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De hidrelétrica à segurança pública, China amplia atuação na Argentina perto das eleições, diz mídia

Relação sino-argentina cada vez mais aprofunda seus contatos e negociações, sendo essa um dos maiores desafios para o presidente eleito. Investimentos chineses no país são destinados de aquisição de trens ao desenvolvimento de um "sistema de segurança pública" no norte do país.
Sputnik
Há bastante tempo o governo argentino tem investido no uso de yuan para fazer seus pagamentos e não é novidade que a influência chinesa na economia do país tem sido progressiva. Por exemplo, o próprio Brasil em agosto propôs a Buenos Aires que fizesse seus pagamentos ao país em moeda chinesa.
No entanto, a parceria entre o país sul-americano e asiático tem ganhado novas profundidades. De acordo com o jornal Valor Econômico, o uso do yuan pelo Banco Central argentino começou em 2014, e se acentuou nos últimos anos.
Há dois anos, a moeda chinesa já era responsável por metade das reservas argentinas. O BC incluiu o yuan como ativo da reserva internacional muito antes do reconhecimento da moeda chinesa pelo FMI em sua cesta de referência, o que só ocorreu a partir de 2016.
O governo de Alberto Fernández foi o responsável pelo mais recente acerto entre os dois países. Em junho, uma linha de swap de US$ 18 bilhões (R$ 87 bilhões) e liberado em parcelas.
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A mídia relata que, em razão do alto endividamento, a Argentina não tem acesso ao crédito internacional, e a relativa estabilidade conquistada neste ano depende diretamente do crédito chinês. O apoio de Pequim a Buenos Aires se traduz ainda em investimentos a centenas de projetos em diversas áreas, como mineração, agronegócio, infraestrutura, transportes e energia.
Os investimentos são destinados, por exemplo, para aquisição de trens do metrô da capital argentina, a construção de hidrelétricas, parque solar e até o desenvolvimento de um "sistema de segurança pública" em Jujuy, uma das 23 províncias do país.
Somando essas dívidas à outra, contraída via linha de swap cambial, a cifra é estimada de modo conservador por analistas argentinos ouvidos pelo jornal em ao menos US$ 30 bilhões (R$ 145 bilhões).

"A China criou um sistema de endividamento muito sutil e eficaz, porque também financia projetos em diferentes províncias da Argentina. Esse financiamento acontece por meio de bancos chineses e está mais regulado, mas essa dívida vai se subdividindo e fica muito mais complexa de aferir um montante total", afirmou Felipe Natalini Goyeneche, do Museu da Dívida Externa Argentina, ouvido pela mídia.

O país está para decidir seu próximo chefe de Estado no dia 19 deste mês, e, como já sabido, o futuro dessa relação também está em jogo. De lado, o atual ministro da Economia, Sergio Massa, que por já ocupar este cargo possivelmente continuará com as políticas próximas à China.
Em junho, quando visitou a China e renovou o acordo de financiamento via swap cambial, Massa brincou dizendo que seu país deveria ser rebatizado de "Argenchina".
Do outro lado está o candidato de ultradireita, Javier Milei, que já atacou o gigante asiático em diversas oportunidades, tanto durante a campanha quanto muito antes, chegando a dizer que, se eleito, não faria "negócios com comunistas".
Em agosto, antes das eleições primárias – quando superou os candidatos tradicionais –, Milei disse que "as pessoas não são livres na China, não podem fazer o querem e, quando o fazem, são mortas". O Ministério das Relações Exteriores chinês rebateu convidando-o a conhecer o país, relembra a mídia.
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Para o cientista político que dirige o Observatório Sino-Argentino, Patricio Giusto, se Milei for eleito "o mais provável é que aconteça algo como foi com Jair Bolsonaro, a realidade se impõe e ele terá de negociar e cooperar com a China. Não por convicção, mas por necessidade", afirmou.
No entanto, o modelo "Argenchina" tem suas consequências. Para o economista Juan Carlos Hallak, professor de economia internacional da Universidade de Buenos Aires, o grande problema do aprofundamento desse tipo de laço – com cada vez mais importações da China que exportações da Argentina – é a fragilização da indústria local.
"O Brasil é o mais importante, para onde exportamos produtos com mais especialização, como carros e máquinas agrícolas. A China é para onde exportamos as commodities, em especial carne e soja. Aos poucos precisamos diversificar nossa pauta de exportação. Nesse aspecto, é um problema parecido com o do Brasil, precisamos de novos mercados e de especialização industrial", disse Hallak ouvido pelo Valor Econômico.
A única certeza é que a China continuará a ter um peso grande no futuro da Argentina, seja pelos repasses ainda previstos para ocorrer, seja pela dívida incalculável. Se o eleito for Massa, analistas esperam pelo "melhor momento" da relação bilateral já vista até o momento.
"Sem a China, a situação seria mais grave do que já é. Esses empréstimos foram como um salva-vidas para atenuar a explosão que vai acontecer em algum momento. A situação econômica é insustentável, independente de quem ganhar a eleição", finalizou Giusto.
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