Panorama internacional

Violência, pobreza e crise: equatorianos escolhem presidente em meio à 'desestruturação do Estado'

Pesquisas de opinião dão empate técnico para os candidatos, que têm programas de governo bem distintos para governar o país: correísmo (pró ex-presidente Rafael Correa) × anticorreísmo (contra o legado de Rafael Correa).
Sputnik
Cerca de 13 milhões de eleitores equatorianos vão decidir neste domingo (15) quem vai liderar o país pelos próximos 16 meses, em um momento de gravíssima crise política e delicada situação econômica.
A cientista política equatoriana Maria del Carmen Villarreal Villamar destaca que as eleições ocorrem em meio a uma crise social, política e econômica "sem precedentes", que exigem muita atenção da comunidade internacional.
"Só neste ano houve 20 atentados a políticos, vários morreram", declarou ela em entrevista à Sputnik Brasil.

"O país, que já foi considerado um dos […] mais seguros da América Latina, em 2023 teve mais de 5,3 mil crimes violentos. Se o Equador continuar nesse ritmo, se tornará um dos mais violentos do mundo, pois já é um dos mais violentos da região."

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Em um processo eleitoral conturbado e violento — que teve inclusive o assassinato de um dos candidatos, Fernando Villavicencio, em 9 de agosto —, os vencedores do primeiro turno, realizado em 20 de agosto, foram a candidata do movimento Revolução Cidadã, Luisa González, e o representante da aliança política Ação Democrática Nacional (ADN), Daniel Noboa. González poderá ser a primeira mulher a governar o país, e Noboa, o presidente mais jovem da história do país, com 35 anos.
Os dois eram deputados da Assembleia que foi dissolvida em maio pelo presidente Guillermo Lasso, que antecipou as eleições para tentar escapar de um processo de impeachment, acusado de corrupção. O vencedor fará um governo de transição até maio de 2025, quando terminaria a gestão de Lasso.
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Herdeira política do ex-presidente Rafael Correa (2007–2017) — que vive atualmente na Bélgica, na condição de asilado político e representante do correísmo —, González liderou a disputa entre os oito candidatos, com cerca de 33% dos votos. Filho de um dos mais ricos empresários do país e político, Álvaro Noboa, Daniel Noboa obteve cerca de 24%.

"Vemos nos programas dois modelos de país. González apresenta uma proposta baseada na justiça social e na segurança", comentou Villamar. "Noboa tem como foco a segurança também, tem um programa com boa parte das premissas neoliberais, privatização da saúde, da educação, bem parecido ao governo atual."

A especialista, que é professora de relações internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e do programa de pós-graduação em ciência política da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), destaca que os principais desafios do próximo governo serão estruturar o Estado para enfrentar a pobreza extrema, que alcança 10% da população, e a escalada da violência no país.
Na avaliação do coordenador do curso de relações internacionais do Ibmec, José Niemeyer, a proximidade do Equador com países com forte atuação do narcotráfico é outro ponto crítico para o país na questão da violência:
"Do ponto de vista da logística, é um país fundamental para o crime internacional, o que acaba influenciando no campo da política, em algumas áreas do governo para ter livre trânsito no país, aumentando o poder desses grupos que são extremamente violentos", disse ele à Sputnik Brasil.
Para além das consequências negativas da dolarização da economia, a partir de 2000 e da maior prevalência do crime organizado na política e na economia do país, segundo Villamar, os problemas que hoje afligem o Equador são consequências, principalmente, de uma série de medidas tomadas por governos nos últimos anos que minguaram investimentos nas áreas social e de segurança.

"Desde 2017, tem todo um processo de desestruturação do Estado com a extinção de ministérios, como o da Segurança e da Justiça, e a redução progressiva do orçamento na área de segurança."

No domingo (8) passado, o presidente Guillermo Lasso exonerou altos funcionários de segurança após os assassinatos de presidiários suspeitos de terem participado da morte de Fernando Villavicencio em uma penitenciária de Guayaquil, sudoeste do país. De acordo com as autoridades do país, todos são de nacionalidade colombiana.
Segundo a professora Villamar, as tentativas de vincular Rafael Correa — e, de quebra, a candidata González — à morte do candidato Villavicencio nos meios de comunicação têm ocorrido desde o primeiro turno das eleições. Correa era oponente político de Villavicencio:
"Tem sido uma campanha muito suja, com muitas tentativas de sabotagem e de acusações levianas. Há uma tentativa clara de atacar o correísmo, afetando a candidata", disse ela. "No primeiro turno, essas acusações fizeram com que González, que era a favorita, perdesse dez pontos nas pesquisas em 24 horas."
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Empatados tecnicamente, de acordo com pesquisas de opinião, os candidatos estão apostando suas fichas nos indecisos, que representam entre 12% e 18%, e nos jovens, que são 25% da população de 18 milhões de equatorianos.
Para Niemeyer, o processo político eleitoral polarizado tem sido uma tendência na América Latina nos últimos 20 anos, em que as propostas estruturantes acabam esvaziadas.

"Em vez de discutir projetos de governo, o debate está focado em concepções de mundo, ideologias, criando agendas messiânicas, salvadores da pátria, candidatos de retórica", declarou ele.

O próximo presidente terá de enfrentar ainda um déficit fiscal que, até o final deste ano, deve chegar a US$ 5 bilhões (R$ 25 bilhões), quase 4% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Niemeyer acredita que a crise econômica na região, a pandemia da COVID-19 e a descrença com a política agravaram o problema da fragilização do Estado, criando um terreno fértil para o crime organizado e a baixa transparência entre o público e o privado.
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