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Os 80 anos da Batalha de Stalingrado: a grande vitória soviética que o Ocidente tentou apagar

A vitória do Exército soviético sobre tropas da Alemanha nazista na Batalha de Stalingrado completa 80 anos em 2023. À Sputnik Brasil, analistas explicam a importância do confronto e a tentativa do Ocidente de reescrever os fatos.
Sputnik
A Batalha de Stalingrado foi um dos mais importantes eventos da Segunda Guerra Mundial. Travada pelo Exército soviético contra as tropas da Alemanha nazista entre 17 de julho de 1942 e 2 de fevereiro de 1943, seu fim completa 80 anos em 2023.
Um dos embates mais sangrentos já vistos na história moderna, a batalha ceifou a vida de cerca de 700 mil soldados soviéticos, que morreram impedindo que tropas alemãs atravessassem a cidade.
A Batalha de Stalingrado também é considerada um marco na Segunda Guerra Mundial, pois foi a vitória soviética no confronto que colocou o exército da Alemanha nazista, pela primeira vez, na posição defensiva na guerra.
Para entender a magnitude da Batalha de Stalingrado e sua importância para a luta contra o nazismo, a Sputnik Brasil conversou com João Cláudio Pitillo, professor de história e pesquisador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e Eden Pereira Lopes da Silva, professor de história, pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Sobre África, Ásia e as Relações Sul-Sul (NIEAAS), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e membro do Grupo de Estudos 9 de Maio.
João Cláudio Pitillo destaca que a Batalha de Stalingrado representa um ponto de virada no curso da Segunda Guerra Mundial.

"A Batalha de Stalingrado foi uma das mais importantes da Segunda Guerra Mundial, não só pela vitória militar, mas pela vitória política que a União Soviética submeteu à Alemanha, invencível até então", destaca o pesquisador.

Ele acrescenta que, ao derrotar o 6º Exército alemão em Stalingrado, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) impediu que as forças nazistas retomassem a iniciativa no Leste Europeu.
"Com isso, eles [os soldados soviéticos] evitaram que o Japão e a Turquia entrassem na guerra, do lado do Eixo, e permitiram que os aliados ocidentais continuassem suas operações na África, culminando na invasão da Itália com mais segurança", afirma Pitillo.
Pitillo destaca que a vitória na batalha reacendeu a esperança da população soviética, de que era possível vencer o que classifica de "máquina de guerra alemã", que até então vinha impondo derrotas seguidas às forças aliadas.

"Aquilo [a vitória soviética] proporcionou uma vitória da propaganda soviética para o seu povo também, de que valia a pena resistir. Porque até então eram só amarguras, derrotas e uma penetração quase que inevitável das forças fascistas. E naquele momento o Exército Vermelho diz: 'Não, a partir de hoje não haverá mais vitória nazista no leste'", diz o pesquisador.

Ele acrescenta que a vitória soviética na Batalha de Stalingrado "reverberou em outros teatros de operações" e culminou em um avanço, a partir de 1943, de todas as forças aliadas contra o fascismo.

"A Batalha de Stalingrado foi importantíssima não só para a URSS, não só para os soviéticos, mas para todo o contexto antifascista. Não haveria uma vitória em 1945 se não houvesse uma vitória em 1943, em Stalingrado", destaca o pesquisador.

Os múltiplos interesses de Hitler no território russo

À Sputnik Brasil, o professor de história Eden Pereira destaca que o interesse de Hitler em expandir para o território russo tem como base três fatores.

"Desde que o Partido Nazista de Adolf Hitler assumiu o poder, tinha como uma das suas principais direções políticas a expansão da Alemanha para o leste, principalmente em direção à União Soviética."

Segundo Pereira, essa agenda tinha um componente ideológico, uma vez que "a Alemanha nazista, desde o início, se propunha, se posicionava enquanto um país destinado a fazer uma cruzada contra o comunismo na Europa".
Ele ressalta que, além da ideologia, havia uma questão racial envolvida e que "os alemães consideravam que os povos que habitavam as áreas da União Soviética no Leste Europeu eram povos inferiores".
"Então existia, por assim dizer, esse princípio racista alemão, em conjunto com o princípio ideológico do anticomunismo, e que tinha a ver com uma ideologia de expansão territorial da Alemanha que abrangesse essas áreas da União Soviética", diz o professor.
Eden Pereira acrescenta que o terceiro fator que levou Hitler a planejar a invasão à URSS foi econômico.

"A União Soviética tinha uma grande quantidade de reserva de recursos naturais que estavam começando a ser explorados naquele período e que eram fundamentais para a indústria moderna. Tinha petróleo, zinco, níquel, boa parte dos recursos minerais que eram necessários para a máquina de guerra nazista e para as indústrias alemãs. Então para a Alemanha era fundamental ter o controle desses recursos para ter os suprimentos necessários para manter tanto a economia de guerra quanto a economia civil funcionando."

