Panorama internacional

Arquiteto do caos: a influência do pensamento de Zbigniew Brzezinski na política externa americana

Poucos pensadores tiveram tanta influência sobre a formulação da política externa americana como Zbigniew Brzezinski que atuou como conselheiro de Segurança Nacional para o presidente Jimmy Carter (1977-1981).
Sputnik
Posteriormente, Brzezinski ocupou o cargo de assessor político no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, um influente think tank localizado em Washington.
Enquanto pensador e geoestrategista, as ideias de Brzezinski acabaram se tonando verdadeiros dogmas na relação dos Estados Unidos com a Europa, servindo de fundamento para a expansão da influência estadunidense no continente.
Desde 1997 Brzezinski já escrevia sobre a necessidade de ampliação da União Europeia que, em sua visão, criaria laços econômicos e interesses políticos comuns, os quais deveriam ser protegidos pela Aliança Atlântica (OTAN).
Com isto, sugeria Brzezinski, a expansão da União Europeia deveria ser acompanhada por uma expansão correspondente da OTAN no contexto pós-Guerra Fria. A Europa, dizia ele, era uma espécie de "cabeça de ponte dos Estados Unidos na Eurásia", enquanto a OTAN representava o principal baluarte da influência militar americana no continente.
Para Brzezinski, a participação da Rússia na Aliança Atlântica (que chegou inclusive a ser cogitada no final da década de 1990 e início dos anos 2000) diluiria a organização a ponto de torná-la sem sentido.
O raciocínio implícito no pensamento de Brzezinski era simples: como a OTAN poderia sobreviver se absorvesse seu principal rival geopolítico? Ao mesmo tempo, Brzezinski entendia que, se os russos fossem categoricamente excluídos e rejeitados em sua tentativa de melhorar relações com a Aliança Atlântica, Moscou se ressentiria com a situação.
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Lembremos que, por diversos momentos em sua história, a Rússia se viu rejeitada, cercada e isolada pelo Ocidente, o que frequentemente contribuiu para aumentar a desconfiança entre as duas partes, e nisso Brzezinski tinha alguma razão.
Brzezinski, no entanto, chegou a sugerir que a questão da participação de Moscou teria de ser levada em consideração apenas quando a OTAN já tivesse alcançado as fronteiras da Rússia – e somente se a Rússia satisfizesse os critérios básicos para adesão à aliança.

Nesse quesito, Brzezinski subestimou as preocupações históricas da Rússia quanto à sua segurança, compartilhadas por vários de seus governantes ao longo dos tempos. Stalin, por exemplo, defendia que: quando um Estado deseja atacar outro com o qual não faz fronteira, esse Estado (o agressor) começa a criar "novas fronteiras" até se aproximar daquele Estado que deseja atacar.
Ora, a expansão da OTAN (na forma não de um Estado, mas sim de um grupo de Estados) para o leste em direção às fronteiras da Rússia representou exatamente esse tipo de ameaça para Moscou.
Seja como for, o que mais surpreende nos trabalhos de Brzezinski é o grau de sua precisão em prever os movimentos de expansão da OTAN no final da década de 1990 e começo dos anos 2000.
Escrevendo em 1995 para a revista americana Foreign Affairs, Brzezinski aponta que os quatro países da Europa Central a serem absorvidos primeiro pela OTAN deveriam ser: Polônia, República Tcheca, Hungria e Eslováquia, e que tal processo poderia ser concluído até o final de 1998.
Ora, foi em 1999 (somente um ano depois do prazo imaginado por Brzezinski) que Polônia, República Tcheca e Hungria aderiram à OTAN durante a primeira onda de expansão da aliança no Leste Europeu.
Já em 2004 foi a vez de Estônia, Letônia, Lituânia, Eslováquia, Romênia e Bulgária entrarem para o quadro da organização, com a OTAN passando a fazer fronteira com a Rússia por meio dos Estados Bálticos. O sonho de Brzezinski de colocar a OTAN frente a frente com a Rússia havia sido realizado.
Com efeito, Brzezinski enxergava na expansão da OTAN um processo historicamente construtivo de moldar uma Europa segura, estável e democrática, de forma a mimetizar os próprios Estados Unidos.
Todavia, a receptividade europeia à ampliação da OTAN (sob direção americana) trouxe consigo uma grande instabilidade para o continente. Revelou, como apontara Putin ainda em 2007 na Conferência de Munique, na Alemanha, que a ampliação da Aliança Atlântica nada tinha a ver com sua modernização ou com a defesa da democracia, mas sim tratava-se de uma provocação aberta contra a Rússia.
Não obstante, Brzezinski sugeria à administração americana a elaboração de manobras conjuntas periódicas, planejamento coordenado e o pré-posicionamento de equipamentos militares nos novos Estados-membros, de forma a dar substância às garantias inerentes ao artigo 5º da OTAN, que versam sobre o mecanismo de defesa coletiva.
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Foi justamente isso que acabou ocorrendo quando mísseis antibalísticos foram instalados em países como Romênia e Polônia após 2008, acentuando ainda mais a percepção do Kremlin de que a expansão da OTAN era de fato direcionada contra a Rússia.
No tocante à Ucrânia, Brzezinski já deixava claro que o país, por seu tamanho e localização geoestratégica, era importante demais para ser ignorado pela União Europeia e pela OTAN. Entre 2005 e 2010, indicava Brzezinski, a Ucrânia, desde que tenha feito reformas domésticas significativas, já deveria iniciar negociações para sua admissão ao bloco europeu e à Aliança Atlântica.
A precisão de Brzezinski novamente se fez presente, posto que foi exatamente em 2008, durante a Conferência de Bucareste, na Romênia, que os países da OTAN manifestaram sua intenção de incluir Ucrânia e Geórgia em seu quadro de países-membros.
Tão logo os planos da OTAN foram anunciados, a Rússia expressou abertamente seu descontentamento com relação ao desejo da aliança de absorver os seus vizinhos a oeste e ao sul das fronteiras russas.
Na época, Moscou acreditava que se Ucrânia e Geórgia fossem aceitos como membros do bloco militar ocidental, mísseis balísticos e tropas da OTAN seriam instalados em seus territórios, algo facilmente realizável por meio de um simples comando de Washington.
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Não por acaso, já havia ficado claro para a Rússia que a intenção da OTAN – e no limite da administração americana – era utilizar os países vizinhos como "plataformas" para minar sua segurança e sua posição no espaço pós-soviético.
No final das contas, a eclosão do conflito na Ucrânia em 2022 se deveu em grande medida às políticas erráticas dos Estados Unidos em levar adiante justamente uma política de expansão da Aliança Atlântica para próximo das fronteiras da Rússia, sem levar em consideração as apreensões de Moscou sobre o assunto.
Tudo isso porque os americanos decidiram colocar em prática os conselhos e orientações de Zbigniew Brzezinski, um de seus principais visionários geopolíticos e verdadeiro arquiteto do caos.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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