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Líder em apostas, Brasil perde bilhões por resistência 'transversal' à regulamentação, diz advogado

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas do segmento explicam os benefícios que a regulamentação de apostas esportivas podem trazer para a economia do país.
Sputnik
As apostas esportivas se tornaram uma febre entre os brasileiros. Somente em 2022, sites do segmento alcançaram 3,19 bilhões de acessos, o equivalente a um quarto de todo o acesso global registrado no ano.
Os números colocam o Brasil como líder mundial em apostas on-line e jogam luz no potencial do setor como meio de arrecadação de impostos em um momento em que o governo federal busca equilibrar as contas públicas, que neste ano têm uma previsão de déficit de R$ 177,4 bilhões (1,7% do PIB [produto interno bruto]).
Em trâmite no Congresso, o Projeto de Lei (PL) nº 3.626/2023, apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estabelece a regulamentação das apostas esportivas de cota fixa, as apostas on-line, também conhecidas como "bets" no Brasil. O PL absorveu os dispositivos da Medida Provisória (MP) nº 1.882/2023, apresentada por Haddad em julho, mas que perdeu validade na semana passada. A expectativa do governo federal é de arrecadar R$ 2 bilhões ainda em 2024.
O texto do PL foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado na semana passada, em votação simbólica, com algumas alterações. O percentual cobrado das casas de apostas esportivas sobre o valor obtido com os jogos caiu de 18%, estabelecido pelo projeto original, para 12%. A comissão também reduziu de 30% para 15% o percentual cobrado sobre os prêmios pagos de até R$ 2.112 como forma de não desestimular apostadores.
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam por que o Brasil se tornou um território fértil para as apostas esportivas e quais impactos o PL proposto pelo governo pode trazer para a economia.
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Para Fabiano Jantalia, sócio-fundador do escritório Jantalia Advogados e especialista em direito de jogos, o avanço das apostas esportivas no Brasil é um reflexo da publicação da Lei nº 13.756, de 12 de dezembro de 2018, oriunda de uma MP editada ainda no governo Michel Temer. Ele afirma que a publicação da lei abriu margem jurídica para a exploração das apostas de cota fixa.

"Embora essa lei condicionasse a exploração da atividade à regulamentação futura, o que só veio a acontecer agora, no final de 2023, a mera previsão dessa possibilidade em uma lei trouxe nova perspectiva e acabou popularizando de vez as apostas esportivas no Brasil."

Ele acrescenta que, a partir da publicação da Lei nº 13.756/2023, "antevendo essa possibilidade de exploração da atividade no Brasil, [casas de aposta] começaram a fazer patrocínios de eventos, de clubes de futebol".
A publicidade em eventos também foi abordada por Haddad que, em outubro, assinou a Portaria Normativa nº 1.330. Entre outros pontos, estabelece condições gerais para a publicidade de casas de apostas esportivas. Em seguida, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) editou uma circular direcionada às agências de publicidade que eventualmente sejam contratadas por essas casas de apostas.
Jantalia afirma que a portaria sempre demonstra ter grande preocupação com a publicidade voltada para apostas esportivas.

"Lá [no texto da portaria] há uma série de cuidados. A publicidade não pode induzir ao vício, não pode apresentar as apostas esportivas como algo benéfico, como algo que possa constituir uma fonte de renda. A publicidade também não pode difamar aqueles que se opõem aos jogos. Então, pessoas que por seus valores sociais, religiosos ou morais se opõem a isso não podem ser objeto de uma propaganda negativa."

Sobre a expectativa do governo de arrecadar cerca de R$ 2 bilhões ainda este ano com a taxação das apostas esportivas, Jantalia afirma que não é possível traçar uma estimativa precisa relativa ao valor. Isso porque, por ser uma atividade ainda não regulamentada, não há dados oficiais sobre a arrecadação do segmento.

"Quem explora essa atividade de apostas o faz por meio de sites relativos a empresas que estão sediadas em países onde essa exploração é permitida, e nós não temos acesso a essas estatísticas oficiais. Tem gente que fala de arrecadação tributária entre R$ 2 bilhões e R$ 10 bilhões. Eu seria um pouco mais conservador, acho que a gente está falando de alguma coisa na faixa de uns R$ 2 bilhões em um primeiro ano ou, em média, nos três primeiros anos."

Porém, ele afirma que, mesmo sem uma cifra específica, não há dúvidas em relação aos benefícios a serem gerados pela arrecadação com as apostas esportivas.

