Panorama internacional

Brasil e países africanos têm desafios comuns no Atlântico Sul, diz capitão de fragata da Marinha

A Marinha do Brasil encerrou na última semana um exercício militar conjunto com as forças navais de Angola, Costa do Marfim, Namíbia e Togo, iniciado em setembro, com a chegada da fragata em solo brasileiro.
Sputnik
A missão visava capacitar as forças da costa oeste africana, abrangendo desde o enfrentamento da pirataria, do sequestro de pessoas e do tráfico de armas e drogas até operações de socorro e salvamento. O intuito também era fortalecer laços e promover a segurança marítima na região.
Em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, o capitão da embarcação, Leonardo Gomes Barros, discutiu os significativos avanços e contribuições resultantes da recente participação em exercícios militares multinacionais na África.
Ele avalia que a Marinha do Brasil desempenhou papel crucial na operação Grand African Nemo, fortalecendo sua imagem e aprimorando a interoperabilidade regional no Atlântico Sul, consolidando o país como ator geopolítico relevante na região.

"A participação da Marinha no exercício militar multinacional e as visitas representativas aos países africanos contribuíram para a interoperabilidade regional dos países do Atlântico Sul no enfrentamento à insegurança marítima, bem como para o fortalecimento de laços de amizade entre os países."

O capitão ressalta a importância em compartilhar conhecimento, o que possibilita a adaptação de técnicas africanas ao modelo vigente brasileiro e vice-versa. "Os desafios para a segurança marítima no Atlântico Sul são comuns aos países africanos e ao Brasil, como tráfico de drogas, descaminho ou pesca ilegal."

"Realizar o exercício multinacional que explora o uso da plataforma de monitoramento e vigilância da arquitetura de Yaoundé (YARIS) é um grande compartilhamento de conhecimento e aprendizado. Isso contribui sobremaneira para a interoperabilidade regional e, consequentemente, para o combate à insegurança marítima no Atlântico Sul."

Para ele, a consolidação da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (Zopacas) é fundamental para as relações bilaterais e o fortalecimento militar naval. Países pertencentes à zona têm interesse comum em dissuadir e afastar áreas de perigo no Atlântico Sul, buscando fomentar a economia azul, por meio de incremento na segurança marítima regional.
"A maior interação entre as marinhas do continente africano e do Brasil proporciona o fortalecimento de procedimentos de enfrentamento à insegurança."
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Por fim, ele ressalta outras missões em curso, como Obangame Express, Grand African Nemo e GUINEX, no continente africano, e FRATERNO, UNITAS e BOGATUN, na América do Sul.

Quais os países que compõem a Zopacas na atualidade?

A Zopacas é integrada por 24 países, sendo eles África do Sul, Angola, Argentina, Benin, Brasil, Cabo Verde, Camarões, Congo-Brazzaville, Congo-Kinshasa, Costa do Marfim, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Libéria, Namíbia, Nigéria, São Tomé e Príncipe, Senegal, Serra Leoa, Togo e Uruguai, conforme resolução de 1986 das Nações Unidas.
O comandante Robinson Farinazzo, oficial da reserva da Marinha e apresentador do canal Arte da Guerra, comenta que havia maior prioridade dada por governos anteriores, especialmente durante as primeiras gestões de Luiz Inácio Lula da Silva.
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No entanto, uma reunião ministerial em Cabo Verde ocorrida em abril trouxe os países-membros da Zopacas de volta à mesa de discussões, após um hiato que se estendia desde 2013.
Ele ressalta a importância do Atlântico Sul para o Brasil, destacando a dependência do país de exportações e importações, bem como a necessidade de fortalecimento naval para garantir linhas de comunicação marítimas seguras e portos abertos.

"É o maior desafio estratégico do nosso país, porque dependemos de exportações e importações […]. Lógico, se pudermos contar com o apoio e a cooperação de marinhas amigas nesse sentido, eu acho muito importante."

Onde a Marinha atua?

A Marinha do Brasil é um dos três ramos das Forças Armadas do Brasil, responsável por conduzir operações navais. Sendo a maior da América do Sul e da América Latina, e a segunda maior da América, a força é vista como uma peça importante na segurança do Atlântico Sul.
Farinazzo comenta que o período dos militares na África contribui para o desenvolvimento militar e de imagem da Marinha brasileira, consolidando laços diplomáticos e fortalecendo a posição do Brasil no cenário internacional. "A Marinha não é um corpo independente, ela segue a política externa do Brasil."

"A Marinha, seguindo os passos da política externa do Brasil, deve ampliar a cooperação não só com as marinhas dos países da África, mas também do Oriente Médio, outras nações sul-americanas, Europa etc."

Diante de desafios globais, especialmente destacando conflitos recentes, como o de Israel, o comandante sublinhou a necessidade de o Brasil investir em capacidades de defesa avançadas, como mísseis de longo alcance e drones, para proteger suas linhas de comunicação marítimas e garantir a segurança nacional.

"O Brasil é um país que se relaciona bem com todo mundo, nós não temos problemas de fronteira com ninguém (não no atual momento), então o Brasil procura cooperar com as marinhas das nações amigas. Mas precisamos pensar estrategicamente."

Ainda assim, segundo ele, o bom desempenho do militar brasileiro em território internacional faz com que o histórico positivo pese a favor.

"O militar brasileiro é altamente competente, empenhado. Ele já é empenhado nos serviços no Brasil, imagina quando você está lidando com o exterior. Penso que a missão tem bom resultado e que o relacionamento militar do Brasil com outros países sempre foi muito bom", ressalta, comentando também a atuação militar brasileira durante a Segunda Guerra Mundial, em Suez e no Haiti.

O especialista explica que o Brasil oferece treinamento a outros países, tais como técnicas de guerra de selva, guerra de caatinga, operações urbanas e missões de força de paz. Vale ressaltar que a Marinha atua não somente protegendo o litoral, mas também rios e lagos em todo o território brasileiro.

Qual é a função da Marinha na cooperação com a África?

Superintendente de pesquisa e pós-graduação da Escola Naval, o almirante Márcio Franco comenta que a cooperação militar-naval com alguns países da África é antiga e positiva para o Brasil e seus parceiros. "Essas parcerias só se fortalecem ano a ano. Desde a instituição da Zopacas pela ONU, os países africanos veem o Brasil como um amplo parceiro em diferentes campos, especialmente no econômico, social e militar."
"A imagem da Marinha do Brasil é a melhor possível. Somos muito bem recebidos em qualquer porto de países amigos. As cooperações militar-navais abrangem do apoio ao treinamento básico até a formação de pessoal especializado na condução de embarcações, incluindo máquinas e navegação."
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Para ele, a missão atual é uma das centenas iniciativas já conduzidas, que trazem valor de cooperação. "As técnicas treinadas e repassadas são de conhecimento internacional. Não há novidades nessas técnicas de cooperação. O que a Marinha aplica são apenas ações de boa vontade e maior aproximação com os países visitados. Quando solicitado, realizamos o treinamento conjunto."

"Embora eu não fale por toda a instituição, a Marinha é muito zelosa com a cooperação internacional, que, ao final, contribui para a imagem positiva do país. Essas ações refletem o compromisso e a responsabilidade do Brasil em ser um parceiro confiável, fortalecendo os laços e a compreensão mútua entre as nações."

Por fim, ele ressalta que há cooperações na formação de fuzileiros navais, "o que é muito salutar, pois cria uma estreita ligação entre o instrutor e o aluno e, consequentemente, com a terra a que pertencem. Todas as formas de cooperação são muito bem avaliadas".
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