Panorama internacional

Ao negar armas à Ucrânia, Colômbia rompe com a OTAN?

A decisão da Colômbia de se negar a enviar armas à Ucrânia acompanhou a de outros países latino-americanos. Mas somente Bogotá faz parte dos "parceiros globais" da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). A Sputnik Brasil ouviu especialistas para entender se, ao contrariar apelos de EUA e Europa, a Colômbia estaria abandonando a OTAN.
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"Dos Estados Unidos nos pediram para entregar [munições] à Ucrânia, e eu disse a eles que a Constituição colombiana manda a paz", disse o presidente colombiano, Gustavo Petro, durante entrevista coletiva durante a cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), em Buenos Aires, no fim de janeiro.

"Não estamos com ninguém, estamos com a paz, por isso nenhuma arma [da Colômbia] será usada nesse conflito", afirmou Petro.

A declaração do mandatário colombiano acompanha a de outros países da região, como Brasil, Argentina, México e Chile. Mesmo sob intenso assédio dos EUA e de países europeus — em especial a Alemanha —, os governantes latino-americanos se recusaram a seguir os passos do Ocidente. Para a Rússia, ao armar a Ucrânia, os europeus estão intensificando o conflito.
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Além da posição de Petro sinalizar uma certa unicidade da região em se manter neutra diante do conflito, indica um certo distanciamento do país da OTAN. Desde 2018, a Colômbia é considerada "parceira global" do bloco atlântico, e apenas Bogotá tem esse status na América Latina.

Colômbia mais distante da OTAN

Para Amanda Harumy, professora de relações internacionais da Fundação Santo André (FSA), essa decisão indica um certo distanciamento da Colômbia de Petro dos EUA e da OTAN, apesar de ainda haver grande influência norte-americana no meio militar colombiano.

"A gente pode dizer que, sim, tem um esvaziamento, que há uma ruptura, nem que ela seja política e simbólica e de narrativa. Mas existe toda uma lógica e uma estrutura militar na Colômbia construída [com base na influência dos Estados Unidos]. Isso não muda de um dia para o outro."

Harumy aponta que as visitas diplomáticas feitas por países europeus e pelos EUA à América Latina têm como objetivo "pressionar os países que ainda não se posicionaram em relação ao conflito". A especialista aponta ainda que essa posição de Petro só pôde ser mantida por conta da unidade regional e destaca o papel do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, nesse cenário.
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"Os Estados Unidos estão pressionando, estão utilizando das suas influências econômicas, políticas e militares para fazer essa manipulação na América Latina. Mas a vitória do Lula, essa retomada da lógica de que a América Latina deve cooperar, se integrar e se posicionar no mundo como região, fortalece o posicionamento do Petro. Sem Lula, sem a América Latina se posicionando [em conjunto], seria muito mais difícil [para Bogotá manter autonomia]. Hoje toda a região está fazendo a mesma leitura. E vale lembrar que não é só a América Latina. É a África, a Eurásia. Muitos países não estão aderindo a essa lógica de guerra unilateral e sim compreendendo que é um grande conflito que tem uma reorganização da ordem mundial."

"Me parece que se desenha um grande conflito mundial e a América Latina tem um privilégio —um privilégio geográfico e econômico — de estar distante mais uma vez, assim como foi na Primeira Guerra Mundial e na Segunda Guerra Mundial. Isso faz com que a gente tenha o privilégio de ser neutro o maior tempo possível e também ter uma tomada de decisão mais confortável", acrescenta a professora da FSA.
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Houve acordo entre Petro e Washington?

Para Giorgio Romano, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e membro do Observatório de Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil (OPEB), a questão do não fornecimento de armas da Colômbia à Ucrânia é "apenas um detalhe em um quadro muito mais amplo" que afeta as relações entre Bogotá, os EUA e a OTAN.

"As Forças Armadas da Colômbia estão muito integradas com os EUA e são uma das mais preparadas da América do Sul, e a Colômbia é um parceiro global da OTAN, único país da América Latina que tem esse status. Mas fornecer armas é apenas um detalhe, não influencia muito. Bogotá não tem obrigação de fornecer, afinal a Colômbia não é membro pleno da OTAN. A grande questão é se os EUA, considerando o papel estratégico da Colômbia, vão aceitar o governo Petro."

Romano lembra que houve muita movimentação na véspera das eleições colombianas envolvendo os EUA — inclusive representantes da agência de inteligência CIA — em razão da evidente chance de vitória de Petro. O atual presidente se tornou o primeiro líder de esquerda a ser alçado a essa posição na história do país, uma novidade que era temida pelas elites locais e por Washington, que perderia seu principal aliado na América do Sul.
O especialista acredita que se firmou algum pacto entre Petro e os EUA para garantir que o resultado das eleições fosse respeitado. Esse acordo, acredita Romano, pode ter envolvido a garantia de que o novo governo não romperia com a OTAN. Por isso ele não enxerga um caminho de rompimento.

"O que a gente deduz? Que houve algum acordo, nas eleições, para os EUA aceitarem a vitória do Petro. No caso do Brasil, os EUA já conhecem o Lula, mas na Colômbia era diferente, uma mudança mais emblemática. [...] Eu trabalho com a hipótese de que houve algum acordo, o que envolveria não tensionar a relação com a OTAN, manter a Colômbia nessa parceria global como uma referência da OTAN para a América do Sul. Tanto que, às vezes, o Petro fala umas coisas estranhas sobre o papel da OTAN. Não me parece que está trabalhando para um rompimento", aponta.

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"Tanto as Forças Armadas da Colômbia quanto as do Brasil podem não gostar da esquerda, nem do Petro, nem do Lula, mas o limite da ação delas são os EUA. Se os EUA deixam claro que não é para derrubar o governo, elas não vão fazer sozinhas", completou.
Sobre uma possível pressão para uma mudança de posição, Romano aponta que os EUA entenderam que "precisam garantir alguma autonomia à América do Sul, porque, se apertar demais, os países têm alternativasno caso, a China".

"Era previsível que Petro não ia mandar armas para a Ucrânia. Não deve ter surpreendido ninguém da OTAN. Na verdade, o país que mais se posicionou contra a Rússia foi o Chile. Mas, no Chile, o Olaf Scholz escutou a mesma coisa [que não teria envio de armas de Santiago a Kiev]", destacou o professor da UFABC.

"Essa é a posição do Sul Global inteiro. É a posição da Índia, da África do Sul. É uma lição para a Europa e foi uma lição para o Olaf Scholz: 'A guerra é de vocês'. Não interessa ao Sul Global tensionar esse conflito", frisa Romano.
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