Panorama internacional

América Latina: Brasil dá 1º passo para retomada da integração regional durante encontro na Colômbia

Centenas de líderes de esquerda, incluindo alguns ex-presidentes, se reuniram em Santa Marta, na Colômbia, entre ontem (10) e hoje (11), para discutir o futuro da América Latina. Incensadas pelo avanço das lideranças desse espectro ideológico na região, as pautas se concentraram na construção de uma nova agenda de integração local.
Sputnik
Representado pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT) no VIII Encontro do Grupo de Puebla, o Brasil deixou seu recado de um dos principais nortes da política externa de Brasília a partir de 1º de janeiro de 2023, quando o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, tomará posse.
O desafio posto por ela, segundo relatou o jornal espanhol El País, é a integração regional da América Latina, com a reconstrução de instâncias como a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e a União de Nações Sul-Americanas (Unasul).

"Para nós, a questão da América Latina é central", sublinhou durante sua fala de ontem (10) a ex-presidente, que esteve presente ao lado de Lula em diversos momentos da campanha presidencial e no dia da vitória do segundo turno, em 30 de outubro.

Rafael Rezende, doutor em sociologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vê o Grupo de Puebla como um pontapé internacional do Brasil no restabelecimento das relações com os países vizinhos.

"Com certeza o encontro do Grupo de Puebla é um dos primeiros e muitos passos que o Brasil vai ter que dar para romper o isolamento internacional adquirido durante os quatro anos do governo [de Jair] Bolsonaro — que deixaram o Brasil não só isolado de seus vizinhos, como de antigos parceiros. Então, nesse sentido, o novo governo Lula vai ter que trabalhar muito para retomar essas alianças. Mas o Lula sabe o caminho das pedras", sugere.

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Embora ainda não dê para se ter um balanço completo do que vai sair de efetivo desse encontro, há algumas pistas, diz Rezende.
Na avaliação do especialista, uma delas é a questão do meio ambiente, que passa a ter uma importância muito grande na América Latina e entre a esquerda latino-americana, não apenas devido aos desafios enfrentados pela questão climática. Também devido às eleições de Gustavo Petro na Colômbia e de Gabriel Boric no Chile e devido à recente vitória de Lula no Brasil. "São três candidatos que bateram muito na tecla do tema ambiental durante suas campanhas", lembra o pesquisador.

"Eu não sei se podemos falar em uma onda de esquerda ou se podemos falar de um ciclo natural de mudanças de governo da democracia. Mas, com certeza, o fato de as cinco maiores economias latino-americanas estarem sob governos de esquerda e de centro-esquerda facilita muito. Primeiro porque, historicamente, a esquerda latino-americana é quem tem esse olhar mais forte e mais destacado da unidade e da integração regional. Historicamente, as direitas latino-americanas têm um olhar muito mais para o norte geopolítico do que para a construção de um processo de integração regional. E também porque são governos que têm algum grau de afinidade nas suas formas de fazer política."

Bruno Lima Rocha, cientista político e professor de relações internacionais, envereda pelo mesmo viés ao analisar o Grupo de Puebla.
Ele lembra que o Brasil é um pivô continental e que isso está na literatura geopolítica.
Segundo o pesquisador, se o Itamaraty retomar com muita ênfase o Mercado Comum do Sul (Mercosul), a Unasul e a CELAC — exatamente como a ex-presidente Dilma propôs —, o Brasil terá um papel central na América Latina.

"Se o Brasil puxar o freio de mão em relação a essa integração latino-americana, teremos problemas. Mas precisamos do Banco do Sul (devido a depósitos volumosos, capital de empréstimo e uma ligação direta com o BRICS). Sem isso, não conseguimos nos recuperar como um pivô regional e como uma liderança nas relações Sul–Sul. Então a política internacional do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], não por acaso muito atacada pela Lava Jato e pela extrema-direita, vai ser fundamental neste momento. As políticas de coordenação de ações integradas, de investimentos conjuntos, do complexo energético (óleo e gás), também. A tudo o que é chave no crescimento e desenvolvimento latino-americano, as oligarquias e a extrema-direita fazem ataques", analisa.

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Para ele, a reaproximação do Brasil com a América Latina pelo Grupo de Puebla ocorre ao menos no campo simbólico.

"O Grupo de Puebla segurou o olho do furacão quando estava operando o chamado Grupo de Lima, que era a projeção da política externa de John Bolton e Donald Trump para a América Latina. É preciso lembrar que o Grupo de Lima encabeçou a tentativa de invasão da Venezuela, que não ocorreu por pouco. Então uma participação, ainda que mais simbólica, do Brasil nesse agrupamento de líderes políticos [de esquerda] tem uma relevância", avalia.

O analista notou ainda que havia a presença de uma delegação do Partido Comunista da China no Grupo de Puebla.
De acordo com ele, a presença do Brasil entra em um jogo geopolítico duplo: uma demonstração do Brasil para com os vizinhos da América Latina e para com a China, também no compasso do sistema internacional, estabelecendo, desse modo, a liderança da região latino-americana.
Como balanço do encontro, a ausência das maiores lideranças latinas (Lula, Petro e Boric não marcaram presença) sinaliza que a agenda internacional está mais apertada do que a agenda continental, com a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática de 2022 (COP27), no Egito, aponta o especialista.
Mas também há um segundo aspecto desse balanço.

"Está se fazendo política em dois níveis, pois tem relevância dos governos subnacionais, e é muito interessante isso. A esquerda reformista latino-americana começou ganhando municípios, depois regiões, e voltou a ter mais presença no Poder Executivo nacional do que na política em níveis local e estadual. Entender que é um jogo de dois níveis, até pelo fato de [o encontro] ser realizado em Santa Marta, porque o distrito de Magdalena é um governo progressista, o que é muito difícil na Colômbia, ainda mais nessa região coalhada de guerrilhas, paramilitarismo e operações contra o narcotráfico. Chama a atenção e é o que descrevemos na literatura como paradiplomacia ou diplomacia entre governos subnacionais", indica.

Rocha avaliou que tudo o que vai ao encontro de uma política integrada latino-americana também vai ao encontro das posições mais à esquerda na América Latina.

"A superação do realismo regional é fundamental, dessa sandice de projetar o conflito intralatino-americano na Amazônia, por exemplo. É preciso entender os interesses estratégicos [locais] em jogo em escalas continental e planetária."

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