Panorama internacional

'Se ele cair, cai também o jornalismo': a luta de Assange contra a censura do Ocidente

Está em cartaz nos cinemas brasileiros o documentário "Ithaka: A Luta de Assange", que acompanha a trajetória incansável de John Shipton, pai do jornalista Julian Assange, para salvar o seu filho de uma possível – e injusta – condenação à prisão nos EUA, apenas por ter revelado ao público verdades inconvenientes sobre o governo americano.
Sputnik
Com o caso de Assange, o Ocidente deixou muito claro que o jornalismo livre é hoje um de seus principais inimigos diretos. Assange, fundador do site WikiLeaks em 2006, tornou-se o principal bode expiatório por trás da divulgação em 2010 de mais de 92 mil documentos secretos relacionados às guerras americanas no Afeganistão e no Iraque.
Em tais documentos, detalhavam-se diversos incidentes de tortura sistemática de civis, crimes de guerra não reportados, corrupção governamental e corporativa, assassinatos policiais extrajudiciais, ataques de drones a pessoas inocentes e outras aberrações, o que causou um verdadeiro alvoroço na mídia e na opinião pública internacional.
Logo, quando Assange começou a ser perseguido por autoridades americanas e britânicas, seu nome passou a representar um verdadeiro emblema pela defesa da liberdade de imprensa e do jornalismo, cuja nobre missão era trazer à luz esquemas de corrupção governamental, bem como os crimes de guerra cometidos pelos Estados Unidos e seus aliados em várias regiões do globo.
No momento em que se tornou alvo do Ocidente por revelar a verdade ao mundo, Assange decidiu se refugiar na Embaixada do Equador no Reino Unido em 2012, saindo de lá sete anos depois, quando enfim foi detido pelas forças policiais britânicas e encaminhado para a prisão de segurança máxima Belmarsh (em Londres). De lá, Assange passou a aguardar por uma decisão judicial sobre sua extradição aos Estados Unidos.
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O documentário "Ithaka", portanto, acompanha justamente esse período através do ponto de vista de John Shipton, pai do jornalista, que viaja pelo Reino Unido, Europa e Estados Unidos para impedir a extradição de Assange à América.
Para além de Shipton, o filme também dedica bastante ênfase a Stella (esposa de Julian), que fez parte da equipe jurídica de Assange durante o seu asilo na Embaixada do Equador. Ao longo do documentário, acompanhamos então Stella e Shipton em sua defesa incansável pelos direitos humanos, e em prol da libertação de Assange das garras do aparato policial britânico.
Como mostrado no documentário, Julian, o prisioneiro político mais famoso do mundo, tem o apoio não somente deles, mas sim de milhões de pessoas ao redor do globo, cujas manifestações de solidariedade a Assange contrastavam com a fria e impetuosa ameaça imposta pelos Estados Unidos, não somente a Julian mas também a quaisquer jornalistas livres.
Afinal, o WikiLeaks apenas escancarou alguns dos mais hediondos episódios do unilateralismo americano durante a era pós-11 de setembro, assim como os planos agressivos de Washington na condução de sua guerra global contra o terrorismo.
Para o público doméstico, a administração Bush dizia que os Estados Unidos não podiam se dar ao luxo de esperar por nova uma ameaça terrorista a seu território, o que obrigou a Casa Branca a implementar uma verdadeira caça às bruxas mundo afora, a começar pelo Afeganistão (em 2001) e em seguida pelo Iraque (em 2003).
Vale lembrar que, para justificar a invasão ao Iraque, os americanos diziam que Saddam Hussein estava escondendo armas químicas, o que acabou se provando uma mentira. De acordo com Washington, o regime de Saddam Hussein também estaria envolvido com a proteção de grupos terroristas que visavam atacar os Estados Unidos no futuro, o que justificava quaisquer medidas drásticas contra aquele país.
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Entretanto, o que os documentos revelados em 2010 pelo WikiLeaks demonstraram, e que o governo americano tentou a todo custo esconder de sua população, é que as forças estadunidenses no Iraque e no Afeganistão estiveram ativamente envolvidas com uma série de crimes de guerra e esquemas de corrupção monumentais. Foi esta revelação que tornou Assange o alvo número um do Ocidente desde então.
Julian foi perseguido por publicar informações verdadeiras sobre assuntos de interesse público e por acreditar que os governos deveriam ser controlados pelo povo e não o contrário. Afinal, as democracias ocidentais, e sobretudo a americana, sempre se gabaram de princípios como a liberdade de imprensa e de opinião.
Entretanto, o caso de Julian Assange provou de forma categórica que esses princípios foram imediatamente jogados na lata do lixo quando se tratou de proteger as maquinações e os excessos dos Estados Unidos no exterior. Além do mais, o WikiLeaks também foi instrumental na revelação dos esquemas de vigilância americana sobre altos funcionários da ONU, bem como de diversos líderes mundiais, inclusive de países parceiros.
Tudo isso com o objetivo de deter o total controle sobre as comunicações de chefes de Estado importantes, exercitando na prática um tipo de espionagem clandestina não autorizada de assuntos domésticos de outras nações.
O documentário "Ithaka" aborda todos esses pontos com bastante clareza e, ao mesmo tempo, com bastante respeito ao sofrimento das pessoas próximas de Assange. Todavia, talvez a principal mensagem do filme seja realmente uma busca incessante por justiça. No âmbito de toda a sua duração, "Ithaka" destaca-se como uma obra obrigatória para todos aqueles que desejem entender melhor as flagrantes contradições do discurso ocidental sobre democracia e direitos humanos.
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Na verdade, os que procuraram defender de forma honrada e profissional justamente estes princípios (como Edward Snowden e o próprio Julian Assange) foram cruelmente perseguidos pelos Estados Unidos e seus aliados, fazendo cair a máscara da "democracia liberal" das elites ocidentais.
Aliás, uma das mais emblemáticas frases ditas por Shipton no decorrer do documentário é que "se ele [Assange] cair, cai também o jornalismo". Shipton não poderia estar mais correto. Afinal, muito embora a extradição de Julian aos Estados Unidos tenha sido negada por uma corte londrina em 2021 por motivos médicos, ele ainda corre o risco de ser enviado à América em algum momento, onde poderá ser preso até o final de sua vida.
Tudo o que já ocorreu com Assange é um sinal bem claro a todo e qualquer jornalista independente que pretenda revelar ao público informações que comprometam as lideranças ocidentais. Não existem princípios e valores no Ocidente. A detenção de Assange é a prova cabal disso. Enquanto isso, o mundo todo continuará acompanhando o seu destino. Liberdade a Julian Assange!
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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