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Com orçamento militar recorde, EUA podem aumentar interesse pela América Latina?

© Sputnik / STRINGERPresidente norte-americano, Joe Biden, com a então primeira-ministra sueca, Magdalena Andersson, e o presidente finlandês, Sauli Niinisto, durante declaração conjunta à imprensa após reunião na Casa Branca
Presidente norte-americano, Joe Biden, com a então primeira-ministra sueca, Magdalena Andersson, e o presidente finlandês, Sauli Niinisto, durante declaração conjunta à imprensa após reunião na Casa Branca - Sputnik Brasil, 1920, 28.12.2022
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Na sexta-feira (23), o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, assinou a Lei de Autorização de Defesa Nacional (NDAA, na sigla em inglês) para 2023, liberando o recorde de quase US$ 850 bilhões (cerca de R$ 4,5 trilhões) em financiamento à Defesa. A Sputnik Brasil ouviu dois pesquisadores para discutir os possíveis impactos na América Latina.
Conforme publicou o Departamento de Defesa dos EUA, a NDAA prevê a proibição de qualquer cooperação militar norte-americana com a Rússia, além de cerca de US$ 800 milhões (cerca de R$ 4,23 bilhões) em ajuda à Ucrânia e US$ 10 bilhões (R$ 52,94 bilhões) para modernizar as capacidades de segurança de Taiwan — o que deve acirrar as tensões com a China.
A competição dos EUA com Pequim, porém, não está apenas na Ásia. No fim de julho, durante a XV Conferência de Ministros de Defesa das Américas (CMDA), o secretário de Defesa norte-americano, Lloyd Austin, chegou a afirmar que a estabilidade democrática na América Latina estaria ameaçada pelo "esforço da China para obter influência".
Para discutir o assunto e os possíveis desdobramentos do novo orçamento de defesa na América Latina, a Sputnik Brasil conversou com a pesquisadora Isabela Gama, especialista em segurança e teoria das relações internacionais e BRICS e pesquisadora pós-doutoranda da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME); e João Cláudio Pitillo, professor de história e membro do Núcleo de Estudos das Américas (Nucleas) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Os pesquisadores analisaram a fala do secretário de Defesa norte-americano e avaliaram os objetivos da inclusão de Taiwan e Ucrânia no orçamento de defesa dos EUA. Além disso, os especialistas comentaram a situação das relações da América Latina com a Rússia e com a China e apontaram os possíveis efeitos da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva nesse processo.
© AP Photo / Susan WalshO secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin (à esquerda), durante briefing com o chefe do Estado-Maior Conjunto do país, o general Mark Milley, no Pentágono, em Washington, em 16 de novembro de 2022
O secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin (à esquerda), durante briefing com o chefe do Estado-Maior Conjunto do país, o general Mark Milley, no Pentágono, em Washington, em 16 de novembro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 28.12.2022
O secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin (à esquerda), durante briefing com o chefe do Estado-Maior Conjunto do país, o general Mark Milley, no Pentágono, em Washington, em 16 de novembro de 2022

Influência chinesa na América Latina atrai atenção dos EUA

Sobre a possibilidade de a América Latina entrar no radar do Pentágono por conta da maior influência da China, a especialista Isabela Gama explica que durante um período a região ficou fora das principais preocupações dos EUA. Isso porque "outras regiões mais instáveis passaram a carecer de mais recursos e atenção por parte dos EUA".
Segundo aponta Gama, em entrevista à Sputnik Brasil, a atenção norte-americana retornou para a região após o aumento da influência chinesa. Porém ela diz não acreditar que Washington use como pretexto para impor sua presença uma suposta instabilidade política, como ocorreu no passado.

"A China está presente em quase todos os lugares, e essa questão de os Estados Unidos dizerem que existe uma instabilidade democrática [na América Latina] é uma desculpa para intervir um pouco mais. Nós não temos tantos problemas de instabilidade democrática assim que careçam de intervenções. Acredito que essa seja uma desculpa norte-americana para realmente tentar se posicionar um pouco mais dentro da região", afirma.

© AP Photo / Andy WongO presidente chinês, Xi Jinping, com o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, durante a visita do último à China
O presidente chinês, Xi Jinping, com o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, durante a visita do último à China - Sputnik Brasil, 1920, 28.12.2022
O presidente chinês, Xi Jinping, com o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, durante a visita do último à China
Questionada sobre se o aporte financeiro de Washington à Ucrânia e Taiwan seria uma forma de conter a China, Gama destaca que os EUA passaram por um período dormente no que tange a ter uma presença forte em determinados locais. Diante disso, ela diz não ter dúvidas de que o aporte é uma forma de retomar essa influência.

"Com os avanços da Rússia e da China para outros territórios, os Estados Unidos precisaram manter sua presença mais firme em determinados locais. No caso da Rússia e da Ucrânia é também uma necessidade de não deixar a Europa sucumbir. Afinal de contas, esse conflito está drenando recursos da Europa", diz.

Em relação à Venezuela, Gama afirma que a proximidade de Caracas com a Rússia protege os venezuelanos de uma possível intervenção norte-americana.

"Com relação ao petróleo venezuelano ou qualquer outra questão venezuelana, por mais que seja um assunto em pauta constantemente em diversos fóruns, dificilmente os Estados Unidos vão intervir em qualquer questão venezuelana por conta da proximidade venezuelana com a Rússia", avalia.

