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Analista: China apresenta ao mundo uma nova globalização, pautada no fomento de bens públicos

© AP Photo / Selim ChtaytiO presidente da China, Xi Jinping, discursa durante visita a Hong Kong, em 30 de junho de 2022 (foto de arquivo)
O presidente da China, Xi Jinping, discursa durante visita a Hong Kong, em 30 de junho de 2022 (foto de arquivo) - Sputnik Brasil, 1920, 23.01.2023
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Em entrevista ao podcast Mundioka, Elias Khalil Jabbour, autor de "China: o socialismo do século XXI", diz que a China "não quer o fardo de ser dona do mundo, como os EUA", mas sim fortalecer outros Estados para alavancar a geopolítica multipolar.
A China é, sem sobra de dúvida, uma das grandes potências do mundo contemporâneo. É um dos países que mais cresceram nas últimas décadas, com uma média de 10% ao ano, e se colocou no cenário global como uma possível rival dos Estados Unidos na ascensão do mundo multipolar.
Mas o país tem um complexo sistema, que se divide entre o socialismo, implantado pelo Partido Comunista Chinês (PCC), e o capitalismo. Essa combinação traz a seguinte dúvida: afinal, a China é um país socialista ou capitalista?
Para responder a essa questão, as jornalistas Melina Saad e Thaiana de Oliveira, do podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, entrevistaram Elias Khalil Jabbour, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas (PPGCE) e do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais (PPGRI) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e coautor do best-seller "China: o socialismo do século XXI", com Alberto Gabriele.
O livro é fruto de trabalhos teóricos e estatísticos dos autores e analisa a China como a locomotiva do sistema econômico global que o país se tornou, além de fazer uma reflexão sobre o que é o socialismo chinês. Ele também aborda quais são as perspectivas para a relação do Brasil com a China, a principal parceira comercial do país, na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
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Na entrevista, questionado sobre o que permitiu a ascensão da China como vista hoje, Jabbour destaca que ela é fruto "da capacidade do país de gerir seus próprios interesses, dentro dos esquemas que eles mesmos [os líderes chineses] construíram", especialmente no período pós-Segunda Guerra Mundial.

"Diferentemente do Japão e da Coreia do Sul, que são países que emergem a partir do pós-Segunda Guerra Mundial atrelados à área de influência dos EUA, a China fez uma revolução em 1949, que deu liberdade de manobra para gerir sua política externa de acordo com seus interesses", explica Jabbour.

Ele acrescenta que, aliado a essa revolução, "a China construiu uma boa base material nos últimos 40 anos, que garantiu ao país mais soberania diante do mundo".
"Ela [a China] se transformou na oficina do mundo, no maior credor líquido do mundo. A China, sozinha, empresta para os países em desenvolvimento mais do que o FMI e o Banco Mundial juntos. E hoje a China é a maior provedora de bens públicos do mundo, ela instala milhares de ferrovias mundo afora, rodovias."
Segundo Jabbour, esse fomento financeiro e em infraestrutura contribui "para que a China seja bem-sucedida na questão política".
Questionado sobre se classifica a posição da política externa da China como neutra, Jabbour é categórico ao afirmar que não.

"Não tem neutralidade na política. A China busca os interesses dela, assim como nós deveríamos buscar os nossos interesses e os americanos buscam os deles. Cabe a nós, aqui no Brasil, observar essa tendência da China, de como ela opera sua política externa, e buscar oportunidades para o Brasil [a partir] dessa política externa que a China tem. E não são poucas as oportunidades abertas ao Brasil."

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Ele acrescenta que a China tem de fato uma tradição de não intromissão em assuntos de outro país, mas pondera que "isso não significa neutralidade".
Jabbour afirma que o interesse do Brasil pela China aumentou muito nos últimos anos, mas esse aumento ainda "é insuficiente para que seja construído um pensamento nacional brasileiro capaz de orientar a situação do Brasil com a China".

"Boa parte dos estudos sobre a China é carregada de estereótipos, de preconceitos e de juízo de valor. Por isso acabamos sendo levados a ter uma desinformação muito grande sobre a China e perdemos oportunidades que a China pode oferecer."

Questionado sobre se a China é socialista ou capitalista, Jabbour destaca que, "do ponto de vista do marxismo, essa é uma falsa polêmica".
Ele diz que "a China tem uma miríade de modos de produção e relações sociais de produção e troca, que bailam entre si", mas que "o que predomina no fim das contas é a forma pública de propriedades".
"A China tem hoje 96 conglomerados empresariais estatais no núcleo estratégico da sua economia, empresas do porte da Petrobras. É o setor público que entrega os efeitos de encadeamento de que o setor privado se aproveita para poder existir. É o setor público que gera os ciclos de acumulação da economia. Além do mais, a China é o país onde os bilionários e ricos capitalistas não ocupam poder político."
Jabbour acrescenta que, por esses fatores, acredita que a China é uma formação econômica social orientada ao socialismo, mas um socialismo embrionário, "envolto em contradições de múltiplas ordens, que se combinam com as contradições típicas do capitalismo".
O especialista ressalta que o modelo implantado na China não é uma ameaça a nenhum outro Estado e destaca que o país é o que tem a maior mobilidade social do mundo.

"É o país que mais cresce no mundo; consequentemente, quando se aumenta a renda do país, as possibilidades de mobilidade social são imensas. O Brasil é o extremo oposto, onde não tem dinheiro circulando, tem um conflito distributivo, gera estagnação social, estratificação social. Isso dá margem para que o fascismo ganhe possibilidade de ação entre muitos membros da sociedade. Vide Brasil, EUA e Europa, onde a estratificação social corre a céu aberto."

Sobre a China representar uma ameaça aos EUA, Jabbour refuta a ideia e diz que "quem tem que se sentir ameaçada é a China".
"Não tem nenhum porta-avião chinês perto do golfo do México, a China não se constituiu uma ameaça militar aos EUA, muito pelo contrário. Se observamos o mapa-múndi e as bases militares americanas que existem pelo mundo, tem bases que cercam a China."
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Ele acrescenta que, para a China, o fardo de ser uma potência militar seria muito grande. "Tanto é que ela [a China] quer que o Brasil seja forte, que a Rússia seja forte, que a África se conforme como um polo a compor o mundo multipolar. Ou seja, a China não quer ter esse fardo de ser a 'dona do mundo', como os americanos querem", destaca Jabbour.
Segundo Jabbour, a China está redesenhando a geopolítica global, na medida em que "entrega ao mundo hoje uma outra forma de globalização".
"Uma globalização alternativa à globalização financeira da década de 1990, que é centrada na exportação de bens públicos, como estradas e ferrovias, que é a Nova Rota da Seda", diz o especialista.
Ele afirma que "as pessoas não querem lição de democracia, elas querem dinheiro, desenvolvimento, infraestrutura, indústria".

"E quem está oferecendo isso ao mundo hoje? A China. Por isso é quase que natural essa tentativa de muitos países de fazer parte do BRICS, porque é uma alternativa real à dominação exercida pelo chamado Ocidente, essa meia dúzia de países que se reúnem de vez em quando no G7 e acham que o mundo pensa como se estivéssemos 50 anos atrás."

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