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No jardim dos orgulhosos: um olhar sobre a Cúpula CELAC-União Europeia

© AP Photo / Geert Vanden WijngaertPresidente do Conselho Europeu, Charles Michel, o presidente brasileiro Lula da Silva, o presidente do Chile, Gabriel Boric, e a chanceler de El Salvador, Alexandra Hill Tinoco, durante a Cúpula CELAC-UE em Bruxelas, Bélgica, 17 de julho de 2023
Presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, o presidente brasileiro Lula da Silva, o presidente do Chile, Gabriel Boric, e a chanceler de El Salvador, Alexandra Hill Tinoco, durante a Cúpula CELAC-UE em Bruxelas, Bélgica, 17 de julho de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 18.07.2023
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A terceira reunião de cúpula entre a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e a União Europeia teve lugar em Bruxelas nos dias 17 e 18 de julho. Como forma de aproximar as lideranças dos dois blocos, o evento também evidencia importantes diferenças políticas em relação a temas atuais da agenda global.
A princípio, é preciso lembrar que a CELAC foi criada em 2010 com o objetivo de fortalecer iniciativas de integração regional na América Latina sem a participação dos Estados Unidos e do Canadá, promovendo a região como um polo político independente e como um dos centros de influência do mundo multipolar em construção.
A ideia era dissociar a América Latina da famigerada Doutrina Monroe, segundo a qual os Estados Unidos indicavam que o continente estava fora do alcance da influência europeia, o que o tornava essencialmente parte integrante de uma incontestável esfera de influência americana. De certo modo, a realização da cúpula CELAC-União Europeia, por sua vez, indica que o Velho Mundo ainda demonstra certo interesse pela América Latina, especialmente em vista do enfraquecimento da presença estadunidense na região em termos de investimento e comércio.
Ademais, além de incentivar o crescimento do comércio regional, o desenvolvimento econômico e a maior cooperação política entre seus membros, a CELAC também visa aumentar os contatos políticos da América Latina e Caribe com outros blocos regionais, como é o caso da União Europeia.
Diante desse contexto, no dia 17, por exemplo, Ursula von der Leyen prometeu à delegação latino-americana que a União Europeia pretende investir cerca de 45 bilhões de euros na região até 2027, enfatizando segmentos como energia limpa e matérias-primas. Há interesse também por parte dos europeus em minerais considerados estratégicos como é o caso do lítio na Argentina e no Chile, e ambos os países estão nos planos para o recebimento de financiamento nesse setor.
Aqui, percebe-se que a União Europeia sinaliza sua intenção de rivalizar em algum grau com a influência política da China na América Latina. Contudo, Pequim continuará bastante a frente dos europeus em termos de importância econômica para o continente, sobretudo no plano comercial, dado que a China é a principal importadora de produtos e commodities dos países latino-americanos. A China, aliás, tem se tornado referência no processo de transferência de tecnologias para a América Latina, papel esse que no passado era exercido justamente pelos Estados Unidos e pela Europa (sobretudo Alemanha e França).
No mais, a importância da presença de líderes da CELAC em Bruxelas também envolve a promoção de uma posição comum por parte da América Latina e Caribe na discussão de grandes temas da agenda internacional. Nesse contexto, um dos assuntos que diferenciam a Europa dos países latino-americanos, e do Sul Global como um todo, é sua abordagem quanto ao conflito na Ucrânia.
No próprio discurso do presidente brasileiro no dia de abertura da cúpula, Lula enfatizou que a corrida armamentista hoje em curso no continente europeu dificulta o enfrentamento das questões climáticas no mundo todo. Não obstante, segundo Lula, a canalização de recursos para a finalidade bélica culmina por desviar investimentos necessários em demais áreas essenciais para a economia, como a ampliação de programas sociais.
Hoje, vale lembrar, a Europa vive um cenário de inflação alta e tumultos populares constantes (vide o caso da França), em boa medida resultante de suas políticas de auxílio financeiro e militar a Kiev, no intuito de prolongar o conflito com a Rússia. Enquanto isso, tentativas por parte do Sul Global de propor uma solução para o fim das hostilidades encontra resistência por parte das lideranças europeias, que se recusam a dar ouvidos aos anseios da maior parte da comunidade internacional.
A partir da esquerda, Pedro Sanchéz, primeiro-ministro da Espanha, Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, Lula da Silva, presidente do Brasil, e Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, posam para fotos durante terceira cúpula UE-CELAC, em Bruxelas, Bélgica, 17 de julho de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 17.07.2023
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Não nos esqueçamos também que contribuir para a consolidação de um mundo multipolar e democrático trata-se de um dos principais objetivos dos países da CELAC. Por outro lado, o que esperar da União Europeia, cuja liderança compara o resto do mundo a uma selva, ao mesmo tempo em que se considera um jardim? A resposta é simples: a manutenção de um injusto status-quo.
Isso porque a visão de um mundo unipolar chefiado pelo Ocidente conta com a plena anuência dos países europeus. Assim sendo, a CELAC (enquanto quarta maior economia do mundo em seu conjunto e como maior produtor mundial de alimentos) não poderia estar mais distante da União Europeia em termos de aspiração política, tendo em vista sua defesa de uma redistribuição do poder global para novos polos de poder emergentes.
Diante desse quadro, discussões em torno de problemas como proteção ambiental, segurança alimentar e promoção dos direitos humanos acabam perdendo força, dado que os europeus continuam defendo seus privilégios sistêmicos em instituições de governança global, como é o caso do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional.
Como mencionado pelo presidente brasileiro Lula, é inadiável a necessidade de reforma dos principais mecanismos de tomada de decisão internacional, uma vez que "as legítimas preocupações dos países em desenvolvimento devem ser atendidas", começando por sua adequada representação nas mais altas instâncias políticas multilaterais.
© AP Photo / Geert Vanden WijngaertLíderes europeus, latino-americanos e caribenhos posam para uma foto de grupo durante a Cúpula UE-CELAC em Bruxelas, Bélgica, 17 de julho de 2023
Líderes europeus, latino-americanos e caribenhos posam para uma foto de grupo durante a Cúpula UE-CELAC em Bruxelas, Bélgica, 17 de julho de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 18.07.2023
Líderes europeus, latino-americanos e caribenhos posam para uma foto de grupo durante a Cúpula UE-CELAC em Bruxelas, Bélgica, 17 de julho de 2023
A Europa, por sua vez, protela qualquer tipo de reforma na governança internacional, impedindo a redistribuição do poder de voto para as economias emergentes, muitas delas presentes na própria América Latina. Não foi por acaso, portanto, que o G7 perdeu seu papel como gestor principal da agenda financeira global para o G20 e o BRICS.
De todo modo, ainda que a União Europeia resista em aceitar as transformações sem precedentes ocorrendo hoje no sistema, nada será capaz de impedir que fóruns como a CELAC adquiram cada vez mais importância nas discussões em torno da democratização das relações internacionais.
Ora, a governança mundial já não se encontra mais restrita a um seleto grupo de países pertencentes ao Velho Mundo. Por outro lado, ao voltarem de Bruxelas, as lideranças latino-americanas deverão continuar lutando pela melhora de sua posição nesse mundo multipolar em construção. Afinal, os europeus não abrirão mão de seus privilégios tão fácil, e, por mais que se escondam atrás de discursos sobre cooperação e amizade, no fundo a Europa ainda representa uma espécie de jardim, mas um jardim dos orgulhosos.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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