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Cinco anos após desastre da Vale: 'Aqui não tem ninguém que não tome antidepressivo' (VÍDEO)

Dados da Fiocruz Minas apontam que em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, o número de adultos diagnosticados com depressão é o dobro da média nacional. Um de seus distritos, Tejuco, com mais de 300 anos de história, é uma das regiões mais atingidas pelo rompimento cinco anos depois.
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"Aqui não tem ninguém que não toma antidepressivo. A gente nem sabe explicar o que virou nossas vidas", conta a agricultora Maria Aparecida da Silva Soares, de 55 anos, à Sputnik Brasil. Moradora do distrito do Tejuco, próximo à mina Córrego do Feijão, a comunidade de pouco mais de 1,7 mil habitantes é cercada por mineradoras: segundo Paré, como é conhecida, são três. "Tejuco é mais velho até que Brumadinho, tem mais de 300 anos de história. É um lugar muito atingido pela mineração, tem muita gente que divide o muro do lote com as empresas", relata. E uma das companhias é justamente a Vale.
Paré trabalhava com a terra desde criança, em tempos que a lida na roça começava cedo, junto com os pais. Antes do rompimento, conta que só em um dia fazia sozinha 3 mil maços de cebolinha frescos, que eram vendidos na capital mineira. Mas até o ofício foi tirado: todas as nascentes da região do Tejuco foram destruídas ou contaminadas pelos rejeitos, o que impedia o uso da água pela atividade. E pior ainda: as plantações da família ficavam em áreas arrendadas, como se fosse um aluguel na zona urbana, que acabaram de ser compradas pela Vale para expandir a atividade minerária.
"O dono da fazenda já tinha vendido quase tudo, e restava esse pedacinho. Só que como o pai havia morrido, os herdeiros nos relataram que iriam vender. Pediram até desculpas, mas nós entendemos. Eu trabalho na horta desde os 9 anos de idade, é difícil fazer outra coisa", afirma. A empresa chegou a prometer, segundo Paré, projetos para reconstruir a atividade agrícola no distrito, mas nada até hoje saiu do papel, e enquanto isso ela cuida de uma pequena sorveteria no local, cujos rendimentos não chegam nem perto do que recebia anteriormente. Além disso, como a região só recebe água por caminhão-pipa, ela conta que chegou a ficar 14 dias sem o recurso hídrico.
A lama da mineração ainda levou algo ainda mais precioso para Paré: o irmão Paulo Geovane dos Santos, também agricultor. Ele trabalhava em um terreno que foi tomado pelo tsunami de rejeitos em segundos. Por pouco, o gêmeo Paulo Sérgio também não morreu. "Eu choro todos os dias por ter levado uma pessoa que a gente ama tanto. Eu sei que o ser humano não vive eternamente, mas a forma que ele morreu e o jeito que a Vale nos trata é muito humilhante, e ninguém reconhece isso. O outro [irmão] só sobreviveu porque ele e minha cunhada correram muito, até a bota dele ficou para trás. No dia eu também estava na horta, escutei como se fosse uma explosão", emociona-se ao recordar.
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Por que o rompimento da barragem de Brumadinho causou tanta destruição?

Em cada rua ou esquina, comércio ou fazenda, está um familiar, amigo ou conhecido de uma das 272 pessoas que morreram por conta da Vale, o que torna o desastre ainda mais destrutivo e traumático para todo o município de Brumadinho.
O relato de Paré no início desta reportagem é uma amostra de um dado preocupante sobre a saúde mental da população: desde 2019, a Fiocruz Minas realiza pesquisas na região, e o índice de diagnóstico de depressão é de 22,5%, mais que o dobro da média brasileira.
A dificuldade para dormir foi relatada por quase 30% dos adultos, e 20,1% dos adolescentes foram diagnosticados com ansiedade. Do segundo dia do desastre até meados de agosto do ano passado, a ex-assessora do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) Liziane Vasconcelos Teixeira passou a atuar diariamente com os atingidos.
À Sputnik Brasil, ela, que é doutoranda em segurança e gestão de emergências pela Universidade Selinus, na Itália, conta que em 30 anos de profissão nunca viveu situação parecida.

