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Lula e Netanyahu: trocas de farpas podem ocorrer, mas pragmatismo deve se sobrepor, dizem analistas

© AFP 2023 / Jack GuezBandeiras de Israel e do Brasil no aeroporto internacional Ben Gurion, em Tel Aviv, em Israel (foto de arquivo)
Bandeiras de Israel e do Brasil no aeroporto internacional Ben Gurion, em Tel Aviv, em Israel (foto de arquivo) - Sputnik Brasil, 1920, 17.02.2023
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Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas apontam que a ascensão do governo Lula, com visões ideológicas opostas às de seu antecessor, pode gerar rusgas com o governo ultraconservador de Benjamin Netanyahu, mas rompimento de relações é improvável.
O presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), Jorge Vianna, disse no início deste mês que a agência estuda mudar seu escritório em Israel de Jerusalém para Tel Aviv.
A declaração foi vista como um indício de mudança nas relações entre Brasil e Israel, que completaram 74 anos na última semana. Isso porque o escritório da Apex-Brasil em Jerusalém foi inaugurado em 2019, na esteira de uma série de declarações do então presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, sobre emular a decisão do governo americano, na época sob comando de Donald Trump, e reconhecer Jerusalém como capital de Israel. Entre as medidas anunciadas por Bolsonaro na época estava a transferência da Embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém.
Em dezembro de 2019, o escritório da Apex-Brasil foi inaugurado em Jerusalém. Na ocasião, o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do então presidente, anunciou a inauguração como o primeiro passo para a transferência da Embaixada brasileira, que nunca se concretizou.
Agora, com a ascensão do governo Luiz Inácio Lula da Silva e sua intenção de resgatar o papel do Brasil como ator diplomático global, a declaração de Vianna abriu a discussão sobre como ficam as relações do Brasil com Israel, especialmente após Benjamin Netanyahu retornar ao poder liderando uma coalizão ultraconservadora.
Para entender quais as perspectivas para as relações entre Brasil e Israel sob o novo governo, a Sputnik Brasil conversou com os especialistas Leonardo Paz, cientista político e analista de inteligência do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV NPII), e Karina Calandrin, professora de relações internacionais da Universidade de Sorocaba (Uniso) e colaboradora do Instituto Brasil–Israel (IBI).
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Leonardo Paz destaca que a declaração de Vianna não indica uma mudança propriamente dita, mas sim um retorno "à posição tradicional brasileira de não interferir nas questões de Jerusalém". Ele explica que essa visão coloca Jerusalém como uma questão interna a ser resolvida por Israel, de maneira não unilateral, e é adotada por quase todos os países que têm embaixadas no país. "A maior parte dos países entende que a questão de Jerusalém é uma questão não pacificada."
Karina Calandrin compartilha da opinião e diz que a inauguração do escritório da agência em Jerusalém em 2019 "foi algo simbólico, uma sinalização para tentar agradar o governo de Israel da época".
Mas, para além da retórica, ela destaca que Bolsonaro não promoveu mudanças significativas nas relações com Israel, pois não seria de interesse nem político nem econômico.
"Não pôde ser feita a mudança da embaixada por pressão dos países árabes, que são grandes importadores de carne do Brasil. O próprio agronegócio barrou essa mudança. Então o Brasil teve que manter a postura histórica e a embaixada nunca mudou [de cidade]. O que foi aberto foi esse escritório, que é algo muito simbólico, não significa muita coisa", diz Calandrin.
Ela destaca que atualmente a grande diferença entre os governos Lula e Netanyahu está no espectro ideológico.

"O Brasil vai para um governo mais progressista, de esquerda, enquanto Israel está na coalizão mais à direita da história do país. Nunca a extrema-direita tinha feito parte do governo de Israel como agora. É uma situação inédita para a política de Israel", destaca a especialista.

