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'Não assinem nada': saiba quais países boicotaram acordo de paz entre Rússia e Ucrânia em 2022

© AFP 2023 / Ozan KoseVladimir Zelensky, presidente da Ucrânia, sai após coletiva de imprensa conjunta com Recep Tayyip Erdogan, presidente turco, no escritório presidencial Dolmabahce em Istambul, Turquia, 8 de março de 2024
Vladimir Zelensky, presidente da Ucrânia, sai após coletiva de imprensa conjunta com Recep Tayyip Erdogan, presidente turco, no escritório presidencial Dolmabahce em Istambul, Turquia, 8 de março de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 25.04.2024
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Documentos revelados sobre as negociações entre Moscou e Kiev realizadas em maio de 2022 mostram que o conflito ucraniano poderia ter acabado nesse mês e ter sido alcançada a paz. A Sputnik Brasil conversou com especialistas para saber quais eram os termos desse acordo e quais países interferiram para que ele não fosse assinado.
A revelação de detalhes sobre o acordo de paz negociado pela Rússia e Ucrânia em maio de 2022 demonstram como a interferência do Ocidente gerou resultados nefastos ao prolongar o conflito entre esses dois países vizinhos.
A revista norte-americana Foreign Affairs, conhecida por defender os principais pontos da agenda internacional dos EUA, publicou um artigo atestando a disposição da Rússia e Ucrânia em selar a paz ainda nas primeiras semanas do conflito, que começou em fevereiro de 2022.
De acordo com documentos e entrevistas analisados por autores russos e norte-americanos, Kiev e Moscou conseguiram chegar a um acordo bastante detalhado para colocar fim às hostilidades já em maio de 2022. A intervenção de líderes do Ocidente, no entanto, levou a delegação ucraniana a mudar de postura e a abandonar a mesa de negociações, afirma o artigo da icônica revista norte-americana.
© AFP 2023 / Maksim Guchek / Belta / HandoutDelegações da Rússia e da Ucrânia durante negociações na região belarussa de Brest, 7 de março de 2022
Delegações da Rússia e da Ucrânia durante negociações na região belarussa de Brest, 7 de março de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 25.04.2024
Delegações da Rússia e da Ucrânia durante negociações na região belarussa de Brest, 7 de março de 2022
As primeiras rodadas de negociações entre russos e ucranianos foram realizadas em uma das casas de campo do presidente de Belarus, Aleksandr Lukashenko, que exerceu papel de mediador. Após a turbulência característica de processos negociadores, as partes voltaram a se reunir em Istambul, na Turquia, já com rascunhos bem detalhados do futuro acordo.
O resultado das negociações foi a elaboração do Comunicado de Istambul, cujos termos demonstram que a Rússia e a Ucrânia estavam preparadas para fazer concessões para chegar à paz.
© Sputnik / Pool / Acessar o banco de imagensO presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, gesticula durante negociações entre Rússia e Ucrânia, em Istambul, 29 de março de 2022
O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, gesticula durante negociações entre Rússia e Ucrânia, em Istambul, 29 de março de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 25.04.2024
O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, gesticula durante negociações entre Rússia e Ucrânia, em Istambul, 29 de março de 2022
O tratado incluía cláusulas essenciais para Moscou, como a neutralidade militar ucraniana. De acordo com o rascunho do texto, Kiev se comprometia a não aderir à aliança militar ocidental, a OTAN.

"A questão da neutralidade ucraniana é o ponto central para a Rússia", disse o professor de Geopolítica da UNEMAT e coordenador do Laboratório de Desenvolvimento Territorial e Geopolítica (DTG-LAB), Vinicius Modolo Teixeira, à Sputnik Brasil. "O território ucraniano é a chave para acessar a Rússia, que não deve permitir que forças da OTAN instalem sistemas defensivos, ofensivos e de vigilância nessas posições."

A desmilitarização da Ucrânia também havia sido acordada entre as partes, que já se debruçavam sobre pontos específicos, como a quantidade de efetivos que o futuro Exército ucraniano teria. Por outro lado, eram dadas à Ucrânia amplas garantias de segurança, asseguradas pelos países do Conselho de Segurança da ONU, além de Alemanha, Israel, Polônia, Itália e Turquia.
© POOL / Acessar o banco de imagensPresidente de Belarus, Aleksandr Lukashenko
Presidente de Belarus, Aleksandr Lukashenko classificou os políticos poloneses como malucos - Sputnik Brasil, 1920, 25.04.2024
Presidente de Belarus, Aleksandr Lukashenko
O acordo descrevia em detalhes qual o tipo de apoio que a Ucrânia receberia em caso de agressão externa, como a imposição de uma zona de interdição do espaço aéreo, fornecimento de armas e até intervenção militar direta.
Do ponto de vista econômico, o Comunicado de Istambul previa a entrada da Ucrânia na União Europeia, contando com apoio explícito da parte russa para que o processo fosse concretizado. De acordo com o texto do comunicado, os Estados-garantes "confirmam a sua intenção de facilitar a entrada da Ucrânia na União Europeia".