© Reprodução / Embaixada da Rússia na VenezuelaAvião russo, no Aeroporto Internacional de Maiquetía, na Venezuela, entrega segundo lote de testes para COVID-19 doados pela Rússia ao país aliado. A entrega foi realizada em 8 de abril de 2020
Avião russo, no Aeroporto Internacional de Maiquetía, na Venezuela, entrega segundo lote de testes para COVID-19 doados pela Rússia ao país aliado. A entrega foi realizada em 8 de abril de 2020 - Sputnik Brasil, 1920, 28.12.2022
Avião russo, no Aeroporto Internacional de Maiquetía, na Venezuela, entrega segundo lote de testes para COVID-19 doados pela Rússia ao país aliado. A entrega foi realizada em 8 de abril de 2020
A especialista também descarta uma eventual tentativa de Washington de enfraquecer o BRICS, pois seria uma manobra demasiadamente complexa, que demandaria muitos recursos e aporte político. Segundo ela, o que existe é uma possibilidade de os EUA tentarem elevar a presença na América Latina fortalecendo a implementação de bases militares na região.

"Existe, sim, esse interesse norte-americano de reforçar a sua presença militar dentro da América Latina. Porque isso talvez traria outros benefícios não só em termos de defesa, mas também de uma presença que pode se expandir para outras áreas", pondera.

Já em relação à possibilidade de que a ascensão de governos de esquerda na América Latina possa servir de incentivo para que os EUA tentem retomar o protagonismo político na região, Isabela Gama ressalta que "não estamos mais na Guerra Fria".
"Não existe nenhum perigo de comunismo. A nossa esquerda [no Brasil] não poderia ser mais de centro. Existem alguns poucos governos na América Latina que se denominam de esquerda e que agem um pouco mais fora de uma curva, inclusive para uma esquerda política", afirma.
© AP Photo / Themba HadebeMulher passa diante de cartaz em homenagem ao ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela durante encontro do BRICS em Joanesburgo, na África do Sul, em 27 de julho de 2018
Mulher passa diante de cartaz em homenagem ao ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela durante encontro do BRICS em Joanesburgo, na África do Sul, em 27 de julho de 2018 - Sputnik Brasil, 1920, 28.12.2022
Mulher passa diante de cartaz em homenagem ao ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela durante encontro do BRICS em Joanesburgo, na África do Sul, em 27 de julho de 2018
Gama conclui destacando que não é a vertente política que estimula os EUA a retomarem o protagonismo na região, mas sim a presença da China, como ocorre em outras regiões do mundo onde os EUA vêm perdendo espaço.

"Não é uma questão de esquerda ou direita, é uma questão de perda de espaço para outros Estados, especialmente a China. Então o uso desse discurso esquerda–direita é muito vazio, não tem significado. É realmente uma grande desculpa. Acredito que vá haver uma tentativa de retomar protagonismo, não só aqui, mas em parte da Europa também, com o uso da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte]. Mas aqui realmente é uma questão da presença chinesa; e, em parte da Europa, é uma questão de tentar tirar a Rússia de cena. Na Ásia, uma tentativa de tirar a China de cena", diz.

'Situação continuada de Guerra Fria'

Para o historiador João Cláudio Pitillo, a expansão do orçamento de defesa dos EUA e a inclusão de Ucrânia e Taiwan na NDAA de 2023 são uma tentativa de aumentar as tensões com Rússia e China, respectivamente, criando um "ambiente belicista". No caso específico de Taiwan, Pitillo acredita que Washington busca impedir o "processo de integração pacífica" com a China.
Questionado sobre a fala do secretário de Defesa dos EUA apontando supostos efeitos negativos da influência da China na região latino-americana, Pitillo avalia que a declaração reflete a manutenção de uma política impositiva de Washington para com a região.

"Talvez o conceito de democracia estadunidense, ainda no século XXI, seja de que os países da América Latina, para serem democráticos, têm que estar sob dominação política, econômica, cultural e social. Ou seja, é uma reedição de uma situação continuada de Guerra Fria", afirma.

© AP Photo / Andy WongXi Jinping durante evento em Pequim
Presidente chinês, Xi Jinping durante evento em Pequim - Sputnik Brasil, 1920, 28.12.2022
Xi Jinping durante evento em Pequim
Na avaliação de Pitillo, a presença do "capital chinês" na América Latina teria interesses principalmente comerciais. Para ele, os EUA não têm condições de competir com a China na região, pois os chineses oferecem condições mais "favoráveis" nas parcerias com os países latino-americanos.

"Da mesma maneira que as empresas estadunidenses tentam se estabelecer na região, a China também tenta, a partir de parcerias e de uma política de ganha-ganha", diz o historiador. "Todos os países aqui que pretendem avançar nas relações com a China vão precisar criar uma salvaguarda interna, discutir políticas internas de não ingerência dos estadunidenses", acrescenta.

© AP Photo / Eraldo PeresO presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, dá entrevista coletiva em Brasília. Brasil, 13 de dezembro de 2022
O presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, dá entrevista coletiva em Brasília. Brasil, 13 de dezembro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 28.12.2022
O presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, dá entrevista coletiva em Brasília. Brasil, 13 de dezembro de 2022
Nesse sentido, Pitillo aponta que a recondução de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência do Brasil coloca Washington em alerta, devido ao histórico do petista de promover políticas de integração regional latino-americana.

"Ele [Lula] parece já ter percebido e emitido sinais de que vai querer avançar nessas discussões não só na América do Sul, mas na América Latina como um todo, e mais: ampliar as relações com China e Rússia a um patamar superior ao de outrora. Isso promete deixar Joe Biden com seus poucos cabelos em pé", diz.

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