Panorama internacional

Marinha brasileira poderá atuar em 'autodefesa' durante operação no mar Vermelho, diz força

Liderança da Marinha Brasileira em operação naval no mar Vermelho desperta preocupação, em função das hostilidades abertas entre forças ocidentais e o grupo iemenita houthi na região. A Sputnik Brasil conversou com a força e analistas para saber quais os riscos que os brasileiros correm ao navegar nessas águas turbulentas.
Sputnik
A Marinha do Brasil assumiu o comando de operação naval multinacional no mar Vermelho, em meio a conflito aberto entre forças dos EUA e do Reino Unido contra o grupo iemenita houthi.
A área do golfo de Áden e do mar Vermelho encontra-se desestabilizada, em função da ofensiva militar israelense na Faixa de Gaza. Em resposta ao que considera uma agressão contra o povo palestino, o grupo houthi ataca navios militares e mercantes de EUA, Israel e aliados na região.
A eclosão de conflito naval aberto prejudica a economia global, uma vez que a região responde por cerca de 15% do tráfego marítimo comercial internacional. Desde o início das hostilidades, houve redução do tráfego de contêineres na região, aumentando o custo e, consequentemente, o preço dos bens no bolso do consumidor.
Nesse contexto complicado, a Marinha do Brasil assume a liderança da operação naval chamada CTF-151 no mar Vermelho, no âmbito das Forças Marítimas Combinadas (FMC). O contra-almirante Antonio Braz de Souza representará a Marinha do Brasil durante o mandato e ficará a cargo das operações.
"As Forças Marítimas Combinadas é uma parceria marítima multinacional [...], que visa combater a ação de atores não estatais ilícitos em alto mar e promover segurança e estabilidade em milhões de milhas quadradas de águas internacionais", disse a analista de Defesa pela UFRJ e pesquisadora de Oriente Médio e Norte da África da Escola de Guerra Naval, Vitória França, à Sputnik Brasil.
O mar Vermelho não é o único foco das FMC, que também conduz operações no golfo Pérsico, estreito de Bab el-Mandeb, golfo da Somália e oceano Índico.
O navio de assalto anfíbio USS Bataan (em primeiro plano) e o navio de desembarque USS Carter Hall viajam pelo mar Vermelho, em 8 de agosto de 2023
"A força-tarefa tem como pilar o combate ao narcotráfico, do contrabando de pessoas, da pirataria, além de buscar incentivar a cooperação regional segura e promover um ambiente marítimo livre de atividades ilícitas", relatou França. "Quando solicitado, os meios das FMC no mar também respondem a crises ambientais e humanitárias."
A força-tarefa conta com cerca de 41 países-membros, dos quais não fazem parte potências como China e Rússia. Apesar das boas intenções, a liderança da Marinha do Brasil em um contexto de altas tensões no Oriente Médio preocupa.
Como a força-tarefa é liderada por almirante norte-americano e tem boa parte de suas necessidades operacionais supridas pela base naval dos EUA no Bahrein, não fica claro se o Brasil poderia ser visto como tomando um dos lados do conflito entre houthis e forças ocidentais.
"A CMF é comandada por um vice-almirante da Marinha dos EUA, que também atua como comandante do Comando Central da Marinha dos EUA [NAVCENT] e da 5ª Frota da Marinha dos EUA [todos os três comandos localizados na Atividade de Apoio Naval dos EUA no Bahrein]", explicou França.
Além disso, as rotineiras altercações entre coalisão chefiada pelos EUA e o grupo houthi colocam em xeque a segurança do pessoal brasileiro envolvido na CTF-151. Para França, no entanto, as tarefas da Marinha nesta força-tarefa são "mais de inteligência do que de campo, propriamente dito".
Pirata no mar da Somália (imagem de arquivo)
"A missão atua através do recolhimento e partilha de informações; fornecendo para efeitos da informação e das comunicações estratégicas e conduzindo atividades a fim de contribuir para a dissuasão de atores não estatais", disse a especialista da Escola de Guerra Naval.
