Panorama internacional

O fator Celso Amorim: como o ex-chanceler continua decisivo para a política externa brasileira?

Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil entre os anos de 2003 e 2010 e atual conselheiro e assessor político especial para assuntos estrangeiros de Lula, tem voltado ao noticiário internacional.
Sputnik
Primeiro, por sua visita não anunciada à Rússia em abril, em que foi recebido pelo presidente Vladimir Putin e, mais recentemente, por conta de declarações em tom de crítica aos Estados Unidos depois da visita de Lula à China.

Numa dessas declarações, Amorim chegou a mencionar que o Brasil não é obrigado a seguir automaticamente a posição e a interpretação dos americanos acerca de questões importantes da agenda internacional, como é o caso, por exemplo, do conflito na Ucrânia.
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Por certo, por trás das declarações e posições de Amorim residem fatores importantes da política externa brasileira, fatores esses que o próprio chanceler ajudou a cristalizar durante o período em que ocupou o posto de maior importância diplomática do Brasil no começo dos anos 2000.
Um desses fatores trata-se de sua crítica às tentativas de isolamento político de determinados países (como Cuba, Venezuela, Irã e agora a Rússia) empreendidas pelo Ocidente, caracterizadas por Amorim como um "erro estratégico", que resulta somente em instabilidade internacional.
No limite, essas tentativas acabam sendo usadas como chantagem política e econômica no intuito de limitar a soberania dos Estados considerados "indesejáveis" para Washington e para os europeus.
O então ministro da Defesa do Brasil, Celso Amorim, à esquerda, aperta a mão do ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, enquanto uma projeção das bandeiras de seus países cobre parcialmente suas cabeças em uma cerimônia em Brasília, Brasil, 16 de outubro de 2013
Por outro lado, a posição de Amorim, assim como a do Brasil, defende a independência política dos países, assim como sua liberdade de definir os caminhos para a condução de sua política doméstica e externa, sem submeter-se aos interesses e aos ditames de potências estrangeiras.
No geral, as declarações de Amorim demonstram, portanto, sua preocupação quanto à atual ingerência americana no sentido de ditar como os demais países e governos devem agir, sobretudo no que se trata da questão envolvendo o conflito na Ucrânia e os caminhos para sua resolução.
Amorim reitera a importância da cooperação internacional e da busca por uma solução pacifica para a crise (justamente um dos princípios das relações internacionais do Brasil), ou seja, uma solução que envolva os interesses de todos os atores envolvidos.solução que envolva os interesses de todos os atores envolvidos.
Com efeito, assim como em sua passagem anterior pelo Ministério das Relações Exteriores, Amorim tem procurado demonstrar que o atual governo Lula será marcado por uma maior autonomia e assertividade do Brasil na condução de suas relações internacionais, independentemente das críticas que possam ser levantadas contra o presidente ou contra o próprio Itamaraty.
O então ministro Celso Amorim e a então secretária de Estado do EUA, Hillary Clinton, conversam no Palácio do Planalto, em 1º de janeiro de 2010
Essa maior autonomia do país, por sua vez, se dará através de uma política de "não alinhamento automático" (conforme definida recentemente pelo atual ministro brasileiro Mauro Vieira), o que implica que o Brasil não deverá tomar lado em meio à disputa global hoje em curso envolvendo Estados Unidos e China num primeiro plano, mas que também sofre influência das atuações de potências importantes como União Europeia, Rússia, Índia e Japão.
Diante desse contexto, o Brasil deverá desempenhar um papel relevante como uma potência regional responsável e potencial liderança no âmbito do Sul Global, reafirmando a importância de defender o multilateralismo e a multipolaridade nas relações internacionais.
Ainda sobre a questão da "multipolaridade", Amorim com frequência reitera em suas entrevistas a necessidade de estabelecer relações próximas com países que compartilham desse mesmo princípio, o que culminou – em meados dos anos 2000 – na formação de blocos políticos importantes entre o Brasil e nações pertencente às mais variadas partes do globo, como a América Latina, África e sobretudo a Ásia.
O então ministro das Relações Exteriores, embaixador Celso Amorim, e o então embaixador da Representação da UE, João José Soares Pacheco, em cerimônia de Assinatura de Atos, 14 de julho de 2010
Fruto dessa visão tornou-se a diversificação das parcerias econômicas do Brasil durante os dois primeiros mandatos de Lula com países como China, Índia e Rússia, o que acabou por reduzir a dependência do país em relação a mercados tradicionais como os EUA e a União Europeia.
Nesse quesito, o papel de Celso Amorim para o Brasil pode ser analogamente comparado ao de Evgeny Primakov (ministro das Relações Exteriores russo de 1996 a 1998) para a Rússia, que apregoava uma cooperação mais profunda de Moscou com potências emergentes do sistema (sobretudo China e Índia) para a consolidação de um mundo multipolar que reflita a pluralidade civilizacional e política existente no mundo.
Primakov e Amorim, portanto, poderiam ser considerados, sem prejuízo do exagero, como autores ativos do conceito de multipolaridade nas relações internacionais, o que acabou resultando, por exemplo, na criação do grupo BRIC em 2009 e na consolidação do G20.
Celso Amorim, encontra-se com o então presidente da República Islâmica do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, em Teerã, 27 de abril de 2010
Por conseguinte, o legado Amorim revela-se pela participação mais ativa do Brasil no sistema e em sua busca por um papel de maior relevância na ordem global, condizente com o seu tamanho e a sua importância em termos de população e economia.
Por esse e por outros fatores é que o Brasil passou a se engajar mais ativamente em temas internacionais como a questão da mudança climática, defesa do meio ambiente (envolvendo sobretudo a Amazônia), a promoção do desenvolvimento econômico sustentável e a busca por uma solução pacífica para o conflito russo-ucraniano.
Não obstante, esse legado também se manifesta pelo continuado desejo brasileiro em aumentar sua influência nas instituições multilaterais do pós-guerra, como é o caso do Conselho de Segurança da ONU, do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, ajudando assim a construir uma ordem internacional mais justa e equilibrada.
Por fim, a contribuição recente de Amorim na retomada do discurso brasileiro em torno da resolução pacífica dos conflitos, sua intenção de fazer com que o Brasil exerça um papel de protagonismo no mundo, assim como sua reiterada posição de defesa dos interesses nacionais do país representa um lampejo daquela política "altiva e ativa" exercida pelo Itamaraty em meados dos anos 2000.
Como sabido, embora a conjuntura internacional de hoje seja bem diferente de quando Amorim esteve à frente da diplomacia brasileira, sua presença e atuação política como assessor especial de Lula no atual governo continuará sendo um fator decisivo para a (re)inserção do Brasil nas relações internacionais e para a consolidação de sua autonomia neste cenário global cada vez mais complexo e desafiante.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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