Panorama internacional

EAU mostram que relação com Brasil não se restringe a Bolsonaro, diz analista sobre viagem de Lula

Emirados Árabes Unidos insistiram em manter a viagem do presidente Lula no dia 15 de abril. Para um analista ouvido pela Sputnik Brasil, a monarquia do Golfo quer provar ao petista que suas relações são com o Brasil, e não com a família Bolsonaro.
Sputnik
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva realizará uma visita aos Emirados Árabes Unidos (EAU) no dia 15 de abril, após concluir sua viagem à China entre os dias 11 e 14 de abril. Na capital, Abu Dhabi, Lula deverá se reunir com o sheik Mohamed bin Zayed Al Nahyan, emir de Abu Dhabi e presidente dos EAU.
Na pauta bilateral estarão assuntos como os investimentos do fundo soberano do país, a Autoridade de Investimento de Abu Dhabi, no Brasil e o aumento do comércio bilateral.
A viagem de Lula a um país geograficamente pequeno em um momento de turbulências na política interna se explica pela insistência dos próprios EAU para realizar o encontro.
"Muitos se perguntaram por que não uma visita à Arábia Saudita", disse o pesquisador em Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) Jonuel Gonçalves à Sputnik Brasil. "Mas uma visita à Arábia Saudita não poderia ser de poucas horas. Então essa escala nos EAU será um teste de Lula na região do golfo Pérsico."
De acordo com informações do portal Metrópoles, o convite a Lula partiu da chancelaria dos EAU, que insistiram para que o Itamaraty incluísse a escala em Abu Dhabi no roteiro do presidente.
O especialista ainda nota que ambas as partes poderiam ter cancelado a viagem após o adiamento do encontro em função da pneumonia do presidente Lula.
Abu Dhabi, UAE
"Os EAU mostraram claramente ter o interesse em manter a agenda", revelou Gonçalves. "A diplomacia brasileira inclusive sublinhou que a viagem ocorreria durante o [mês sagrado para a religião muçulmana] Ramadan, mas os EAU disseram que isso não é um problema."
Um dos intuitos da monarquia árabe seria manter a sua recém-adquirida influência no Brasil. Durante o governo Bolsonaro, os laços entre o Brasil e o golfo Pérsico no geral ficaram no topo da agenda internacional. O presidente e membros de sua família realizaram repetidas visitas a países como EAU, Catar, Arábia Saudita e uma nova embaixada brasileira foi aberta em Manama, capital do Bahrein.
"Os EAU querem mostrar que a ligação que tiveram com o governo Bolsonaro era de Estado a Estado, e não de governo a governo", acredita Gonçalves. "O intuito é manter boas relações com o governo Lula."
A delegação de Lula, no entanto, deverá lidar com ex-membros do governo Bolsonaro que seguem dando as cartas nas relações Brasil–EAU. Por exemplo, o ex-secretário de Produtos de Defesa, Marcos Degaut, agora chefia a filial do conglomerado dos emirados Edge Group, interessada na compra da empresa brasileira do setor de defesa Avibrás.

Interesses de ambos os lados

Apesar do empenho dos EAU em realizar o encontro presidencial, o Brasil também tem muito interesse em manter a parceria com o país do Golfo.

"O grande interesse brasileiro nos EAU é na questão de investimentos. Os EAU têm um fundo soberano com capital de US$ 800 bilhões [cerca de R$ 4 trilhões], que é praticamente equivalente ao PIB da Argentina", explicou Gonçalves.

Segundo ele, o Brasil sofre com escassez de capital para retomar a sua atividade econômica e por isso quer atrair fundos da monarquia do Golfo.
Presidente Jair Bolsonaro recebe cumprimentos ao desembarcar em Dubai, 23 de janeiro de 2021
"Esse capital tem a vantagem de não estar ligado a países que já têm relações econômicas e financeiras muito fortes com o Brasil", disse Gonçalves. "A orientação brasileira é diversificar ao máximo seus parceiros para não depender de ninguém."
Os países do Golfo também veem com bons olhos a possibilidade de aumentar sua participação no Brasil, uma potência regional e agroalimentar com uma legislação de investimentos estrangeiros bastante liberal, apontou o analista.

Escala da paz?

O conflito ucraniano deve estar na agenda de Lula durante sua viagem à China. O presidente tenta emplacar a ideia de formar um grupo de países amigos que facilitem o diálogo entre Moscou e Kiev. Nos Emirados Árabes, no entanto, o tema oficialmente não está na agenda.
"A Arábia Saudita já se colocou na posição de potencial mediadora. Por isso, se os Emirados Árabes se levantarem muito para falar nesse assunto, podem dar a impressão de estar concorrendo com seus vizinhos sauditas", considerou Gonçalves. "A política árabe tem áreas de sensibilidade muito grande."
O especialista não exclui a possibilidade de o conflito ser eventualmente citado em uma declaração conjunta, após o encontro entre Lula e o sheik Mohamed bin Zayed.
O príncipe e primeiro-ministro Mohammed bin Salman, em Riad, na Arábia Saudita, em 24 de outubro de 2018
"Outra possibilidade é uma conversa sobre esse tema nos bastidores. Mas nesse caso, provavelmente os EAU iriam pedir ao Brasil que se una ao processo de paz capitaneado pelos sauditas", disse Gonçalves.
Os temas da área de segurança internacional não serão o foco da visita, que estará centrada em questões econômicas, financeiras e comerciais.
"O Brasil tem em relação a esses países uma visão comercial [...] para além disso, o Brasil não tem interesse em se envolver em conflitos ou operações nessa região", concluiu Gonçalves.
No dia 15 de abril, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve visitar a capital dos Emirados Árabes Unidos, Abu Dhabi. Em maio de 2020, o presidente Jair Bolsonaro realizou uma visita ao país, quando se reuniu com o príncipe herdeiro de Abu Dhabi e comandante supremo das Forças Armadas, Mohamed bin Zayed Al Nahyan, e com o emir de Dubai e vice-presidente e primeiro-ministro Mohammed bin Rashid Al Maktoum.
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