Panorama internacional

Xenofobia colonialista versus urgência de mão de obra imigrante: um paradoxo português?

Em 2023, a população imigrante brasileira contribuiu com mais de 300 milhões de euros para a Seguridade Social de Portugal e consumiu cerca de 150 milhões de euros. Em contrapartida, dados da Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial de Portugal apontam aumento de mais de 500% de denúncias de xenofobia no país entre 2017 e 2021.
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Entre os relatos de discriminação, são citados vários argumentos de que Portugal fez um favor ao colonizar o Brasil, civilizando o país da barbárie, em uma construção psicossocial "que demoniza uma cultura, que subjuga um povo a partir de um processo, inclusive psíquico, que está no processo da colonização", explica a professora e pesquisadora da pós-graduação em direito do Departamento de Direito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Giuliana Redin.
A especialista é coordenadora do Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão Direitos Humanos e Mobilidade Humana Internacional (Migraidh), da UFSM, responsável pela Cátedra Sérgio Vieira de Mello em parceria com a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR).
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, ela frisou que o aumento exponencial do ódio contra imigrantes brasileiros ocorre inclusive com os profissionais qualificados, que buscam oportunidades nas universidades e em empresas.

"Apesar de o país oferecer possibilidade de regularização migratória mais facilitada, em contrapartida a vivência, o estar, o se integrar na sociedade […] tem se tornado cada vez mais difícil", contou. "É um país colonizador e que, portanto, inclusive nos argumentos que a gente tem visto nas denúncias de xenofobia, coloca, projeta exatamente essa visão do colonizador sobre seu colonizado", argumentou.

O programa Mundioka também ouviu a vice-presidente da Casa do Brasil de Lisboa, Ana Paula Costa. Ela mencionou casos em que universidades ou professores pedem textos escritos em inglês ou em português de Portugal, mas não aceitam a variante do Brasil.

"Nós já tivemos casos de agressão contra estudantes, mais uma vez nessa perspectiva de que estão ocupando um espaço que não deveriam ocupar", frisou ela.

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Costa afirmou que a xenofobia é sistêmica no país e independe da classe social do imigrante brasileiro:

"Há aqui muita resistência das universidades, da comunidade acadêmica, alunos, professores, reitoria com relação aos imigrantes, e aqui com relação especificamente à comunidade brasileira, porque essa questão da língua nas universidades é muito forte, as pessoas brasileiras encontram imenso preconceito linguístico e também uma desvalorização do seu conhecimento, da sua expertise."

O que está acontecendo com brasileiros em Portugal?

A crise de moradia que afeta todo o país também é desigual para imigrantes brasileiros e de outras nacionalidades, que, diferentemente dos portugueses, precisam preencher pré-requisitos muitas vezes inviáveis, salientou a vice-diretora da Casa do Brasil de Lisboa.

"Pedem-se muitos cauções, muito adiantamento de renda. Já vimos casos em que um senhorio, por exemplo, chegou a pedir 12 meses de caução ou 12 meses de renda adiantados", comentou.

Devido ao alto custo dos imóveis e aos obstáculos para conseguir efetivar um aluguel, muitos brasileiros estão em situação de vulnerabilidade por falta de habitação, em situação de rua ou em abrigos temporários do Estado, contou Costa, ao exemplificar que um quarto e sala nas grandes cidades custa a partir de 900 euros (cerca de R$ 4,5 mil), bem mais que o salário mínimo, cerca de 730 euros (aproximadamente R$ 3,65 mil).

Como são tratados os brasileiros em Portugal?

Ignorando todo o processo de exploração, violência e espoliação econômica do colonialismo, a lógica eurocêntrica de superioridade compartilhada por parte da população esbarra com uma realidade difícil de subestimar: seu envelhecimento.
Com cerca de 24% dos habitantes na faixa acima dos 65 anos e uma taxa de natalidade tímida, o país precisa atrair constantemente mão de obra estrangeira em diversos setores da economia para garantir produtividade e qualidade de vida.

"Temos visto que têm crescido essas narrativas anti-imigração aqui em Portugal, que é um país que tem uma necessidade de mão de obra muito grande, um país também de emigração, ou seja, muitos portugueses saem para outros países. É um país envelhecido que precisa de mão de obra para conseguir balancear a segurança social", comentou.

Costa destacou que a situação dos africanos é ainda pior que a dos brasileiros, devido ao racismo estrutural.

"O estereótipo, a perspectiva de dominação, de subalternização e de interiorização das ex-colônias africanas são ainda muito presentes e muito fortes. Ainda há pessoas que vivenciaram a guerra colonial, que estão vivas. De forma alguma Portugal se reconhece e se percebe como um país racista, mas de fato há uma segregação racial. Essas pessoas foram empurradas para a periferia. O tratamento delas é totalmente diferente em comparação com o imigrante brasileiro branco, por exemplo", pontuou.

Dentro do racismo estrutural, ela destacou o racismo científico.

"Considerar que a África, de forma geral, é inferior intelectualmente, por exemplo, que existem raças que são intelectualmente mais inteligentes do que outras, isso impera ainda hoje", refletiu Costa.

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O mito de que a imigração de países periféricos rouba empregos, sobrecarrega os serviços públicos e empobrece o centro da riqueza europeia não é algo fácil de desconstruir, concordam as entrevistadas.
Além de motivos óbvios, como promover igualdade e justiça sociais, investir em educação e políticas públicas anticoloniais e antirracistas também se mostra vital para o futuro da economia portuguesa, defendem.
Para Costa, a administração pública precisa priorizar a sensibilização, a criação de campanhas e a produção de dados oficiais para combater mitos, preconceitos e estereótipos a respeito da imigração.
A coordenadora do Migraidh lançou luz sobre a responsabilidade dos consulados e das embaixadas de produzir e incentivar práticas que sejam disseminadoras da igualdade e coíbam violações de direitos.
Ao evocar uma famosa frase do educador Paulo Freire, a pesquisadora destacou a importância de criar políticas públicas para desconstruir a ideologia hegemônica que justifica a violência e a subjugação de um grupo em prol da manutenção de privilégios de uma minoria.

"'Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor', então a gente pode trazer isso para um canto da consciência. Acho que está muito no campo dos estudos sobre violência, pensar como é possível alguém que sofreu racismo produzir racismo, alguém que sofreu violência no campo da segurança produzir violência e, portanto, ser aberto a um discurso de armamento, por exemplo", concluiu a pesquisadora.

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