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Analistas: sem 'visão pirotécnica', Brasil 'tentou o máximo e merece nota justa e digna' no CSNU

Embora não tenha obtido muitos resultados concretos, a presidência do Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), nos últimos 30 dias, é lida como bem-sucedida por especialistas ouvidos pela Sputnik. Segundo eles, o país "voltou à cena internacional com qualidade" e merece reconhecimento por seus esforços.
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O último mês trouxe experiências e desafios para o protagonista da vez. Os reptos propostos não saíram conforme o planejado. Apesar de todos os obstáculos frente aos conflitos, analistas entrevistados pela Sputnik Brasil não enxergam um saldo negativo durante a presidência brasileira do CSNU.
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Para Elton Gomes, doutor em ciência política e professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), a presidência exercida pelo Brasil acontece em um momento de muita instabilidade e divisão no cenário internacional, mais notadamente pelos conflitos em curso, tanto na Ucrânia quanto no Oriente Médio, entre a Faixa de Gaza e Israel.

"O Brasil precisa equilibrar suas posições e buscar um consenso, tanto quanto possível, entre os membros do Conselho. Mas, do ponto de vista efetivo, prático, diante das questões geopolíticas do momento, é algo limitado", destaca o especialista.

Gomes destaca que, apesar de ser um global trader (em tradução livre, negociador/comerciante global), o Brasil não possui a capacidade de influenciar decisivamente as grandes questões geopolíticas e de segurança internacional, tornando essencial a atuação cautelosa no cenário global. Atualmente, o país mantém boas relações comerciais tanto com a China como com os Estados Unidos, que estão em lados opostos das principais questões de segurança internacional.
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"O Brasil tem respectivamente a China e os Estados Unidos como seus dois maiores parceiros comerciais, que são países que estão em lados opostos das principais questões de segurança internacional no presente momento. Então, a gente pode dizer que, no que confere sentido e propriedade para essa questão, é mister que a diplomacia brasileira se conduza com muita cautela", reforça.

O professor enfatiza a necessidade de a diplomacia brasileira seguir uma postura que defenda as instituições internacionais, promova soluções pacíficas para os conflitos e se apoie no direito internacional. Ele também alerta para a importância de evitar alinhamentos rígidos, que poderiam comprometer o histórico político de evitar tomar partido em grandes disputas.
Para o cônsul honorário de Malta e professor de relações internacionais da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) Thales Castro, a presidência brasileira do CSNU foi competente.

''Foi diligente. Parcialmente, cumpriu suas funções em razão do veto americano àquela iniciativa [proposta de cessar-fogo humanitário] brasileira. E a situação não é fácil, porque você está diante de um estrangulamento, de uma visão do que eu chamo de nova guerra quente, efetivamente, uma situação de 'soma zero'. Isso acaba se refletindo nessas decisões, não sendo consensualidade no Conselho de Segurança da ONU [Organização das Nações Unidas]. Agora, o Brasil tentou o máximo e merece nota justa e digna de sua atuação'', pontua.

Coordenador da Cátedra Unesco/Unicap Dom Helder Câmara e professor de direito da Unicap, Manoel Medeiros pontua que a avaliação do mandato brasileiro precisa ser mais qualitativa, e não quantitativa.
"A presidência, a partir da diplomacia brasileira, é tática: cumpre um papel de organizar a pauta, estruturar um conjunto de iniciativas. Possui um papel administrativo, mas que não será, de modo algum, diminuído sem a presidência da comissão permanente'', relembra.
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''Houve uma efetiva atuação para o cumprimento de resoluções e soluções pacíficas do conflito. Com isso, o Brasil voltou à cena internacional com qualidade, sem ter uma visão pirotécnica — não protagonizando, por sua vez, situações espetaculosas. Foi uma gestão eficiente, tendo mais de 1.000 pessoas retiradas do Oriente Médio'', assegura Medeiros.

Segundo Thales Castro, o corpo diplomático brasileiro é ''altamente técnico, competente e experiente, e isso é fundamental para lidar com as complexidades das relações internacionais''. Ele enfatiza que a presidência rotativa do Conselho de Segurança envolve funções relacionadas à manutenção da paz e da segurança internacional, embora haja visões conservadoras sobre o papel do Conselho.

''O Brasil, durante seu mandato, cumpriu parcialmente suas funções, mas enfrentou desafios, incluindo o veto americano a uma iniciativa brasileira. A atuação do Brasil foi elogiada, apesar de não ter conseguido uma resolução consensual na crise entre o Hamas e Israel", sublinha o cônsul honorário.