"Pisar no território e vivenciar tudo isso, principalmente quando você vê cinco anos se passando, é conhecer a luta sem limites de todas as famílias contra esse desastre-crime, cuja cena ainda é viva em função das buscas e até mesmo do manejo do rejeito. É quase impossível, conhecendo cada rosto e cada sofrimento dali de dentro, você sair de um pós-trauma estando em uma zona quente, de um território destruído que não volta mais", defende.

Um dos locais cuja situação é mais preocupante, segundo Liziane, é o bairro de Parque da Cachoeira, que estava no caminho dos rejeitos. Nas partes mais baixas, ruas inteiras destruídas e casas que eram cheias de vida abandonadas. Grande parte dos imóveis foi comprada pela Vale, mas ainda restam moradores que ou não quiseram vender ou não conseguiram negociar com a mineradora.
"A quantidade de pessoas que eu atendi e vive à base de ansiolíticos, remédios para dormir ou antidepressivos é assustadora. Em Parque da Cachoeira foi feito um isolamento territorial, e poucas pessoas têm a dimensão do que está acontecendo. Inúmeras casas foram demolidas, e foi um processo traumático para essas pessoas ver indo ao chão sobras de paredes de residências de famílias que viveram ali por anos, que construíram aquela localidade. E o empreendedor deixa uma ou duas famílias em ruas com praticamente nenhum vizinho, sem apoio", diz.
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Quais as principais consequências do rompimento da barragem de Brumadinho?

Silas Fiari, de 37 anos, é um dos moradores que ainda ficou no Parque da Cachoeira, e após o desastre se tornou uma das principais lideranças da região. Além de um tio e uma prima, ele perdeu inúmeros amigos, já que é ex-funcionário da mineradora. "E é muito doloroso para mim, que sou familiar, que sou liderança, que sou atingido e que moro ainda em Brumadinho, ver como desenrolou esses cinco anos referente à justiça e referente à reparação. A Vale está utilizando dos meios de comunicação para mostrar umas propagandas ludibriosas, onde já foi denunciado via Ministério Público, por mim e outras entidades", garante à Sputnik Brasil.
Um bairro calmo e agradável, que tinha até cachoeiras de águas límpidas ao longo do ribeirão Ferro-Carvão, cujo leito foi totalmente tomado pela lama da Vale. Essa é uma das recordações de Silas de um tempo que nunca mais vai voltar. "Não somos atingidos só do dia 25 [de janeiro de 2019, quando houve o rompimento], somos atingidos todo santo dia. Lutamos por nossos direitos, [mas] temos um Estado e instituições de Justiça que só querem acordo para beneficiarem a si próprios", afirma.
Para além da questão do meio ambiente e saúde mental, Silas Fiari cita outro grave problema identificado pela Fiocruz: quase 40% da população de Brumadinho está com níveis altos de metais pesados, como arsênio, chumbo e manganês, no organismo. Ao longo do tempo, a acumulação nas células desses materiais pode causar complicações renais, danos cerebrais e até câncer. "O rejeito está no solo, no ar e na água, e isso foi comprovado pela assessoria técnica".
Vista área da cidade de Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte

Como o rompimento da barragem de Brumadinho afetou a população?

Mais de R$ 2,5 bilhões pagos em indenizações, obras de reparação em todo o município e programa de transferência de renda até 2026. Um dos efeitos colaterais dessa injeção de recursos pela Vale na economia de Brumadinho foi o encarecimento do custo de vida. Uma rápida pesquisa mostra que no Centro da cidade, o aluguel de um apartamento de três quartos não sai por menos de R$ 2,2 mil, valor considerado alto para um município com menos de 40 mil habitantes, conforme o último Censo do IBGE.

"Depois que aconteceu a tragédia, aqui tudo ficou mais caro. O remédio é um absurdo, para fazer supermercado preciso ir em outra cidade, não consigo comprar mais aqui na cidade […]. A Vale acha que é a dona do mundo, sempre foi assim. As mineradoras não reconhecem que a comunidade estava aqui muito antes delas chegarem", confirma Maria Aparecida da Silva.