"Naquele momento, foi considerado aceitável para as partes garantir a neutralidade militar da Ucrânia, mas não a econômica - uma vez que a entrada na União Europeia seria garantida", disse Teixeira. "Mas sabemos, a exemplo do que aconteceu com outros países do Leste Europeu, que a Europa não teria tantas vantagens econômicas a oferecer para a Ucrânia."

Além disso, a Rússia insistiu em incluir cláusulas sobre a desnazificação do governo e da legislação ucraniana, proibindo o culto de personalidades associadas ao nazismo e a propagação de ideias extremistas nas Forças Armadas de Kiev. O texto do comunicado determinava que a Ucrânia banisse "todas as formas de fascismo, nazismo, neonazismo e nacionalismo agressivo".
Apesar do contexto extremamente sensível, o Comunicado de Istambul mostra que tanto a Rússia, quanto a Ucrânia, tinham interesse em encerrar o conflito ainda nas suas primeiras semanas. E, ainda mais importante: ambos os países sabiam como atingir a paz e compreendiam as linhas gerais das demandas de cada um.
© Sputnik / Aleksandr KryazhevNegociações entre Rússia e Ucrânia
Negociações entre Rússia e Ucrânia - Sputnik Brasil, 1920, 25.04.2024
Negociações entre Rússia e Ucrânia
No entanto, o acordo não foi assinado. A expectativa de que os chefes de Estado da Rússia, Vladimir Putin, e da Ucrânia, Vladimir Zelensky, se reunissem em Jerusalém sob os auspícios de Israel para assinar o acordo foi por água abaixo.

A culpa foi de quem?

