Panorama internacional

Visita da OEA não deve resolver crise no Peru e presidente pode ser deposto, dizem analistas

Desde que venceu as eleições de 2021, o presidente do Peru, Pedro Castillo, não tem tido vida fácil. Azarão na corrida eleitoral, Castillo enfrenta uma relação bastante conturbada com o Congresso peruano, e, a cada dia que passa, fica mais incerto se ele de fato conseguirá terminar o mandato. Analistas ouvidos pela Sputnik Brasil acreditam que não.
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A enorme instabilidade que abala o país, tornando-o praticamente ingovernável, fez com que Castillo apelasse para a Carta Democrática Interamericana, da Organização dos Estados Americanos (OEA). O mandatário peruano requereu uma visita de um grupo de alto nível do organismo, prevista nos artigos 17 e 18 do documento, para lidar com a crise política no país andino.
A solicitação foi aprovada em 20 de outubro e a visita se iniciou neste domingo (20). Durante a passagem pelo Peru, os integrantes da comissão vão ouvir o presidente, congressistas e membros do Ministério Público (MP) e da Defensoria Pública.
Entre as reuniões agendadas está uma com a procuradora-geral peruana, Patricia Benavides, responsável por uma denúncia constitucional apresentada contra o presidente que pode resultar na destituição de Castillo do cargo. A denúncia, que avançou em subcomissão do Congresso, acusa o presidente de organização criminosa, tráfico de influência e conluio.
Outra frente em que a oposição atua para destituir Castillo é com uma denúncia de traição à pátria. O argumento usado na acusação — visto como frágil até por críticos do presidente — é que o mandatário teria traído os interesses nacionais ao acenar positivamente para o reclamo da Bolívia por uma saída para o mar durante uma entrevista.
Analistas ouvidos pela Sputnik Brasil acreditam que a visita da OEA não deve resolver o cenário conflagrado do Peru e apostam que o presidente não conseguirá terminar o seu mandato no tempo previsto, em 2026.

"A expectativa é que ele não consiga de fato terminar o mandato, que a qualquer momento ele vá cair, mais cedo ou mais tarde. Há duas possibilidades: há uma possibilidade de que isso aconteça por meio de uma moção de vacância ou aprovação dessa denúncia constitucional, ou uma outra saída seria uma saída negociada de antecipação das eleições, como já vem sendo ventilado há algum tempo", afirma o cientista político Jefferson Nascimento, pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

O analista, que integra o Observatório Político Sul-Americano (OPSA) e o Núcleo de Estudos de Teoria Social e América Latina (NETSAL) da UERJ, disse à Sputnik acreditar que a acusação da Procuradoria-Geral e a tentativa de condenação por traição são mais fáceis de serem aprovadas do que as moções de vacância anteriores em razão de o quórum necessário ser de maioria simples, e não de dois terços.
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No entanto Nascimento entende que não há elementos que sustentem a derrubada do presidente. O analista aponta que a própria investigação tem controvérsias.

"O conteúdo que está sendo julgado é bastante polêmico. Não há provas muito robustas sobre o que o presidente Castillo vem sendo acusado. De acordo com a Constituição, o Ministério Público só pode investigar um presidente em exercício em três situações: quando há fechamento do Congresso, quando há traição da pátria ou quando o presidente tenta impedir que as eleições ocorram. Nenhuma das seis acusações que a Procuradoria-Geral do MP apresentou contra o presidente pode ser de fato classificada dessas maneiras. E essa é a primeira vez na história que a Procuradoria-Geral investiga um presidente ao longo do seu mandato. Normalmente investigações contra presidentes ocorrem depois que o mandato termina. Além disso, a procuradora-geral vai além. Além de investigar o presidente utilizando uma investigação relâmpago, ela ainda acusa o presidente de cometer crimes e passa essa acusação para o Congresso votar."

Rolando Alfonso Torres Prieto, membro do comitê executivo da Central Autônoma de Trabalhadores do Peru (CATP), também entende que a acusação contra Castillo não tem base legal. "Mas eles não estão interessados, porque sabem que, se conseguirem os votos, a destituição será realizada", pondera o dirigente sindical.
Torres Prieto considera a conjuntura política do país "preocupante, devido ao confronto permanente entre os Poderes Executivo e Legislativo". Ele aponta que o Congresso "conta com o apoio da classe empresarial, que a todo custo quer impedir que os privilégios que possui sejam regulamentados".

"Os operadores políticos desses grupos dirigem o Congresso, mas não têm os votos necessários para retirá-lo da presidência da República e forçam interpretações caprichosas do que está estabelecido na Constituição", afirma.

Ao mesmo tempo, o dirigente sindical avalia que a visita da OEA não vai apaziguar a crise política. "O confronto vai continuar, já que o cerne da questão é derrubar o presidente e desgastá-lo para que perca o apoio da população", aponta.
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Nascimento também vê como difícil a tarefa da OEA. Para o pesquisador, a crise peruana vem de longa data e só pode ser resolvida com um amplo processo de refundação do Estado peruano.

"Dificilmente a situação e a oposição vão chegar a um consenso sem a mediação de algum ator externo. Por isso, de fato, a visita da OEA e a eleição de presidentes de esquerda na região, como [Luiz Inácio] Lula [da Silva] — que tem papel histórico de liderança e de mediação de conflitos — podem ajudar a uma saída negociada, mas dificilmente isso vai significar manutenção de Castillo no poder. Acho que essa crise de longo prazo, desde 2017, [...] [sinaliza que] o Estado peruano talvez tenha atingido o seu limite e acho que é preciso, de alguma forma, um processo de refundação do Estado. [...] E para isso é preciso um processo vindo da sociedade civil, e não imposto de cima para baixo."

Essa mudança radical também é defendida por Torres Prieto, que desconfia da efetividade de uma antecipação das eleições sem que haja uma ampla mudança na legislação peruana.
Diante de tanta turbulência, Castillo teve problemas para implementar sua agenda. Segundo os entrevistados, não há grandes feitos da gestão do ex-líder sindical do magistério por causa desse ambiente de ingovernabilidade.
Nascimento destaca como feitos positivos o enfrentamento à pandemia de COVID-19, o programa de segunda reforma agrária e a saída do Grupo de Lima.
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