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Quais os impactos da retomada econômica da Venezuela no Brasil e na América do Sul?

© AP Photo / NASA TVImagem de satélite da América do Sul divulgada pela NASA, a agência espacial dos Estados Unidos (foto de arquivo)
Imagem de satélite da América do Sul divulgada pela NASA, a agência espacial dos Estados Unidos (foto de arquivo) - Sputnik Brasil, 1920, 21.12.2022
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O mau tempo para a economia venezuelana — solapada principalmente pelas pesadas sanções impostas pelos Estados Unidos nas últimas décadas — parece ter se dissipado.
De acordo com dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), a economia venezuelana crescerá cerca de 12% neste ano e outros 5% em 2023, com desempenho muito superior ao de outros países da região.
Após anos de crise e forte pressão internacional, até com tentativas de golpe, o país sul-americano retoma a estabilidade econômica e política, inclusive atraindo o interesse de governos que investiram fortemente contra a administração de Nicolás Maduro.
Caso, por exemplo, dos próprios EUA: em maio, em meio a pesadas sanções impostas ao petróleo russo, o país norte-americano aprovou a retomada das operações na Venezuela para petrolíferas norte-americanas e europeias.
No mês seguinte, o Departamento de Estado dos EUA, segundo relatou a agência Reuters, permitiu que a italiana Eni e a espanhola Repsol retomassem o fornecimento de petróleo da Venezuela à Europa.
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Bruno Lima Rocha, cientista político, jornalista e professor de relações internacionais, afirma que qualquer crescimento econômico é favorável à região no entorno.
Alguns países, entretanto, costumam se beneficiar mais.
Por outro lado, ele pondera que uma necessidade fundamental é a estabilização da moeda venezuelana, o bolívar, para que o crescimento seja sentido internamente.

"Da natureza geográfica à combinação populacional, o país que mais se beneficia do crescimento econômico da Venezuela é a Colômbia (e vice-versa). Um dos fatores dessa retomada econômica venezuelana também é a distensão na relação com a Colômbia no governo Gustavo Petro. Assim, embora ainda não se tenha chegado a um ponto ótimo, já ajuda a movimentar um pouco. A Venezuela tem um problema seríssimo, que é a própria moeda corrente ter sido muito desvalorizada. É um processo inflacionário absurdo. E a circulação de formas de moeda por meio de trocas é muito importante no país. Na fronteira tem uma moeda, que se negocia com ouro, com dólar paralelo, com euro paralelo. O bolívar não vale muito, o petro (que é uma moeda digital) não avançou no sistema de trocas. Enfim, o crescimento econômico da Venezuela é importante para o entorno, mas é mais importante para se criar algum grau de estabilidade monetária no interior do país", elencou.

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O que Nicolás Maduro pode apreender do legado de Hugo Chávez?

Rocha analisa que o governo de Hugo Chávez foi muito feliz no auxílio à integração regional sul-americana porque um dos fundamentos em qualquer economia capitalista é a conversão de excedentes.
Uma vez que há excedentes, eles se convertem na criação de novas escalas de valor, segundo o cientista político. "A não conversão de excedentes e se manter só no ganho financeiro é essa parasitagem que a gente vê, atualmente, em escala mundial", emendou.
Para elucidar a proposição, o professor de relações internacionais aponta que Chávez aplicou uma parte importante dos excedentes obtidos com o complexo da Petróleos de Venezuela, S.A. (PDVSA, estatal petrolífera venezuelana) no Banco de Desenvolvimento Econômico e Social da Venezuela (Bandes), banco do Estado que é análogo ao BNDES, banco de desenvolvimento brasileiro.
Essa medida, por sua vez, estabeleceu quase que uma escalada concorrencial com o BNDES do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Segundo Rocha, a escalada que Chávez fez com o Bandes ativou cadeias industriais importantes, por exemplo, no Uruguai e na Argentina, além de ter ajudado na recuperação econômica da América do Sul.
Também foi ao encontro dos primeiros anos do governo de Evo Morales para estabilizar a Bolívia economicamente; depois, no Equador, sustentou os projetos de integração da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (Alba), plataforma de cooperação entre países da América Latina e do Caribe.
Na análise do especialista, tudo isso obrigou o BNDES a entrar em cena.

"Quando o Brasil entra em cena, é uma coisa monstruosa. O Brasil é como se fosse um elefante, um paquiderme. Demora para se mexer. Quando se mexe, muda tudo ao seu redor. É esse crescimento combinado, quase uma concorrência entre países do Sul, uma concorrência positiva, cria um círculo virtuoso. Então qualquer retomada da economia venezuelana pode vir a criar esse círculo virtuoso. Está muito distante do que foi a Venezuela de Chávez, mas qualquer retomada é importante, ainda mais na situação quase desesperadora que a Venezuela viveu até pouco tempo atrás.

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O quão estável é esse crescimento da atual economia venezuelana?

De acordo com Rocha, não se pode prever o grau de estabilidade na Venezuela.
Porém, de 2019 para cá, as tentativas de golpe diminuíram, o que ainda não se reflete quando o assunto é a economia interna.

"O nível de pobreza lá é muito alto ainda. E o papel dessa associação entre empresa e Estado é muito elevado. Como a Venezuela quer atrair investidores de qualquer maneira e quer preservar os capitais privados que tem, é quase uma situação-limite para quem é do mundo do trabalho formal", explicou Rocha.