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Segundo Eden Pereira, as forças nazistas subestimaram a capacidade de reação e resistência da URSS.
"Hitler esperava que quando a União Soviética fosse invadida o país cairia, de acordo com as palavras do próprio Hitler, 'como um castelo de cartas'. Ele [Hitler] acreditava que haveria uma revolta interna, que a União Soviética seria um regime tirânico, que os camponeses seriam jogados como bucha de canhão. Acreditava que não haveria resistência e a população se rebelaria contra o governo. Só que o que se viu do ponto de vista político não foi isso."
Ele destaca que ocorreu o oposto do esperado, com "uma grande coesão por parte da sociedade soviética em torno da luta contra os nazistas".
"Não é por acaso que se chama de Grande Guerra Patriótica. Porque ela foi uma guerra popular, que envolveu todos os setores da sociedade soviética na luta contra a Alemanha nazista", ressalta o professor.
João Cláudio Pitillo observa que a URSS que emerge após a Segunda Guerra Mundial, como a responsável pelo ponto de virada no conflito, "é uma potência social, militar, econômica e política".

"Ela tem de se reerguer, porque teve quase que metade do país devastado. E o que vai garantir o avanço soviético nas áreas da tecnologia, ciência, fármacos, fertilizantes, toda essa economia voltada para o bem-estar do povo, é o Exército Vermelho. Porque a Guerra Fria vai intimar um processo imperialista mais violento, agora com armas nucleares, com exércitos mais poderosos. Então a URSS vai precisar se valer desse momento para ter um exército poderoso, para que ela possa garantir as suas fronteiras", destaca Pitillo.

Ele acrescenta que esse processo "foi feito sem um Plano Marshall para fornecer ajuda financeira, como ocorreu na Europa".

A tentativa do Ocidente de apagar o feito soviético em Stalingrado

Pitillo destaca que, com a ascensão da Guerra Fria, o Ocidente viu a necessidade de minimizar as vitórias soviéticas na Segunda Guerra Mundial.

"Após a Segunda Guerra Mundial, o ambiente de concórdia que foi gerado entre a URSS e os países imperialistas, isso se desfez. Toda aquela aliança que houve para derrotar Hitler se desfez. Aqueles países que homenagearam a URSS pela vitória em Kursk, Stalingrado, Moscou, Leningrado, eles esqueceram isso por completo, e passaram a tratar a URSS como inimiga."

Ele acrescenta que a Guerra Fria desencadeou uma batalha cultural, na qual os EUA promoviam o "American Way of Life" enquanto iniciavam um processo de demonização da URSS. Segundo ele, essa propaganda americana explica por que no Ocidente a invasão à Normandia liderada pelas forças americanas tem maior destaque que a Batalha de Stalingrado.
Eden Pereira compartilha da opinião de Pitillo. Em sua avaliação, "houve e ainda há uma tentativa de reescrever os fatos" por parte da retórica ocidental.

"A União Soviética, quando sai da Segunda Guerra Mundial, já está diante de uma Guerra Fria. E os dois principais vencedores do conflito da Segunda Guerra Mundial, na prática, foram os Estados Unidos e a União Soviética."

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Pereira destaca que "a União Soviética foi quem contribuiu com o maior fardo para a derrota da Alemanha nazista". Porém, no contexto da Guerra Fria, os EUA buscaram construir um discurso, com outros países ocidentais, que justificasse a oposição ocidental à URSS.

"Para isso era necessário, em um primeiro momento, comparar a União Soviética com a Alemanha nazista, o que foi feito durante muito tempo. Em um segundo momento, já no fim da Guerra Fria, também houve uma tentativa de diminuir o papel militar e político que a União Soviética teve na coalizão aliada na Segunda Guerra Mundial para derrotar a Alemanha nazista."

Ambos os especialistas concordam que toda essa narrativa forjada contou com o apoio da indústria cinematográfica de Hollywood, que ao longo de décadas, mesmo após a Guerra Fria, continuou retratando soviéticos como vilões e inflando ou mesmo distorcendo os feitos americanos.

"Eles já tinham o 'know-how' nos filmes 'Rambo', 'Braddock'; todos eles viviam lutando contra a URSS, e sempre ganhando. Eles reescreviam a história a ponto de ganhar a guerra no Vietnã. Todas essas loucuras deles. E esse processo vai se tornar cada vez mais virulento. E vai se criar uma russofobia", diz Pitillo.

Eden Pereira aponta um perigo causado por essa tendência de revisionismo. Segundo ele, a tentativa de desmerecer o papel da Rússia na Segunda Guerra Mundial, somada ao incentivo da russofobia, contribuiu para "um retorno paulatino do fascismo ao cenário político mundial".

"Isso está muito presente hoje, de uma maneira ainda mais radical, não só com a reabilitação de figuras que no passado foram colaboracionistas da Alemanha nazista e que, em alguma medida, foram reabilitadas hoje como heróis, mas que cometeram uma série de crimes dentro do Leste Europeu. Uma delas o Stepan Bandera, que é o herói do nacionalismo ucraniano, que é um criminoso de guerra", alerta Pereira.

Ele conclui destacando que esse revisionismo que ameniza os crimes de colaboradores do fascismo é algo muito grave para toda a comunidade internacional.

"É algo seríssimo, que merece uma grande atenção por parte dos historiadores. Porque não se pode dissociar esse revisionismo histórico que nós observamos do reaparecimento do fascismo, seja em solo europeu, seja em nível internacional."

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