De acordo com a revista Foreign Affairs, a intervenção de autoridades ocidentais, como o então primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, e o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, levaram a Ucrânia a desistir do processo de paz e apostar na escalada do conflito.
Os autores explicam que "os parceiros ocidentais de Kiev estavam relutantes em serem incluídos nas negociações com a Rússia" ou em fornecer garantias de segurança para a Ucrânia.
"Então, ao invés de receber o Comunicado de Istambul e subsequente processo diplomático, o Ocidente aumentou a ajuda militar para Kiev e a pressão sobre a Rússia, incluindo pela imposição de regime de sanções cada vez mais fortes", escrevem os autores na Foreign Affairs.
De fato, durante entrevista à emissora ucraniana, o chefe da delegação de Kiev, David Arakhamia, relatou que "após o nosso retorno de Istambul, Boris Johnson visitou Kiev e disse que nós não deveríamos assinar nada com os russos e [disse] 'vamos só continuar lutando'".
"O que levou ao fracasso das negociações, mesmo com as concessões de ambos os lados, foi o patrocínio ocidental à Ucrânia", disse Teixeira. "O interesse ocidental é manter um constante atrito com a Rússia, na esperança de enfraquecê-la. Não há interesse do Ocidente na paz, mas sim na guerra."
Além disso, durante suas visitas a Kiev, Johnson e Austin garantiram amplo apoio militar a Kiev, gerando na liderança ucraniana, em particular em Zelensky, a "confiança de que poderiam vencer a Rússia no campo de batalha", escreve a revista norte-americana.
© Sputnik / Assessoria de Imprensa do primeiro-ministro do Reino Unido / Acessar o banco de imagensO premiê britânico, Boris Johson (à esquerda), e o presidente ucraniano, Vladimir Zelensky (à direita ), durante um encontro em Kiev, 1º de fevereiro de 2022
O premiê britânico, Boris Johson (à esquerda), e o presidente ucraniano, Vladimir Zelensky (à direita ), durante um encontro em Kiev, 1º de fevereiro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 25.04.2024
O premiê britânico, Boris Johson (à esquerda), e o presidente ucraniano, Vladimir Zelensky (à direita ), durante um encontro em Kiev, 1º de fevereiro de 2022
Para o pós-doutorando em História Política pela UERJ e pesquisador do NUCLEAS/UERJ, João Cláudio Platenik Pitillo, ao desistir das negociações, a Ucrânia reafirmou seu compromisso com a solução militar "sob total tutela da OTAN".
"A partir desse momento, a tutela da OTAN sobre Kiev terá como único assunto a guerra, seja a partir das sanções econômicas, seja no campo de batalha. Isso exclui qualquer possibilidade de armistício, de paz ou debate diplomático", disse Pitillo à Sputnik Brasil. "A Ucrânia perde a autonomia em relação aos rumos do conflito."
© AFP 2023 / Mandel NganO presidente dos EUA, Joe Biden, e o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, saem do Salão Oval em 25 de maio de 2023
O presidente dos EUA, Joe Biden, e o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, saem do Salão Oval em 25 de maio de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 25.04.2024
O presidente dos EUA, Joe Biden, e o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, saem do Salão Oval em 25 de maio de 2023
Segundo o especialista, as frações mais belicosas do governo ucraniano "já planejavam a escalada militar" e colaboraram para enterrar o processo de paz e o Comunicado de Istambul.
"Além disso, não podemos esquecer que as sanções econômicas aplicadas pelos EUA e UE influenciaram o processo decisório no governo ucraniano", disse Pitillo. "As sanções levaram Kiev a crer que a Rússia seria enfraquecida economicamente a ponto de prejudicar seriamente a sua capacidade bélica."
© AP Photo / Susan WalshJoe Biden, presidente dos EUA, se reúne com Vladimir Zelensky, presidente da Ucrânia, nos bastidores da Cúpula do G7 em Hiroshima, Japão, 21 de maio de 2023
Joe Biden, presidente dos EUA, se reúne com Vladimir Zelensky, presidente da Ucrânia, nos bastidores da Cúpula do G7 em Hiroshima, Japão, 21 de maio de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 25.04.2024
Joe Biden, presidente dos EUA, se reúne com Vladimir Zelensky, presidente da Ucrânia, nos bastidores da Cúpula do G7 em Hiroshima, Japão, 21 de maio de 2023
O historiador Pitillo também nota a inexperiência do presidente ucraniano, já que "Zelensky é um político novo e despreparado, que foi seduzido pela [...] possibilidade de ascender como uma liderança que derrotaria a Rússia".
Apesar da grande oportunidade de paz perdida, o Comunicado de Istambul ainda poderá servir de valioso rascunho para negociações futuras, apontam os analistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
"Os termos dessas negociações certamente voltarão à mesa em um momento propício", acredita Teixeira. "Mas, para isso, a Ucrânia precisa se desvencilhar do apoio ocidental, que tem sido prejudicial para o seu futuro."
O historiador Pitillo nota o interesse da Rússia em negociar, mas entende "que há um certo ceticismo por parte dos russos em tratar com essa liderança ucraniana atual, que abandonou as negociações [em Istambul] e continua apostando em uma solução militar".
Segundo Teixeira, Kiev deve considerar a negociação frente à baixa popularidade do conflito no Ocidente e às dificuldades no campo de batalha, que podem levar ao desengajamento de EUA e aliados.
© AP Photo / LibkosSoldados ucranianos cobrem os ouvidos para se proteger do bombardeio de tanques russos na região de Zaporozhie. Ucrânia, 2 de julho de 2023
Soldados ucranianos cobrem os ouvidos para se proteger do bombardeio de tanques russos na região de Zaporozhie. Ucrânia, 2 de julho de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 25.04.2024
Soldados ucranianos cobrem os ouvidos para se proteger do bombardeio de tanques russos na região de Zaporozhie. Ucrânia, 2 de julho de 2023
No entanto, Washington mantém seu papel com a aprovação do novo pacote de ajuda financeira e militar à Ucrânia. Apesar de transferir parte dos recursos a Kiev sob a forma de empréstimos, o governo Biden sinaliza que, apesar das turbulências, manterá o apoio à solução militar.
"É de se notar que esses governos que falam tanto sobre a democracia e a liberdade apoiem uma guerra que, como agora sabemos, poderia ter sido resolvida lá atrás", lamentou Pitillo.
Segundo ele, a manutenção do conflito "garante vantagens econômicas aos EUA para a indústria militar dos países ocidentais, como França, Reino Unido e Alemanha. O componente financeiro fala alto: o imperialismo consegue fazer da guerra um grande negócio", concluiu o especialista.
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