota de tráfego para 31 de outubro para 14 navios sob a Iniciativa de Grãos do Mar Negro. As decisões tomadas por Kiev, Ancara e as Nações Unidas sobre o movimento de navios sob o acordo de grãos não obrigam a Rússia a fazer nada , disse uma fonte russa a repórteres no domingo.
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