Panorama internacional

Brasil na presidência do G20 traz ascensão de 'países periféricos' em questões globais, diz analista

Nesta sexta-feira (1º), o Brasil assume a presidência do G20. Para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é de extrema importância que os líderes das 20 maiores nações abordem temas como a mudança da governança global, o combate à pobreza e as mudanças climáticas.
Sputnik
Os objetivos do Brasil foram descritos pelo presidente Lula e pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante a reunião de instalação da Comissão Nacional do G20, na última quinta-feira (23). Para eles, os três aspectos estão interligados e a solução passará por uma recolocação do Brasil no cenário geopolítico internacional, com a nação liderando um processo de "reglobalização sustentável".

"Há uma crescente percepção de que nenhuma sociedade pode ser próspera e segura de verdade em um mundo cada vez mais pobre e desigual, em risco de colapso ecológico", disse Haddad.

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Quais as contribuições do G20 para a economia mundial?

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas explicaram que os objetivos do Brasil estão em sintonia com os do G20, fórum de cooperação econômico internacional que reúne autoridades políticas, econômicas e financeiras das 20 maiores economias do mundo, além da União Africana e da União Europeia.
De acordo com Williams Gonçalves, doutor em sociologia e professor titular de relações internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), o G20 como existe hoje ganhou bastante importância após a crise econômica de 2008 e com a ascensão de países periféricos, que "passaram a reivindicar o direito de discutir determinadas questões globais".

"Até uma certa altura, esse papel de discussão sobre as questões globais estavam nas mãos do Grupo dos Sete, o G7. Os líderes desses países se reuniam e traçavam ali as diretrizes para o capitalismo em escala global. Ora, o G7 deixou de ter essa importância, e o G20 se tornou o grupo mais importante", disse.

Qual a proposta do Brasil na liderança do G20?

Ana Prestes, socióloga, analista internacional e doutora em ciência política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ressalta que a presidência do Brasil no G20 vai ecoar o direcionamento que o governo brasileiro tem tido nas questões de relações exteriores desde o discurso de Lula na Assembleia Geral das Nações Unidas, cujo tom foi de "buscar justiça, combate à desigualdade e sustentabilidade" e fortalecimento do Sul Global. "Já foram 15 viagens internacionais", sublinhou.
"O atual governo brasileiro está perfeitamente afinado com os objetivos do G20", resume Gonçalves.
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Para o professor de relações internacionais, esse alinhamento de objetivos faz com que a liderança do Brasil no fórum econômico tenha grande importância geopolítica, uma vez que botará em ainda mais evidência pautas que antes eram discutidas em contextos menores, como o do BRICS.
"O objetivo é criar uma nova ordem internacional", destacou.
Gonçalves aponta que tanto o G20 quanto o BRICS "defendem a democratização das relações internacionais, o reconhecimento da multipolarização e a importância da multilateralização".

"Do ponto de vista político-diplomático, [a presidência do Brasil no G20] é importante porque marca a ascendência desses países periféricos na discussão sobre as questões globais."

Os objetivos brasileiros, tanto em sua política externa quanto na presidência do G20, foram resumidos por Haddad durante a cerimônia de abertura da Comissão Nacional. "Nós estamos propondo que o Brasil lidere uma espécie de reglobalização sustentável, do ponto de vista social e do ponto de vista ambiental", disse o ministro.
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De acordo com Ana Prestes, o Brasil, hoje com sua economia baseada em exportações primárias e forte desindustrialização, não se posiciona para ser "líder" desse processo descrito por Haddad. "O que tem se discutido sobre esse termo de reglobalização é uma liderança chinesa, em contraponto a uma liderança norte-americana, britânica e europeia", apontou.
No entanto, aponta a socióloga, o Brasil pode ser "uma liderança global na promoção de projetos e de experiências reais de transição energética e um exemplo de sustentabilidade para o mundo".

"Tanto é que é por isso mesmo que o presidente Lula se esforçou para trazer a COP30 para o Brasil em 2025 e tem se esforçado para colocar a Amazônia e a relação que os países sul-americanos têm com a Amazônia como um exemplo para o mundo de uma nova fase que a humanidade vai entrar."

Quando será o G20 no Brasil?

Pela primeira vez na presidência rotativa do G20, a partir de 1º de dezembro, o Brasil permanece na gestão do grupo, até 30 de novembro de 2024. O país será responsável, portanto, pela próxima cúpula do G20, agendada para os dias 18 e 19 de novembro de 2024, no Rio de Janeiro.
Com a força de pautas ambientais, da desigualdade e da nova ordem global, um dos caminhos para alcançar esse protagonismo brasileiro no novo processo de globalização é através de reformas nos mecanismos de governança mundial (sejam os políticos, como o Conselho de Segurança das Nações Unidas, sejam os financeiros, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, FMI).
Para Haddad, os próximos anos verão "uma mobilização maciça de recursos internacionais que devem vir principalmente do Norte para o Sul Global", de modo a fomentar esse processo de sustentabilidade econômica, política, social e climática.
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Segundo Ana Prestes, o Brasil na posição de presidente do G20 tem força para liderar um debate sobre esses recursos e sobre as metas de transição energética. Em 2015, explica a socióloga, durante a COP21, em Paris, já foi acordado um fundo anual de US$ 100 bilhões (R$ 494 bilhões, na cotação atual) dos países ricos para os países pobres, para estabelecerem medidas para frear as mudanças climáticas e se adaptarem a elas.
"O Brasil vai cobrar o financiamento de US$ 100 bilhões para os países em desenvolvimento, na sua grande maioria os países do Sul Global, que há anos não é materializado", afirmou.
"Então o presidente Lula, como o país que preside o G20, vai ter uma voz ainda mais potente e assertiva nesse sentido."
Williams Gonçalves destaca o papel das instituições financeiras estabelecidas nos acordos de Bretton Woods nesses processos de governança.
Para ele, o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e o Arranjo Contingente de Reservas do BRICS surgem como alternativas potentes, capazes de "promover o desenvolvimento da periferia e, portanto, reduzir as desigualdades entre os Estados e as desigualdades sociais dentro dos Estados".

"Todos nós conhecemos os mecanismos de funcionamento dessas instituições, como […] o FMI [quando] socorre as economias em crise, sempre estabelecendo condições muito duras e que […] revelam total indiferença com os problemas sociais que os ajustes fiscais promovem."

O professor da UERJ explica que, no entanto, esses processos políticos levam tempo e não acontecem da noite para o dia.

"Temos aí um embrião razoavelmente desenvolvido de uma nova ordem internacional […], e o Brasil comprometido com essas questões tem um papel muito relevante nisso."

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