Ele mantém um posicionamento crítico a essas questões internas. Isso porque, segundo ele, os sindicatos são muito reprimidos e os salários, baixos. O país, mesmo no auge do boom petroleiro, nos primeiros dez anos do século XXI, não chegou a ser autossuficiente em alimentos, prossegue.
Um esforço que deve ser permanente do governo, apesar de toda a confusão e desestruturação interna, é a busca pela autossuficiência de alimentos, o que também é um problema energético, segundo o cientista político.

"Os fundamentos macroeconômicos da Venezuela (eu não estou falando de economia financeira; estou falando de produção, energia, remuneração da força de trabalho, capacidade de reinvestir) estão baixos ainda. Pode demorar um pouco até essa recuperação chegar a ser plena ou, quiçá, comparável à dos primeiros dez anos do século XXI, com Chávez à frente."

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Venezuela e o 3º governo Lula

Na percepção do professor de relações internacionais, a recuperação econômica da Venezuela passa pela "pressão brasileira" para que a Venezuela retome a Citgo, subsidiária da PDVSA "que foi roubada pelos gringos", e pela devolução de mais de US$ 1 bilhão (aproximadamente R$ 5,2 bilhões) em ouro depositado em Londres.
A Citgo mantém 15 mil postos de gasolina e estações de serviços nos Estados Unidos desde a década de 1980.
A partir da tentativa de golpe de Juan Guaidó, líder da oposição autodeclarado presidente, em 2019, os EUA confiscaram a empresa de refino e varejo, nomearam um novo conselho de administração e tentam vender suas ações por meio de sentenças judiciais de tribunais locais.

"O Brasil passa a ter um papel muito importante nisso ao criar a normalização das relações diplomáticas com a Venezuela (porque o que o [presidente Jair] Bolsonaro fez é um absurdo, é uma aberração) e, na sequência, insistir em uma saída diplomática mas com a plena devolução de direitos econômicos. É preciso ressarcir o prejuízo que a Venezuela teve, porque a Venezuela foi roubada. Repito: ela foi roubada com a Citgo, que era da PDVSA nos Estados Unidos, e com os depósitos em ouro que estão em Londres. Eles foram roubados e estão rendendo de forma roubada, e as justiças dos Estados Unidos e da Inglaterra insistem em formalizar esse roubo. Então a diplomacia brasileira tem um papel muito importante nisso. E pode, inclusive, ser o pivô dessa renegociação ampla."

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Além disso, diz Rocha, é preciso insistir que Brasil e Venezuela possam ser parceiros complementares inclusive em obras de infraestrutura fundamental que a Venezuela necessita.

"E o Brasil tinha essa capacidade com as construtoras, com a construção pesada, com as empreiteiras, com o complexo de obras de infraestrutura que a [Operação] Lava Jato quebrou. Então também vai ao encontro de remontar um setor da construção civil no Brasil pós-Lava Jato."

O professor também comentou a recente amabilidade dos EUA nas relações com a Venezuela.
Isso porque o governo de Joe Biden, além de ter flexibilizado sanções de olho no petróleo, abriu mais canais de diálogo com o país sul-americano.
Isso tudo é visto com ressalvas pelo especialista.

"Sempre tenho muitos pés-atrás com [...] a posição dos Estados Unidos [...] [quanto à] América Latina, mas, sem tergiversar, o gesto de Biden mais correto seria, de novo, devolver a Citgo e insistir com seu aliado subalterno, que é a Inglaterra, para a devolução do ouro roubado. A caneta do presidente é muito forte nos Estados Unidos. É mais forte que no Brasil, por exemplo, com relação à distribuição de poderes entre Executivo e Congresso. Então é importante que aquilo que depende da caneta presidencial, o Biden sinalize [a devolução da Citgo]", avaliou.

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O levantamento de sanções, tal como Barack Obama fez com Cuba, também é um aspecto apontado pelo professor.

"Isso seria muito relevante. Porque não precisa ser muito inteligente para entender que entre Estados Unidos e Venezuela a única chance de incidência direta neste momento é um golpe de Estado, que está cada vez mais distante. Isso ou a retomada de um pacto democrático com uma centro-direita ganhando. E isso não está tão distante ao fim do governo Maduro", argumentou. "Do contrário, toda saída venezuelana vai ser ir ao encontro das economias que são rivais ou concorrenciais aos Estados Unidos, por exemplo China, Rússia e Irã. Especificamente Rússia e Irã, pela posição também de país sancionado pela arrogância dos Estados Unidos."

Já uma projeção de poder brasileira com Lula retomando o governo e algum grau de integração latino-americana pode afastar a influência dos Estados Unidos, mas também relativizar a influência chinesa, prossegue o analista, lembrando que a China é o maior parceiro comercial dos países latino-americanos.

"As alianças históricas do Brasil são com os vizinhos latino-americanos, com os Estados Unidos, com a União Europeia, parceria comercial e empresarial com a China. O mundo é mais do que isso, e o Brasil vai se voltar aos vizinhos e vai se voltar às relações Sul–Sul, heterodoxas e pragmáticas. Talvez seja mais interessante para os Estados Unidos garantir que não vão interferir nessa aproximação Brasil e Venezuela do que a Venezuela ficar totalmente dependente de capitais de apoio da China, da Rússia e também do Irã (com maquinário pesado, maquinário agrícola etc.). Seria um ponto de vista lúcido, mas não tenho certeza de que o Departamento de Estado dos EUA tem essa lucidez."

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