Segundo ela, o "comando brasileiro fica alocado na base das FMC no Bahrein e por isso, fica responsável pelo teor estratégico da missão". Portanto, o "risco de combate é baixo".
"O contingente brasileiro na CFT-151 fica em terra, na base do Bahrein. Isto implica que, a Marinha do Brasil não está diretamente na faixa dos ataques houthis no mar Vermelho", ressaltou França. "Entretanto, o Bahrein é considerado um grande aliado dos Estados Unidos no Oriente Médio e, devido a isso, os membros da Marinha devem estar sempre em alerta."
Por outro lado, de acordo com normas do Conselho de Segurança da ONU, que regem a operação, os navios da CTF-151 podem engajar em operações de autodefesa, e mesmo reagir para proteger embarcações de seus país.
Navios americanos da Quinta Frota Militar perto da capital do Bahrein Manama
Em comunicação à Sputnik Brasil, a Marinha Brasileira lembra que "os elementos subordinados às FMC, como a CTF-151, não podem participar em conflitos armados", amainando temores de que militares brasileiros sejam pegos no fogo cruzado.
O Brasil, no entanto, não mobilizará embarcações próprias para a operação, uma vez que sua frota não está em condições de empreender essa tarefa.
"Vemos que o Brasil tem sérios problemas de projeção de poder, devido a diversos desinvestimentos no setor de defesa", disse o professor de Ciências Políticas da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Antonio Henrique Lucena Silva, à Sputnik Brasil. "O Brasil tem um gasto alto com defesa, se olharmos para o orçamento do Ministério da Defesa, mas em grande medida é para pagamento de pessoal."
E é justamente com pessoal que a Marinha contribuirá para a operação multinacional, já que o orçamento "para compra de material bélico é muito baixo, assim como para investimentos", lamentou o especialista.
Fragata Independência durante retorno a Base Naval do Rio de Janeiro após concluir missão de paz no Líbano. Brasil, 26 de dezembro de 2020
Por outro lado, a participação na operação garante experiência às tropas brasileiras, que podem ser adestradas em um cenário bélico real.
"O Brasil ganha experiência. É um investimento, porque estamos adestrando tropas, marinheiros e podemos ter algum ganho de capacidade operacional", disse Lucena Silva.
O baixo engajamento da Marinha do Brasil em guerras interestatais é compensado pela participação em missões multinacionais e missões de paz, como destaque para a Força-Tarefa Marítima da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL), que ficou anos sobre o comando brasileiro.
"Esse tipo de operação faz com que o Brasil se mantenha antenado com as práticas de ações internacionais no combate à pirataria, terrorismo e ver o que os outros países estão fazendo", considerou Lucena Silva.
Para o especialista, a ação brasileira na CFC-151 garante que o país "passe a imagem de país responsável, preocupado com problemáticas relevantes", como a manutenção da segurança das rotas comerciais.
A especialista da Escola de Guerra Naval, Vitória França, concorda, e acrescenta que a missão "pode demonstrar a importância naval brasileira e colocar o país em uma posição de força no cenário internacional".
Marinha do Brasil batiza e lança seu mais novo submarino Humaitá em 11 de dezembro
A Marinha Brasileira ainda considerou que uma boa performance dos brasileiros na força-tarefa pode ter efeito dissuasório contra potenciais adversários.
"Um bom desempenho dos militares da Marinha do Brasil integrantes da CTF 151, evidenciando seus elevados níveis de profissionalismo, formação e capacidade, pode contribuir para a dissuasão de iniciativas hostis contra o Brasil", considerou a força-tarefa em comunicação à Sputnik Brasil.
No entanto, as águas do mar Vermelho seguem bastante turbulentas. Na terça-feira (6), o grupo houthi afirmou ter realizado ataque com mísseis contra dois navios mercantes na região, de posse norte-americana e britânica, conforme reportou a Al Jazeera.
As operações contra "navios israelenses ou que se dirigem aos portos da Palestina ocupada" devem continuar, "até que o cerco seja levantado e a agressão contra o povo palestino na Faixa de Gaza seja interrompida", alertou o porta-voz militar do grupo houthi, general de brigada Yahya Saree.
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