"Os benefícios são de diversas naturezas, porque nós temos não só a arrecadação tributária, mas a geração de emprego e renda, também um maior fluxo de recursos de patrocínios. Também temos outro lado que é a possibilidade de a gente contar com benefícios da proteção jurídica de apostadores, da prevenção à lavagem de dinheiro e da prevenção à ludopatia [vício em jogos]. Então, se aprovada uma medida legislativa sobre isso, nós teríamos benefícios em diversos campos, tanto no âmbito jurídico quanto no âmbito financeiro e econômico."

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A proposta, no entanto, gera resistência no Congresso, especialmente por parlamentares da ala mais conservadora. Questionado se a bancada evangélica, uma das mais conservadoras do Congresso, poderia ser um empecilho à regulamentação das apostas esportivas, Jantalia diz "ser injusto, e até intelectualmente desonesto, atribuir a um grupo específico a oposição às apostas esportivas".
"Essa resistência às apostas e ao jogo no Brasil é transversal. Ela está presente em vários setores da sociedade e, em geral, está baseada na perspectiva de uma reprovação moral à figura dos jogos. E a reprovação — que normalmente se faz de cunho moral, e alguns até de cunho médico — é a de que a aprovação dos jogos poderia levar a algum tipo de aumento do vício, da dependência, da destruição de valores familiares. O juízo de valor sobre isso cabe a cada um de nós, e eu acho que não seria correto fazer qualquer tipo de consideração contra pessoas que se opõem. Esse é um debate democrático, todos têm direito a colocar a sua opinião, e o que é importante é que esse debate democrático seja bem amadurecido para que o Congresso possa firmar sua convicção a respeito do assunto."
André Gelfi, diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), destaca que os jogos de azar são proibidos no Brasil desde 1946, quando o então presidente Eurico Gaspar Dutra assinou o Decreto-Lei nº 9.215 proibindo a atividade.
"Hoje, somente as apostas esportivas e as loterias são, de certa forma, legalizadas, com o setor de apostas ainda carecendo de regulamentação. Porém, é interessante lembrar que, por algum tempo, todas as apostas, incluindo jogos de cartas e cassinos, entre outras modalidades, foram autorizadas em todo o território nacional. Isso aconteceu entre 1934 e 1946, com a autorização do presidente Getúlio Vargas."
Ele concorda que a proibição tem como raiz a defesa de valores tradicionais por parte de alguns parlamentares, mas ressalta que esse posicionamento impede a atividade de gerar receita para o país e gera insegurança a apostadores.

"Ao privilegiarem pautas voltadas aos bons costumes e à moral, muitos consideram os jogos de azar como atividades que levam ao vício e outros males. Entretanto, apesar de proibidos, as apostas e outros jogos continuaram existindo, com inúmeros aspectos negativos; entre eles: deixam de recolher impostos para o desenvolvimento do Brasil e também não possuem regras para o funcionamento das empresas e a segurança dos jogadores."

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Na avaliação de Gelfi, o avanço das apostas esportivas no Brasil foi impulsionado pela paixão dos brasileiros pelo futebol, somado ao período de isolamento da pandemia.
"Para começar a justificar essa grande busca por apostas esportivas no Brasil, é importante lembrar que o futebol é a grande paixão do brasileiro. As opções de aplicativos e sites de apostas esportivas já existiam no exterior há décadas. Porém, o brasileiro se interessou por esse mercado gradativamente nos últimos cinco anos, em especial durante a pandemia, quando a busca por entretenimento on-line alcançou níveis inéditos."
Ele acrescenta que "os investimentos em marketing e no patrocínio de clubes e atletas ajudou muito a popularizar esse segmento, a ponto de, atualmente, o Brasil ser um dos maiores mercados do mundo para as apostas".
Para Gelfi, o avanço das apostas esportivas é positivo, mas a demora para a regulamentação criou o que ele classifica como "área cinzenta", na qual apostadores ficam desprotegidos, sem ter a quem recorrer.

"Com a ausência de regras, vimos muitos apostadores não conseguindo resgatar seus ganhos, sites sumindo com os valores de jogadores, entre outros acontecimentos. Com a regulamentação do setor, a expectativa é de que operadores sérios, idôneos e dispostos a investir no Brasil e seguir as regras do governo federal ocupem esse espaço."

Ele finaliza afirmando que, em sua opinião, a regulamentação do setor beneficia a sociedade como um todo, gerando renda e emprego e mais segurança a apostadores.

"A regulamentação é essencial não apenas para a economia brasileira, que aumentará a arrecadação de tributos anuais, mas também para a geração de empregos, para a segurança dos jogadores, para os operadores que terão regras claras a seguir, e para a sociedade de forma geral, que terá ferramentas para acompanhar o funcionamento do setor e cobrar melhorias", conclui Gelfi.

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