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Poder Judiciário foi usado como ponta de lança para intervenção dos EUA no Brasil, revela advogado

Pesquisadores revelam que o Judiciário brasileiro foi utilizado como instrumento de intervenção estrangeira, e delineiam estratégias para garantir que esse importante poder da república não seja utilizado novamente como instrumento para a intervenção dos EUA no Brasil.
Sputnik
A manutenção da soberania nacional passa pela blindagem das instituições do Estado contra interferências estrangeiras indevidas. Em nova edição do livro "Geopolítica da Intervenção", o advogado Fernando Augusto Fernandes relata como o Judiciário brasileiro foi usado como ponta de lança para uma intervenção dos EUA no Brasil.
Com o início de um novo ciclo político no Brasil, advogados e juristas têm defendido o encerramento definitivo da Operação Lava Jato, defendendo inclusive a punição dos juízes e procuradores que adotaram procedimentos escusos para conduzir a força-tarefa.
De acordo com o advogado Fernando Augusto Fernandes, autor do livro "Geopolítica da Intervenção", o governo dos EUA utilizou cursos e treinamentos para orientar a atividade de juízes e procuradores em solo brasileiro.
Agentes do FBI (arquivo)
De acordo com telegrama revelado pelo WikiLeaks, os EUA treinaram membros da Polícia Federal e do Judiciário brasileiro, como Sérgio Moro, para criar forças-tarefas de "investigação de crimes de financiamento ilícito".
Após uma das sessões de capacitação, realizada em 2009, a vice-coordenadora norte-americana para Contraterrorismo, Shari Villarosa, chegou a elogiar os alunos brasileiros, que estariam militando "na direção oposta à do governo eleito e de seu Ministério das Relações Exteriores", revela o telegrama.
"Assim sendo, forças-tarefa podem ser formadas e uma investigação real poderá ser usada como base para o treinamento", revela um telegrama da Embaixada dos EUA em Brasília enviado a Washington."Com isso, os brasileiros terão experiência de como uma força-tarefa proativa funciona em um caso de finanças ilícitas e darão acesso a especialistas dos EUA para orientação e apoio em tempo real."
O telegrama ainda revela a intenção norte-americana de promover treinamentos de longo prazo de autoridades brasileiras, em "grandes centros urbanos" como São Paulo, Campo Grande e Curitiba.
Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato concedem coletiva no auditório do Ministério Público Federal no Paraná (MPF), em Curitiba (foto de arquivo)
Retrospectivamente, fica claro que esses treinamentos deram certo. Durante a operação Lava Jato, autoridades do Departamento de Justiça e do Departamento Federal de Investigação (FBI, na sigla em inglês) realizaram reuniões periódicas com a força-tarefa em Curitiba, muitas vezes sem o conhecimento do Ministério da Justiça do Brasil.
"Há uma lacuna nessa relação direta entre o Ministério Público do Paraná e autoridades estrangeiras, sem passar pelo Ministério da Justiça, como a legislação brasileira determina", disse Fernando Augusto Fernandes à Sputnik Brasil. "Uma autoridade nacional não pode se relacionar com uma estrangeira sem que o Poder Executivo se envolva e avalie os impactos na soberania nacional."

Alcance internacional da lei norte-americana

Um instrumento fundamental para a intervenção norte-americana no Brasil através do Judiciário é a utilização de leis de combate à corrupção dos EUA para processar empresas brasileiras.
O caráter extraterritorial das investigações anticorrupção nos EUA é garantido por uma lei que criminaliza o pagamento de propinas no exterior por empresas estrangeiras que operam no mercado norte-americano, como faziam a Petrobras, a Odebrecht e a JBS.
Stand da Odebrecht na LADD 2015
Multas impostas pelos EUA prejudicaram gravemente a economia nacional, que teria perdido cerca de 3,6% do PIB e 4,4 milhões de empregos em função da Operação Lava Jato, de acordo com relatório do DIEESE publicado em 2021.
"Isso não teria sido possível se os procuradores não tivessem, à revelia da lei, se mancomunado com os procuradores estrangeiros", explicou Fernandes à Sputnik Brasil. "Eles entregaram informações sigilosas [...] e permitiram que esses procuradores norte-americanos viessem ao Brasil e interrogassem pessoas no território nacional, sem o envolvimento do Ministério da Justiça."
De fato, uma matéria do The Intercept Brasil revelou que 17 autoridades norte-americanas estiveram em Curitiba em outubro de 2015, sem o conhecimento do Ministério da Justiça, para reuniões com advogados de 16 delatores da Lava Jato.
Quando a visita foi revelada pela imprensa, o procurador em Curitiba Marcelo Miller disse ao então procurador-geral da República, Augusto Aras, em mensagem revelada pela Vaza Jato, que "o FBI vai confirmar sua presença no Brasil, mas não vai comentar a razão ou a investigação".
Nova visita norte-americana é realizada em 2016, desta vez com o conhecimento das autoridades brasileiras competentes, para interrogar os ex-diretores da Petrobras Nestor Cerveró e Paulo Roberto Costa, em um total de nove horas de interrogatório cada um, revela o livro "Geopolítica da Intervenção".
O ex-diretor Internacional da Petrobras Nestor Cerveró
De acordo com Fernandes, os procuradores brasileiros não só garantiram aos EUA as condições para investigar e multar empresas brasileiras, mas também determinaram que parte dessa multa, estimada em R$2,5 bilhões, ficasse em poder do Ministério Público de Curitiba.
"Ainda tentaram se locupletar nesse acordo feito pela Petrobras em razão da multa, para que o próprio Ministério Público recebesse um valor bilionário", explica Fernandes. "Chegaram a abrir uma fundação, que iria receber esses recursos."
Fernandes comemora que o Supremo Tribunal Federal "tenha aberto os olhos" e agido para evitar que esses recursos fossem alocados à fundação que o procurador Deltan Dallagnol tinha a intenção de coordenar.