Calandrin ressalta que a relação entre Brasil e Israel "vai depender muito do que será feito na política israelense a partir de agora".
"Se, por exemplo, a reforma do Judiciário [proposta por Netanyahu] for aprovada, se políticas contra palestinos e contra árabes israelenses forem tomadas, como o próprio governo sinaliza, nós veremos um discurso muito forte do Brasil contra isso. Um discurso como tinha nos outros governos do PT, a favor dos direitos humanos."
Ela acrescenta que medidas antidemocráticas podem isolar mais Israel no cenário internacional, mas não considera que haverá grandes mudanças na relação com o Brasil.

"Não sei se essa pauta vai ter tanta importância, porque o Brasil tem relação com outros países que não são democráticos. Então não acho que vai ter rompimento de relações, mas pode ter um discurso muito duro tanto pela chancelaria [brasileira] quanto em organismos internacionais."

Leonardo Paz destaca que, por conta das controvérsias que Netanyahu enfrenta no cenário doméstico, o Brasil se tornou um dos menores problemas para o governo israelense.
"Ele [Netanyahu] está envolto em uma situação tão complexa por conta dessa reforma constitucional que ele quer fazer, dando ao Congresso a última palavra em relação a decisões do Supremo, que acho que essa mudança [de posicionamento] do Brasil é uma coisa [...] pequenininha perto dos problemas que ele tem no seu dia a dia."
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Citando a mudança no escritório da Apex-Brasil para Tel Aviv, Paz diz que "é possível que haja uma crítica pública do governo israelense, mas que Netanyahu não perderá muito tempo com isso".

"Porque ele sabe que realmente é custoso para países como o Brasil, que têm relações tradicionais com palestinos e árabes, manter esse tipo de coisa. Então não acho que vai gerar nenhuma grande celeuma, nenhuma grande crise diplomática."

Ele acrescenta que a mudança de cidade da agência também não trará impactos comerciais negativos. "Muito pelo contrário, Tel Aviv é uma cidade muito mais vibrante economicamente do que Jerusalém. Me parece um espaço mais forte para o ambiente econômico."

Eventuais trocas de farpas são esperadas

Calandrin aponta que há possibilidade de troca de farpas entre os governos de Brasil e Israel caso o discurso brasileiro em relação a Israel venha a desagradar Netanyahu e destaca um episódio ocorrido em 2014, quando o Brasil foi chamado de "anão diplomático" pela chancelaria israelense após se posicionar contra a operação que o país conduzia na época em Gaza.
"Considerando o atual governo de Israel, a gente pode ver, sim, troca de farpas. Até porque as relações que eram estabelecidas durante o governo Bolsonaro eram muito focadas nas figuras. Tanto que no começo do governo Bolsonaro quem estava no poder era o Benjamin Netanyahu, e ao longo do governo outros dois primeiros-ministros passaram, o Naftali Bennett e o Yair Lapid, e as relações ficaram diferentes, porque antes elas eram muito estabelecidas nas figuras do Netanyahu e do Bolsonaro", diz Calandrin.
Ela ressalta que Bolsonaro tinha maior ligação com Netanyahu por influência da bancada evangélica brasileira, mas principalmente por intermédio de Trump.

"Netanyahu não era amigo de Bolsonaro, mas eles tinham uma relação mais próxima intermediada por Donald Trump, que é amigo pessoal de Netanyahu. Isso ajudou a estabelecer essa relação entre Bolsonaro e Netanyahu, mas eles não são amigos nem nada do gênero."

Ela afirma que a ascensão de Lula retoma o pragmatismo nas relações, que deve se sobrepor às eventuais rusgas diplomáticas por conta da busca do Brasil "em se colocar em um lugar no sistema internacional de mediador de conflitos e de defesa dos mais fracos". "Acredito que o que vai acontecer é a manutenção das relações pragmáticas. Não deve ter corte de relações, ao mesmo tempo que as relações comerciais vão se manter como sempre foram."
Questionada sobre o que o Brasil teria a perder com um eventual afastamento de Israel, Calandrin ressalta que o peso de Israel para a balança comercial brasileira "é insignificante, tanto em termos de exportação quanto em termos de importação".
"Realmente não tem significância, por exemplo, comparado ao conjunto dos países árabes, que é o maior importador de carne halal, que é a carne própria para o consumo muçulmano, do Brasil. O Brasil é o maior exportador da carne halal", finaliza a especialista.
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