Panorama internacional

Quem vai administrar a Faixa de Gaza após a incursão militar de Israel?

Cada vez mais surgem notícias e especulações do governo israelense sobre o futuro da Faixa de Gaza, enclave palestino que possui cerca de 30% do tamanho da cidade do Rio de Janeiro. O que será feito do território? Quem o administrará após o fim do bombardeio e da incursão armada das Forças de Defesa de Israel (FDI)?
Sputnik
No episódio desta quarta-feira (29) do Mundioka, o podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, os especialistas Reginaldo Nasser, professor de relações internacionais na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e Ramez Philippe Maalouf, professor de história da rede estadual do Rio de Janeiro e especialista em Oriente Médio, analisaram o tema.
Mundioka
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Quem governa a Faixa de Gaza?

Os territórios da Palestina são administrados pela Autoridade Nacional Palestina (ANP), órgão provisório de autogoverno estabelecido em 1996 como consequência dos Acordos de Oslo, de 1993.
Em 2006 ocorreram as primeiras eleições parlamentares desde a sua criação. Nelas, o partido Hamas saiu vencedor ganhando do Fatah, partido criado por Yasser Arafat e maior constituinte da frente multipartidária Organização para a Libertação da Palestina (OLP).
A eleição foi observada pelo Carter Center, do ex-presidente estadunidense Jimmy Carter, que relatou uma votação limpa e justa.
Os apoiadores palestinos do Hamas erguem seus chapéus verdes durante manifestação celebrando a vitória do grupo nas eleições parlamentares, no Campo de Refugiados de Khan Yunis, no sul da Faixa de Gaza, 27 de janeiro de 2006

O que é a Faixa de Gaza hoje?

No entanto, apesar de vencedor pelo voto popular, outras autoridades palestinas e internacionais acabaram se opondo contra o governo do Hamas, o que resultou em um conflito em 2007, em que o Hamas tomou o controle da Faixa de Gaza e expulsou o Fatah para os territórios da Cisjordânia. Desde então não há um governo palestino unido.
Essa explicação é, no entanto, insuficiente para explicar o governo de Gaza, aponta Maalouf. "Lembremos que a faixa de Gaza está sob controle efetivo de Israel, e não do Hamas, desde 1967", afirmou.

"O Hamas não tem controle nem do espaço marítimo nem do espaço aéreo, e muito menos do terrestre, porque assim que o Hamas venceu as eleições, a Faixa de Gaza foi totalmente isolada do mundo por Israel."

De acordo com Maalouf, o Hamas tentou criar um governo efetivo sobre a região em termos de segurança, infraestrutura, educação e saúde.

"Mas ele foi literalmente torpedeado […] a partir do momento em que Israel começou a bombardear a região após a retirada dos colonos em 2005. O Hamas obedeceu a todas as regras internacionais. Israel respondeu assassinando lideranças do Hamas, levando ao confronto que chegou neste ponto que estamos agora."

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Quem pode assumir o controle de Gaza

Uma das possibilidades discutidas internacionalmente é a colocação do partido político Fatah para gerir a Faixa de Gaza.
Contudo, para ambos os especialistas, o Fatah não tem legitimidade para atuar na região. "Vai ser visto como um fantoche de Israel", afirmou Maalouf.
"O Fatah já perdeu completamente a credibilidade na Cisjordânia", afirmou Reginaldo Nasser.

"Só observarmos o que está acontecendo na Cisjordânia, onde não tem Hamas. Desde o dia 7, a estimativa é de 300 palestinos mortos, milhares de presos e colonos aumentando a sua apropriação da terra palestina", disse o professor de relações internacionais.

Discutida principalmente pelos Estados Unidos e por Israel, a proposta de recolocar um governo da ANP, coalizão pluripartidária liderada por Mahmoud Abbas, do Fatah, será malvista pela população palestina, pois o político está envolvido em casos de corrupção, afirmou Maalouf.
"Será muito difícil o Fatah conseguir, se eventualmente for nomeado para isso, administrar Gaza", resumiu Nasser.
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Gaza poderia ter um governo internacional?

Outro cenário debatido por líderes é a criação de um governo internacional que seja composto por outros países árabes, como o Catar, a Arábia Saudita e a Jordânia, sob a gestão da Organização das Nações Unidas (ONU).
Essas possibilidades, afirmam os analistas, são ainda menos prováveis de acontecer. "A ONU está totalmente marginalizada", afirmou Maalouf.

"A ONU, mais uma vez, provou a sua, digamos assim, pouca assertividade, porque lembra muito o papel da Liga das Nações, que passou a ser cada vez mais desprezada pelas grandes potências."

Nasser concorda com a visão de Maalouf, afirmando que seria muito difícil para a ONU administrar o território palestino, uma vez que a instituição "mal está conseguindo implementar o mínimo do direito internacional".
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Israel pode tomar Gaza para si

Maalouf alerta para a possibilidade real de Israel tomar o território da Faixa de Gaza para si. No momento, as FDI já ocupam o norte do enclave palestino e, ao que tudo indica, "não vão abrir mão desse território".

"A população israelense está tão radicalizada no seu extremismo exclusivista que é pouco provável que essas tropas no norte da Faixa de Gaza sejam retiradas."

"A não ser que haja pressão dos Estados Unidos", afirmou. Para ele, apenas o governo norte-americano pode impedir Israel de concretizar essa tomada de território. Atualmente, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, sofre grande pressão popular para encontrar uma solução para o conflito em Gaza.
O próximo ano é ano eleitoral nos EUA, e a popularidade de Biden já caiu quase 15 pontos percentuais dentro do seu eleitorado democrata, ressaltou Nasser. Ainda assim, para o professor da PUC-SP, a política norte-americana é praticamente imutável. "Democrata ou republicana, a política dos Estados Unidos para Israel é a mesma."

"É um apoio da sociedade. Não é de maioria, mas da elite. Seja elite democrata, seja elite republicana. Então, a possibilidade de mudança com a eleição é mínima, ainda mais quando é grande a chance dos republicanos ganharem."

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Questão palestina 'sob nova direção'

Para Nasser, no entanto, há duas nações que podem realizar mudanças significativas no cenário do Oriente Médio: a Rússia e a China. "Os Estados Unidos não estão sozinhos no Oriente Médio. Agora, a Rússia e principalmente a China têm ditado os principais acontecimentos no Oriente Médio."

"A questão entre a Palestina e Israel sempre ficou com os Estados Unidos desde a década de 70. Os encontros, o Mapa da Paz, [o Tratado de] Oslo e tudo mais. Acredito que não vai ficar mais."

O especialista aponta para os recentes avanços diplomáticos entre o Irã e a Arábia Saudita, mediados pela China, e para as visitas realizadas pelos ministros de Relações Exteriores dos países do golfo Pérsico junto de autoridades palestinas. "Antigamente, a gente falaria Washington, Londres e Paris. Foi Pequim e Moscou. Isso vai refletir na questão da orientação [das decisões para a região]."
Nasser afirma que estamos vendo uma retomada para o começo da questão. "Quando se criou Israel e não criou o Estado da Palestina, quem o fez? Ah, fala que é a ONU. Não é a ONU. Foram grandes potências. A primeira a reconhecer foi a União Soviética."

"A questão do Estado palestino só virá com o envolvimento de grandes potências. São grandes potências que têm que assumir essa questão e levar adiante."

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