Panorama internacional

Analista: rigidez europeia e eventual mudança na Argentina pioram chance de acordo UE-Mercosul

Previsto para ocorrer nesta quinta-feira (21), um encontro de negociadores do Mercosul e da União Europeia foi adiado para o início de outubro, segundo disseram fontes próximas do governo brasileiro à Sputnik Brasil. As tratativas para ativar o acordo de livre comércio entre as partes estão embaralhadas devido ao excesso de exigências dos europeus.
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As conversas entre ambos os blocos já duram 20 anos, e a ratificação do tratado é esperada desde 2019. Segundo fontes, Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai devem realizar uma videoconferência na próxima semana para acertarem suas posições e concordarem em detalhes.
Nos últimos meses, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem sido crítico aos termos do acordo comercial, em especial a uma carta paralela ("side-letter") que estabelece novas exigências dos Estados-membros da União Europeia (UE). Alguns dos novos pontos trazem demandas ambientais que extrapolam os acordos internacionais em vigor atualmente.
Em declarações à Sputnik Brasil, o professor de relações internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) Vinícius Rodrigues Vieira avaliou que na carta estão "contidos mecanismos protecionistas travestidos de preocupação ambiental".
Outro grande crítico da side-letter é o presidente do Paraguai, Santiago Peña, que chegou inclusive a defender uma interrupção das negociações afirmando desconfiar do "interesse genuíno" da UE em prosseguir com o acordo.
Para Rodrigo Barros de Albuquerque, professor de relações internacionais da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), é pouco provável que a UE mude sua posição atual.

"Ela tem sido bastante inflexível nos compromissos que deseja ver assumidos pelos seus parceiros. Neste caso do acordo Mercosul-UE, a exigência de que o governo brasileiro assuma metas e compromissos ambientais parece inegociável", disse ele à Sputnik Brasil.

Segundo o acadêmico, é possível que o governo brasileiro acabe aceitando os termos europeus, "dado o pragmatismo habitual que os primeiros governos Lula tiveram em sua política externa". A opinião é compartilhada pela professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Regiane Bressan, que não vê o bloco com força suficiente para responder à altura nessa demanda, ainda mais porque "os europeus não querem suavizar a postura para fechar o acordo".

Mercosul responde à carta paralela

As novas exigências da UE para o tratado, que seria o maior acordo comercial alcançado pelo bloco em termos de população, foram respondidas pelos países do Mercosul com um documento que, segundo fontes, possui apenas duas páginas e responde às questões europeias de maneira geral. Segundo essas fontes, isso indicaria discordâncias entre os países do Mercosul sobre o aceite dos termos europeus.
Especialistas acreditam que se o documento não for ratificado até o fim do ano, as negociações podem ir por água abaixo. Para Barros de Albuquerque, a colocação das negociações na pauta de ambas as partes demonstra vontade de celebrar o acordo. No entanto, para Bressan, as chances de o tratado não ser firmado são grandes.

"Ainda que seja um momento muito propício, dado que nós temos um governo argentino em comunhão com o governo brasileiro. Eu acho que é possível que mude o governo da Argentina e, com isso, a gente tenha maiores dificuldades."

Reunião de membros do Mercosul pode ser decisiva

Antes de negociarem os termos da side-letter com a União Europeia, os Estados-membros do Mercosul devem chegar a um acordo conjunto sobre suas necessidades.
"Diferentemente da UE, não temos integração política no Mercosul em instituições supranacionais com poder decisório, e, portanto, qualquer posição do Mercosul tem que ser negociada e renegociada entre os membros plenos a cada nova rodada", disse Barros de Albuquerque.
Fontes internas do governo afirmaram à Sputnik Brasil que na próxima semana haverá uma videoconferência entre os representantes dos países para chegarem a um acordo e poderem negociar os termos com a Europa em outubro.

Discurso de Lula na ONU reflete preocupações com acordo

Além de ser a maior economia do Mercosul, o Brasil é também o país com mais ressalvas quanto às novas imposições europeias. Em seu discurso na ONU, o presidente Lula ressaltou a importância de enfrentar problemas urgentes, como a fome e a pobreza.
"A Europa só fala no meio ambiente, que é importante, e o Brasil tem grande potencial de ser um protagonista em relação à política ambiental, mas que isso não seja o único ponto do acordo", disse Regiane Bressan.

"Fica muito difícil a gente falar que um protecionismo verde teria mais importância ao Mercosul, por exemplo, quando na Argentina nós temos 40% da população, neste momento, abaixo da linha da pobreza", afirmou a professora.

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