Panorama internacional

Após tentativas de ruptura, especialista afirma: 'Relações entre Chile e Brasil vão se reconstruir'

A Sputnik conversou com o analista político Alexis Cortés para saber como vão evoluir as relações bilaterais após a assunção de Lula da Silva. O especialista alertou sobre as ameaças à democracia que tanto o Chile quanto o Brasil enfrentam.
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Gabriel Boric descreveu a posse de Lula como novo presidente do Brasil no dia 1º de janeiro como "um momento de grande esperança para a América Latina". Nesse dia, o presidente chileno assegurou que os dois países têm desafios em comum.
"As relações entre Chile e Brasil vão se reconstruir", disse à Sputnik o analista Alexis Cortés, acadêmico da Universidade Alberto Hurtado e doutor em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
"Uma das características que evoluiu durante o período de Jair Bolsonaro [2019-2023] foi o isolamento do Brasil no concerto internacional. E isso se refletiu sobretudo, no caso do Chile, no não reconhecimento das credenciais de embaixador propostas pelo governo de Gabriel Boric", acrescentou o analista, referindo-se a Sebastián Depolo, que passou a ser reconhecido como embaixador do Chile no Brasil somente após a posse de Lula.
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Cortés explicou à Sputnik que Bolsonaro se caracterizou por ter relações com governos semelhantes à sua política de Estado, como Donald Trump (2017-2021) nos Estados Unidos. "Algo semelhante aconteceu com o Chile, onde havia um bom relacionamento com [o ex-presidente] Sebastián Piñera [2010-2014 e 2018-2022]. Embora Piñera em mais de uma ocasião tenha tentado se distanciar, exceto no início, de Bolsonaro", disse ele.
"Parte da aposta de Lula neste governo é recuperar o que se chama de política ativa no Brasil. Então, isso significa não só uma normalização das relações, o que já se refletiu no reconhecimento de Sebastián Depolo como embaixador do Chile no Brasil, mas também em um reposicionamento de prioridade para o Mercosul", analisou.

Importância do Brasil para a economia chilena

"O Brasil é o primeiro parceiro comercial da região e o terceiro do mundo. Um dos projetos que nos interessa levar adiante é o corredor bioceânico, que ligará Chile, Argentina, Paraguai e Brasil por estrada", disse Boric após o primeiro encontro bilateral com Lula da Silva, no dia 2 de janeiro.
Em dezembro de 2015, os presidentes da Argentina, Brasil, Chile e Paraguai assinaram a Declaração de Assunção sobre Corredores Bioceânicos, sob o compromisso de especificar o corredor rodoviário que liga o porto de Santos no Brasil aos portos chilenos de Antofagasta, Mejillones, Tocopilla e Iquique, na costa do Pacífico.
Para Cortés, o mandato de Lula vai ser marcado pela recuperação e um novo posicionamento nas relações políticas e "comerciais com o restante da região".
"O Mercosul é o segundo maior parceiro comercial do Brasil. Interessa ao Brasil ter um relacionamento fluido em termos comerciais porque não só fortalece sua posição de liderança, mas também porque grande parte de suas exportações industriais vai para os países da região", analisou.
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Ameaças antidemocráticas no Chile e no Brasil

No último domingo (8), militantes de Bolsonaro tomaram a sede do Congresso, invadiram a residência presidencial, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF), exigindo a destituição do presidente Lula. Policiais só conseguiram expulsar os invasores no decorrer da noite de domingo, quando mais de 400 pessoas foram presas em flagrante.
Esse fato teve forte repercussão no Chile, onde há semanas o chamado "Team Patriota", o mesmo que Time Patriota, grupo de ultradireita fanático pelo ex-ditador chileno Augusto Pinochet (1973-1990), tem preparado armadilhas e atos de intimidação contra políticos chilenos.
O Executivo processou o líder do Team Patriota, Francisco Muñoz — mais conhecido como Pancho Malo, devido ao seu passado como líder da barra brava do clube Colo Colo — por sedição após a intimidação de Javier Macaya, senador e presidente da União Democrática Independente, por seu papel na negociação para viabilizar um novo processo constituinte.
Cortés explicou que a ascensão da extrema direita no mundo é produto de uma ação "concertada e coordenada" em termos globais. Tanto Lula quanto Boric convivem com esse fenômeno, baseado principalmente na "desinformação".
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O presidente Boric destacou que durante o encontro bilateral conversou com Lula sobre a importância do combate a esse problema. "Vamos criar instituições que permitam combater a desinformação e, acima de tudo, proporcionar às pessoas uma educação que as capacite a distinguir por si mesmas o que é informativo do que é desinformativo", disse o presidente chileno em entrevista coletiva.
Para Cortés, a ação dos grupos de extrema direita "é globalizada". Figuras como a do norte-americano Steve Bannon, principal assessor de Donald Trump, influenciam os bolsonaristas ou mesmo os militantes do Partido Republicano do Chile (ultradireita), grupo liderado por José Antonio Kast, derrotado por Boric no segundo turno das eleições para a presidência em dezembro de 2021.
"O Partido Republicano [do Chile] rapidamente reconheceu Bolsonaro como uma referência. E isso desde o primeiro momento, até o fim de seu governo. Houve até vários deputados republicanos que foram ao segundo turno no Brasil para expressar seu apoio a ele. Isso ocorre porque claramente há uma coincidência ideológica", acrescentou.
Cortés explicou que há um repertório político comum nesses grupos, uma estratégia discursiva, mas também "há certas ações" como as realizadas pelo Team Patriota.
"É muito parecido com o modus operandi que Bolsonaro utilizou não só durante seu governo, mas também na construção de sua própria carreira. Ou seja, são pautas bastante ultraconservadoras e extremistas, que procuram chamar a atenção por um lado e aos poucos ir normalizando esse tipo de posicionamento", disse.
"É muito importante não normalizar este tipo de ações como as que agora se tornaram comuns no Chile com as ameaças do Team Patriota. É muito importante que o mundo político estabeleça um cordão sanitário que impeça que isso continue se normalizando e posteriormente crescer a ponto de se tornar uma opção real de poder para esse tipo de grupos, como é o caso do Brasil", alertou.
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