Escritórios de advocacia dos EUA no Brasil

A atuação dos EUA junto ao Judiciário brasileiro garantiu alguns mecanismos de interferência permanente em empresas brasileiras, como a Petrobras.
Depois de impor multas contra a estatal, o Departamento de Justiça dos EUA ofereceu um acordo à empresa. Entre as cláusulas, estava a abertura de um "departamento de compliance" dentro da Petrobras, onde advogados externos fiscalizariam permanentemente as atividades da empresa.
Técnico da Petrobras examina amostra de óleo no Polo Urucu , no Amazonas
O escritório de advocacia brasileiro responsável pelo "compliance", o Trench Rossi & Watanabe, está sob investigação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por atuar como sucursal do escritório de advocacia norte-americano Baker McKenzie, revelou a revista Piauí.
Esta manobra legal típica do chamado "lawfare" garante aos EUA a supervisão permanente das atividades da Petrobras.
De acordo com Fernandes, a intervenção através de escritórios de advocacia ainda não está no radar do gabinete de transição do governo, que estuda maneiras de evitar novas investidas estrangeiras no Judiciário.
Sergio Moro e Deltan Dallagnol, procurador federal e coordenador da Lava Jato no MPF, participam do Fórum Mãos Limpas & Lava Jato (foto de arquivo)
"O Brasil não permite isso como uma espécie de reserva de mercado aos advogados brasileiros [...] mas existem áreas onde isso está sendo burlado, se utilizando de advogados e escritórios brasileiros, mas que de fato estão servindo escritórios internacionais", disse Fernandes.

Futuro brilhante?

Após as revelações sobre os métodos da operação Lava Jato e o julgamento da suspeição do ex-juiz federal Sérgio Moro, juristas brasileiros debatem como evitar que novos abusos sejam cometidos em operações de combate à corrupção no Brasil.
"O papel mais importante nessa resposta deve ser do próprio Judiciário", acredita Fernandes. "O Judiciário tem feito uma revisão dos erros que geraram os abusos."
O advogado, no entanto, reconhece que "o Judiciário não só participou desses abusos, como de fato os fez, não só através de Moro, mas também do Supremo Tribunal Federal, que negou um habeas corpus sobre a presunção de inocência de Lula, culminando na sua prisão".
"Até o Supremo foi coautor desses abusos. Mas em determinado momento, alguns ministros do STF perceberam o caos que essas decisões estavam gerando e alteraram o seu posicionamento", lembrou Fernandes, citando as mudanças de postura dos ministros Gilmar Mendes e Carmem Lúcia.
Fernandes ainda celebra decisões do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que estipulam procedimentos mais claros para a realização de delação premiada, e a punição de procuradores que financiaram campanhas em outdoors para promover a própria instituição durante a Operação Lava Jato.
Apoiador do presidente Jair Bolsonaro é fotografado usando placa com frases críticas ao ministro do STF, Gilmar Mendes.
Mas o advogado revela que existe potencial de oposição política ao novo governo dentro dos órgãos de justiça, uma vez que "70% do Judiciário brasileiro é bolsonarista".
"O dique que está segurando tudo isso é o STF e o STJ, porque a verdade é que vamos demorar anos para deputar o Judiciário brasileiro, que infelizmente se manteve apartado do processo de redemocratização. Precisamos definitivamente democratizar o Poder Judiciário", concluiu o advogado.
A Operação Lava Jato foi conduzida entre março de 2014 e fevereiro de 2021, para investigar crimes como corrupção ativa e passiva e gestão fraudulenta em empresas brasileiras. A nova edição do livro "Geopolítica da Intervenção", escrito pelo advogado Fernando Augusto Fernandes, foi publicado no Brasil pela editora Geração.
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