Castro acredita que a posição brasileira de não condenar o Hamas como um grupo terrorista é reprovável, sugerindo que o Brasil deveria adotar uma postura mais incisiva nesse sentido. No entanto, ele ressalta que o país tem uma presença significativa no cenário internacional e merece reconhecimento por seus esforços, destacando o papel dos diplomatas brasileiros, como o chanceler Mauro Vieira e o embaixador Sérgio Danese, que conduziram as complexas negociações no Conselho de Segurança.
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A atuação do Brasil no cenário internacional é, de acordo com o especialista, um exemplo de "mixed blessing", ou seja, uma bênção parcializada, com aspectos positivos e desafios a serem superados.

Desejo brasileiro era ter uma cadeira fixa no CSNU

Quase 80 anos depois de sua criação, com a insurgência de novos cenários e novas realidades, fica cada vez mais exposta — segundo grande parte da comunidade internacional — a fragilidade do CSNU em tomar decisões que cheguem a um denominador comum, afastando a perspectiva de paz.
Acerca disso, especialistas entrevistados pela Sputnik Brasil chegaram a uma conclusão que é quase unânime: existe uma crise no CSNU e, por mais que seja interessante a realização de uma reforma, não há qualquer intenção nesse sentido por parte de alguns membros fixos.
Para o professor de relações internacionais Rodrigo Barros de Albuquerque, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), e de ciência política na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a crise de credibilidade enfrentada pelo CSNU não é novidade. Segundo ele, é preciso observar as perspectivas de revitalização dos esforços diplomáticos, bem como as reformas necessárias na própria ONU.
Albuquerque destaca que essa crise é um problema tão constante na história da organização que é difícil enquadrá-la como uma situação de crise pontual.
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"Durante a Guerra Fria, por exemplo, o problema era o uso contínuo e de forma alternada do poder de veto entre a União Soviética e os Estados Unidos. Nos anos 1990, foi a incapacidade de agir face à retirada unilateral da participação estadunidense na ONU, que não saiu da organização, mas deixou de contribuir financeiramente com o orçamento compulsório e com as contribuições voluntárias, as quais eram direcionadas, em sua maior parte, às operações de paz", relembra o analista.
Ele reforça que essas crises de credibilidade, em grande parte, decorrem da estrutura do CSNU, com seus membros permanentes detentores de poder de veto, tornando-o ineficiente em muitos casos.

A busca do Brasil por um papel diplomático no Oriente Médio

Rodrigo Barros de Albuquerque reforça que o Brasil procura assumir um papel de destaque como player global e mediador em questões internacionais, especialmente no Oriente Médio.
"O país costuma ser visto como hábil negociador e ativo na tentativa de buscar soluções pacíficas, mas o fato de não assumir posições mais duras — e ser criticado por isso — e de não ter sempre suas posições levadas a cabo faz parecer que o país não tem suas posições levadas em consideração tanto quanto gostaria", responde, ao ser questionado se existem, de fato, meios de o Brasil propor formas de revitalizar esforços diplomáticos para a prevenção e resolução de conflitos no Oriente Médio.
Há, segundo especialistas, uma tentativa do Brasil de aliviar a questão humanitária. Antonio Lucena, cientista político e professor de relações internacionais da Unicap, acredita que a proposta brasileira apresentada ao CSNU durante sua presidência era relativamente boa, mas difícil de atingir algum consenso. Ainda assim, teve alto grau de aprovação.
"Uma proposta da qual a Rússia e o Reino Unido se abstiveram, mostrando que, de certa forma, eles concordam com a resolução, mas se abstiveram para não ter problemas com seus aliados. Contudo, rejeitada pelos Estados Unidos", lembra o cientista político.

Mas e a reforma?

A necessidade de uma reforma na ONU tem sido uma demanda da comunidade internacional por anos. O foco principal tem sido a reforma do Conselho de Segurança, com a adição de membros permanentes.
No entanto, o cientista Rodrigo Barros de Albuquerque argumenta que a simples expansão da composição do CSNU não resolveria o problema. Ele sugere que a verdadeira reforma envolveria a anulação do poder de veto em favor de decisões por maioria ou maioria qualificada, refletindo uma distribuição mais equitativa de poder entre os membros.
Se a crítica permanente ao CSNU é sua inação em muitas situações devido ao poder de veto, as discussões eternamente presentes sobre a ampliação do número de membros permanentes, segundo o especialista, é ilógica. Mais membros com poder de veto aumentariam a quantidade de interesses que, por sua vez, podem afetar um número maior de membros permanentes.
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