Panorama internacional

Procurador: 'Crime organizado não conhece fronteiras' e Ameripol também vai superar esse obstáculo

Firmado neste novembro, o Tratado de Brasília constituiu juridicamente a Comunidade de Polícias das Américas (Ameripol). O acordo, assinado por 13 de 30 países, garante o início do seu processo de estruturação. "Um trabalho de altíssima complexidade, mas extrema importância", afirma Marcio Christino, procurador de Justiça Criminal de São Paulo.
Sputnik
Chamada de "Interpol da América" pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, a sua atuação será semelhante às de suas contrapartes internacional e europeia, a Europol, ou seja, não substituirá a soberania de cada país-membro, mas "permitirá uma ação coordenada entre os países, permitindo que os organismos investigativos possam atuar em conjunto", disse Marcio Christino, autor do livro "Laços de Sangue: a História Secreta do PCC", em declarações à Sputnik Brasil.

"Hoje, o crime organizado não conhece fronteiras. A Ameripol terá, em tese, o papel de fazer com que a ação investigatória e de repressão possa superar esse obstáculo também."

A Ameripol, no entanto, não inaugura a existência da cooperação entre órgãos policiais entre os países. Nos últimos anos, foram vistas operações conjuntas entre a polícia brasileira e outras autoridades policiais de países vizinhos, em especial no Paraguai. No entanto, essas ações muitas vezes precisaram superar entraves burocráticos e ficaram dependentes de vontades políticas internas.
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Dessa forma, o Tratado de Brasília — assinado por Argentina, Bolívia, Brasil, Haiti, República Dominicana, Colômbia, Honduras, Costa Rica, Panamá, Paraguai, Uruguai, Chile e Equador — inaugura um momento de maiores "relações interinstitucionais" entre os signatários, afirma Aiala Colares, professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGG) da Universidade Estadual do Pará (UEPA).

"Isto é o mais importante: permitir que as investigações e as informações cruzem fronteiras, contando cada país com o apoio do outro, facilitando as ações de combate", destaca Christino.

A assinatura do tratado vem em um momento importante, em que a expansão de facções criminosas brasileiras, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, está em seu auge, não só para outros estados como para outros países vizinhos. "O PCC é o maior exemplo disso, atuando na Venezuela, no Paraguai e com braços na fronteira, sobretudo na Região Amazônica", afirma Colares.

"No entanto, hoje não podemos falar só de PCC e CV. Há outras facções também, como o Comando Classe A [CCA], em Altamira (PA), e Os Crias, na fronteira com o Peru."

A presença desses grupos na Região Amazônica, em especial na tríplice fronteira entre Peru, Colômbia e Brasil, não é à toa. O local é a maior rota de transporte de cocaína para dentro do país, e tanto o CV quanto o PCC fazem parcerias com facções regionais para atuar nesse mercado.
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Segundo dados de 2017 do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, na sigla em inglês), 70% da cocaína do mundo é produzida na Colômbia, enquanto 20% é feita no Peru e apenas 10% vem da Bolívia.
Nesse contexto, explica Aiala, o Brasil não é um país produtor de droga, assim como seus vizinhos andinos, mas possui uma dupla funcionalidade dentro da rota internacional do tráfico, atuando tanto como "um grande corredor em direção à Europa e África" quanto sendo "o segundo principal mercado consumidor de cocaína [atrás apenas dos Estados Unidos] e o principal de skunk".
"É mercado e área de trânsito. Por isso que esses grupos faccionais do Brasil vêm disputando o controle dessas rotas importantes", destacou.
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No entanto, ainda de acordo com Aiala, é importante que os países signatários se lembrem do que foi o Plano Colômbia — acordo bilateral firmado em 1999 entre os EUA e a Colômbia para o combate ao narcotráfico no país — e evitem repeti-lo. "Deve-se observar até que ponto esse modelo não reproduz uma lógica de violência que vai ser institucionalizada pelo Estado."

"Os países que estão nessa discussão e levantando essa bandeira como […] possibilidade de construir uma segurança pública nas Américas têm que considerar o que foi o Plano Colômbia e sua política de guerra às drogas, importada dos Estados Unidos pelos países da América Latina e que não deu certo."

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