O membro da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) Joceli Andrioli reforçou à Sputnik Brasil que a cidade vive uma superinflação e que a localidade foi inundada por obras de interesse da Vale, que "aproveitou a onda" da questão da reparação. Além disso, Andrioli afirmou que a economia popular foi a mais impactada pelo desastre.
"Antes o rio Paraopeba era uma grande fonte de renda, como com a pesca, atividades de lazer, os artesãos que faziam as redes. Houve a quebra de toda uma cadeia produtiva de geração de emprego e renda, de uma comunidade, por exemplo, que sobrevivia da extração de minhoca para a pesca. Tudo isso foi interrompido", explica.
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O que aconteceu com as crianças em Brumadinho?

Por quase 30 anos, Lecilda de Oliveira trabalhou na mina Córrego do Feijão como analista de operação. "Era a segunda família dela, que foram quase todos embora juntos naquele horário de almoço da sexta-feira [quando ocorreu o rompimento]. Não é só um número, são pessoas que tinham histórias, amores, um laço com muita gente", conta a irmã, Natália de Oliveira, de 52 anos, que faz parte da Comissão dos Não Encontrados, criada voluntariamente por pessoas que apoiam as famílias das vítimas ainda desaparecidas.
A família só conseguiu enterrar Lecilda quase dois anos depois do desastre, em dezembro de 2021, quando foi localizada pelos bombeiros em meio à lama. "A saudade só aumenta", conta, emocionada.
A professora recorda uma história ainda mais triste: as mais de 105 crianças que ficaram órfãs de pai ou mãe, ou até de ambos, após o desastre provocado pela Vale, conforme dados da própria Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
"Tiveram os gêmeos que perderam os pais [os dois trabalhavam na Vale no momento do rompimento] e estavam com apenas dez meses. Em novembro do ano passado, foi a formatura da educação infantil deles. Era um momento de alegria, sou amiga da família e me convidaram, mas todos ficamos arrasados porque outras crianças estavam lá com o pai, a mãe, eles não terão essa presença em nenhuma formatura da vida deles", lamenta.
E até hoje, três famílias sequer puderam enterrar seus entes queridos mesmo após cinco anos: Maria de Lurdes da Costa Bueno, Nathalia de Oliveira Porto Araújo e Tiago Tadeu Mendes da Silva ainda não foram encontrados.

Quanto Brumadinho recebeu da Vale?

Segundo informações dadas pela empresa, mais de R$ 22 bilhões foram destinados para reparar e compensar o rompimento da barragem de Brumadinho.
Em nota, a Vale afirmou que assumiu um compromisso com a população de Brumadinho para além do pagamento das indenizações e do cumprimento dos acordos judiciais, e que realiza os esforços necessários. "Desde o rompimento, os esforços voltados à saúde emocional foram estendidos a todos os moradores. Por isso, a Vale assinou, ainda em 2019, acordo de cooperação com a Prefeitura de Brumadinho para repasses destinados, exclusivamente, à ampliação da assistência de saúde e psicossocial no município", acrescenta.
Com relação ao distrito do Tejuco, a mineradora garantiu que realiza a distribuição ininterrupta de água através de caminhões-pipa e também fornece água mineral aos moradores até uma solução definitiva para o abastecimento da comunidade. "A Vale irá custear a obra de interligação de Tejuco ao sistema integrado da Copasa [Companhia de Saneamento de Minas Gerais], para o abastecimento de água potável da comunidade", informa.
Sobre a situação no bairro Parque da Cachoeira, destacou que está "comprometida com a reparação integral" e que mantém diálogo permanente com os moradores. "A aquisição dos imóveis de Parque da Cachoeira atendeu os critérios estabelecidos no Termo de Compromisso firmado com a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais em abril de 2019. Está em andamento um estudo para avaliar o uso futuro desses imóveis, considerando as demandas e características da região", finaliza.
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