Panorama internacional

De locomotiva da Europa ao último vagão do bloco: os principais fatores da crise econômica alemã

A Alemanha, enquanto terceira maior economia do mundo, costumava ser chamada de locomotiva da Europa. Hoje, esse país verdadeiramente central do continente europeu enfrenta um de seus mais graves desafios na história recente.
Sputnik
Muito por conta da inflação à qual a Alemanha se submeteu a fim de unir-se à política de sanções do Ocidente contra a Rússia, a popularidade do atual chanceler Olaf Scholz é uma das mais baixas em toda a história. Ao mesmo tempo, com um rombo no orçamento do governo estimado na casa de € 60 bilhões (R$ 321,5 bilhões), o próprio modelo da economia alemã parece estar sob ameaça.
Vale lembrar que o modelo econômico alemão é baseado na indústria e no comércio, uma vez que o país é especialista em manufatura de produtos com alto grau de valor agregado. As marcas de carros alemães, assim como sua indústria química e farmacêutica, estão entre os principais do mundo e se tornaram ícones de sua economia. Além disso, a Alemanha também produz ferramentas e máquinas que são usadas em diversos segmentos da indústria ao redor do globo. Boa parte do maquinário usado nas fábricas do Brasil vem da Alemanha, por exemplo.
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Especialmente em meados dos anos 1990, após a reunificação, os alemães fizeram uma série de reformas estruturais no país, que deram um novo dinamismo para a sua economia. Isso fez com que produtos alemães ganhassem competitividade no mercado internacional, alinhado à praticidade e aos baixos custos da energia russa fornecida a suas indústrias. Como resultado, mais da metade da economia alemã é voltada para exportação, sendo um de seus principais destinos a China. Não à toa, durante a ascensão do país asiático nos anos 2000, o comércio entre os dois países cresceu vertiginosamente. Quando, por sua vez, a China apresenta desaceleração, a Alemanha acaba sofrendo por tabela. Esse inclusive é um dos motivos pelos quais os alemães querem tanto um acordo entre Mercosul e União Europeia, de modo a buscar alternativas para a exportação de produtos do país.
Seja como for, fato é que a Alemanha está oficialmente em recessão e deve fechar o ano de 2023 com uma queda no PIB em torno de 0,3% de acordo com previsão da Comissão Europeia. Trata-se dos piores desempenhos econômicos no bloco, uma vez que a previsão de crescimento da União Europeia como um todo em 2023 é de 0,6%. Entre as causas, além do impacto da desaceleração chinesa, está a crise energética que afetou a Alemanha mais fortemente do que seus vizinhos continentais, principalmente porque os alemães foram praticamente forçados a diminuir sua dependência do gás russo após o início da operação militar especial. O que dizer, por exemplo, da explosão dos gasodutos Nord Stream em setembro de 2022, que segundo o jornalista Seymour Hersh contou com o apoio e aprovação prévios de Washington? Se esse for mesmo o caso, significa dizer que os Estados Unidos verdadeiramente pisotearam na soberania alemã e fizeram isso sem qualquer tipo de represália ou remorso na consciência.
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No mais, com o aumento no preço de energia resultante das sanções contra a Rússia a partir de 2022, a Alemanha também sofreu com a alta da inflação dos preços gerais da economia, forçando o Banco Central Europeu a subir os juros, afetando assim o poder de compra da população e impactando o consumo. As empresas alemãs, com isso, não somente perderam competividade internacional com a aplicação de sanções contra os russos, como o país agora arrisca passar por um processo de desindustrialização. A título de exemplo, a empresa BASF, reconhecida gigante do setor químico, está cortando mais de 2.500 empregos na Alemanha e abrindo uma fábrica na China. Essa é uma prova de que a Alemanha não tem conseguido criar condições para que alguns negócios permaneçam produzindo em solo alemão.
Em vista de se submeter aos desígnios geopolíticos de Washington, que fez com que a Alemanha deixasse de comprar o gás russo, o país agora precisa enfrentar problemas estruturais sérios, que dizem não só aos altos preços de energia, como também envolvem dificuldades no financiamento de infraestruturas e em uma mão de obra cada vez mais escassa. Como se não bastasse, outro problema grave diz respeito à famigerada burocracia alemã. Enquanto no país são necessários cerca de 120 dias para se abrir uma empresa, em países como Grécia ou Itália esse prazo é de pouco mais de um mês.
Não obstante, autorizações para obras do setor civil na Alemanha demoram 50% a mais de tempo em comparação com outros países industrializados. Seja como for, a lista de problemas alemães para 2024 é longa. Para tornar a situação toda ainda mais dramática, o Ocidente, capitaneado pelos Estados Unidos, tem cada vez mais tentado se tornar menos dependente da China, o que pode complicar e muito a situação de diversos países europeus, Alemanha em especial. Isso significará na prática mais protecionismo e menos comércio com o gigante asiático, o que para Berlim trará custos ainda mais altos para os empregos domésticos e sua estabilidade econômica.
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A fim de se preparar para esses desafios, a Alemanha poderia por exemplo recorrer a investimentos internos, mas esta tem sido uma área na qual os alemães têm deixado a desejar. O foco obsessivo do governo Scholz tem sido no equilíbrio das contas públicas, posição essa muito pouco flexível para o enfrentamento dos inúmeros problemas que se apresentam perante Berlim.
No mais, regida atualmente por uma coalizão de três partidos distintos (social-democratas, verdes e liberais), tem sido difícil se chegar a um consenso no parlamento alemão a respeito de políticas que possam estimular novamente a sua economia. Ao mesmo tempo, ao longo dos últimos anos a Alemanha vem testemunhando o crescimento da assim chamada extrema direita, que de acordo com pesquisas conta hoje com sólidos 20% do total de votos do eleitorado alemão. Logo, a situação, além de delicada, ainda por cima suscita dúvidas se dessa vez os alemães vão retroceder a políticas mais extremadas de seu passado. Ao que parece, em vista de todos esses fatores citados, o que se pode dizer é que a Alemanha deixou de ser a locomotiva da Europa para se tornar um de seus últimos vagões.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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